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Gabriela Moura: “Não vou me comportar como um homem branco”

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Inspiração

Gabriela Moura: “Não vou me comportar como um homem branco”

A diretora de criação da Soko e vice-presidente do Clube de Criação em São Paulo fala sobre ser mulher negra em posição de liderança criativa, autossabotagem e inspirações


11 de maio de 2022 - 0h22

Gabriela Moura é diretora de criação da Soko e vice-presidente do Clube de Criação em São Paulo (Crédito: Divulgação)

Gabriela Moura, diretora de criação da Soko e vice-presidente do Clube de Criação em São Paulo, acredita que as pessoas ainda esperam ver as mulheres imitando os homens brancos no ambiente corporativo, e que essa expectativa pode levar profissionais negras a duvidarem de si mesmas.

“O mundo espera que a gente faça esse cosplay de executivo de terninho posando pra foto de braços cruzados, que ganha respeito da equipe pelo medo. Eu não sou assim, mas quanto mais eu me afasto desse estereótipo, mais cobrada pelo mundo eu me sinto. Isso me leva à autossabotagem”, diz.

Veja abaixo nossa conversa com a Gabriela, que tem formação em relações públicas e psicologia social. Ela é, ainda, escritora e coautora do livro “#MeuAmigoSecreto: feminismo além das redes”, que reúne artigos inéditos sobre as raízes do machismo, com prefácio da filósofa Djamila Ribeiro. Durante seis anos foi também mobilizadora social com foco nos direitos civis das mulheres no coletivo Não Me Kahlo, onde recebeu o prêmio Troféu Imprensa por melhor projeto de temática feminina. 

 

Que características ou habilidades você considera essenciais em uma mulher na liderança criativa? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente?    

Eu considero importante que a gente esteja sempre exercitando nossa capacidade de tomar decisões rápidas. Muitas vezes nos deparamos com situações complexas, que naturalmente exigem uma análise profunda dos acontecimentos, então precisamos encontrar esse equilíbrio delicado entre dedicação de tempo pra compreender o cenário e rapidez para tomar uma decisão justa. 

Você acredita no ócio criativo e na procrastinação? Como os encara e como sai desses estados?

Não me agradam esses termos. Acho que o ser humano precisa de descanso e ponto final. Para algumas pessoas, descanso é fazer uma trilha ou correr ao ar livre – ambas atividades extremamente cansativas para o corpo -, para outras, basta dormir e fazer “vários nada”. Alternamos nosso estado mental o tempo todo e precisamos aprender a ouvir o corpo e dar a ele o que ele quer. Procrastinação é um sintoma de ansiedade, não uma forma de descansar. Procrastinar implica em postergar algo que você sabe que precisa ser feito, então ao falar disso estamos entrando em outra seara, a seara da culpa. Sobre ociosidade, minha visão é que não somos robôs. Para produzir bem, precisamos estar com a cabeça boa. E isso só é possível com equilíbrio. 

Você já teve algum tipo de sentimento de autossabotagem? Como lida com essa situação e que dicas dá para mulheres que se sentem assim nos projetos, áreas e lugares em que atuam?  

Eu sou mulher e sou negra, a autossabotagem é uma coisa que me acompanhou durante muito tempo, e contra a qual eu ainda preciso lutar com frequência. Homens e pessoas brancas, por mais bem intencionados que sejam, estão quase sempre alimentando esses pequenos monstros quando não conseguem compreender que o patriarcado e o racismo foram traumas profundos que nos direcionaram a novas táticas de sobrevivência e, consequentemente, criação. O que quer dizer que eu não posso, não quero e não vou me comportar como um homem branco. Mas como o “homem branco” ainda é o padrão, mesmo nos setores mais progressistas, o mundo espera que a gente faça esse cosplay de executivo de terninho posando pra foto de braços cruzados, que ganha o respeito da equipe pelo medo. Eu não sou assim, mas quanto mais eu me afasto desse estereótipo, mais cobrada pelo mundo eu me sinto. Isso leva à autossabotagem. “Meu Deus, será que estou sendo boa o suficiente?” Por outro lado, quanto mais fiel a si mesma você é, mais forte você se torna contra a autossabotagem. 

Quais mulheres inspiradoras você segue, lê e observa? Como elas te inspiram?

Minha parceira no Clube de Criação, a Joana Mendes, foi minha primeira inspiração real no mercado publicitário. Eu me vejo muito nela. Mas também gosto de acompanhar mulheres de outros mercados para me atualizar sobre novas formas de trabalhar inovação, arte e criatividade. Como sou muito apaixonada por música e cinema, minhas inspirações vêm daí. Na música, acompanho muito a Ana Tijoux, mulher franco chilena de ascendência indígena e que externa as vivências das mulheres latino-americanas em suas músicas. No cinema, acompanho muitas diretoras mulheres que estão tomando conta desse mercado tão machista como o audiovisual, e um dos meus nomes preferidos é a Jane Campion. Quero ser igual a ela quando eu crescer. 

Quais conteúdos ou ferramentas você recomendaria para uma criativa que quer dar uma turbinada na carreira?

Primeiro, eu recomendo o consumo de arte. Inclusive, aquela que a mídia não cobre tanto. Artistas que não têm dinheiro pra estarem entre os mais ouvidos das rádios, diretores de cena que não têm recursos pra efeitos especiais, roteiristas que saem dos eixos tradicionais de texto. Recomendo estudar linguagens e movimentos artísticos. Garanto que esse repertório faz toda a diferença. Mas também considero importante conversas com pessoas mais experientes, fazer mentorias, se aproximar dos espaços onde você quer estar e ter a humildade de se colocar como uma aprendiz. 

Por fim, tem dicas de séries, filmes, livros e/ou músicas que consumiu recentemente e a fizeram refletir sobre a condição e o papel das mulheres? 

Sim, dois filmes muito diferentes um do outro: Sweat, de Magnus von Horn, mostra a vida de uma mulher em evidência na internet e que vive para agradar sua audiência, e o que acontece quando ela tenta a todo custo suprir essas expectativas. Nojoom, 10 anos, Divorciada, de Khadija al-Salami, mostra a história real de uma menina obrigada a casar ainda criança, toda a violência física e psicológica que isso significou, e sua luta para obter o divórcio. A diretora desse filme é a primeira mulher cineasta de seu país (Iêmen). A obra é essencial pra refletirmos sobre a condição da mulher no mundo e os direitos das meninas. 

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