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Glass cliff: a armadilha invisível que coloca mulheres no poder

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Opinião

Glass cliff: a armadilha invisível que coloca mulheres no poder

Somente quando mulheres puderem liderar em condições favoráveis e sustentáveis, teremos um verdadeiro avanço na diversidade de gênero nos cargos de decisão


25 de março de 2025 - 9h31

(Crédito: Shutterstock)

Nos últimos anos, o mundo corporativo tem se esforçado para ampliar a presença feminina em cargos de liderança. No entanto, apesar dos avanços, as mulheres ainda enfrentam desafios específicos que comprometem suas trajetórias profissionais. E eu nem vou entrar na questão da maternidade.

Um desses fenômenos, que eu conheci recentemente, é o chamado glass cliff (ou “penhasco de vidro” na tradução literal, mas que nada mais é do que o nosso “telhado de vidro”), que ocorre quando mulheres são alçadas a posições de comando em momentos de crise, assumindo o desafio de salvar organizações em situações altamente instáveis.

O resultado? Pressão intensa, escassez de recursos e maior probabilidade de insucesso. Não é por acaso que, segundo dados recentes, quase um quarto das CEOs mulheres deixam seus cargos em até dois anos, enquanto apenas 10% dos homens fazem o mesmo.

Uma recente pesquisa publicada pela Harvard Business Review buscou testar essa dinâmica e concluiu que enquanto uma empresa liderada por homens tiver um bom desempenho, não há necessidade percebida de mudar seu padrão de liderança masculina. Somente se os líderes masculinos manobrarem uma organização para problemas é que uma mudança para uma líder feminina é preferível.

Nos últimos anos, vimos algumas mulheres assumindo cargos de CEO em grandes corporações durante períodos de crise. Alguns podem argumentar que são casos isolados, considerando que muitos homens também assumem empresas em momentos turbulentos. De qualquer forma, o questionamento de gênero nesses cenários ajuda a desafiar ideias antigas sobre o que é bom ser um CEO.

A liderança hoje ainda é muito formada em torno de atributos masculinos típicos. Uma colega compartilhou comigo que, após uma reunião de lideranças na qual era a única mulher, um colaborador comentou que sua postura parecia mais incisiva do que o normal. No final, ele ainda sugeriu que ela “sorrisse mais”.

E essa realidade não se limita ao setor privado. No terceiro setor, onde a missão social deveria estar no centro das decisões, dinâmicas semelhantes acontecem. Conselhos administrativos compostos majoritariamente por homens escolhem mulheres para liderar instituições filantrópicas ou ONGs em momentos críticos, esperando que elas assumam a difícil tarefa de reestruturação e tomada de decisões impopulares. Mas, quando os desafios se tornam incontornáveis, essas mesmas mulheres acabam responsabilizadas por problemas que já existiam antes de suas chegadas.

Eu mesma vivi isso. Em uma posição de liderança no terceiro setor, fui contratada para conduzir uma transição complexa. No entanto, logo percebi que minha presença ali tinha uma intenção implícita: ser a “solução” para uma crise já instalada. A governança não estava alinhada, os tomadores de decisão evitavam assumir responsabilidades e, sem o devido suporte institucional, minha permanência se tornou inviável.

Felizmente, existem organizações que trabalham para mudar esse cenário. No Grupo L’Oréal no Brasil, faço parte de um dado que me orgulha: 56% dos cargos de liderança da companhia são ocupados por mulheres. Também conquistamos um marco importante: somos a terceira empresa no mundo a alcançar o nível Lead da certificação Edge, que avalia o equilíbrio de gênero e remuneração na estrutura organizacional. Além disso, em 2021, criamos a Rede Gaia, um movimento interno voltado à equidade de gênero. A Gaia atua como um espaço de acolhimento, empoderamento e transformação para as mulheres da companhia, promovendo rodas de conversa, treinamentos, eventos e campanhas que ajudam a romper barreiras e criar ambientes seguros para reflexões e trocas.

Essa sororidade é essencial para quebrarmos o ciclo do glass cliff. Mas não basta apenas apoiar umas às outras: é fundamental que as lideranças femininas recebam suporte institucional adequado, com mentorias, planos de sucessão estruturados e condições realistas para exercerem seu trabalho com eficiência. Além disso, as organizações devem revisar os critérios de seleção para cargos de liderança, garantindo que mulheres não sejam colocadas apenas em situações de alto risco.

Desafiar o glass cliff é um passo fundamental para garantir uma liderança mais justa e equitativa. Somente quando mulheres puderem liderar em condições favoráveis e sustentáveis, teremos um verdadeiro avanço na diversidade de gênero nos mais altos cargos de decisão. A igualdade de oportunidades só será alcançada quando todas as lideranças, independentemente do gênero, forem avaliadas e apoiadas com base em seu potencial e não apenas em momentos de crise.

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