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Grazi Mendes reflete sobre a liderança do futuro em novo livro

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Inspiração

Grazi Mendes reflete sobre a liderança do futuro em novo livro

"Ancestrais do Futuro", obra que inaugura a trajetória da executiva como autora, é um convite a repensar o mundo corporativo e a tecnologia


14 de outubro de 2024 - 16h57

Grazi Mendes, head de diversidade, equidade e inclusão para a América Latina na ThoughtWorks, inaugura sua trajetória como escritora com o novo livro “Ancestrais do Futuro” (Crédito: Rodolfo Sanches/Divulgação)

“Seguro nas mãos um dos poucos livros que temos em casa. Quando volto os olhos para as páginas, a realidade ao meu redor se apaga lentamente, como se feita de fumaça, e em seu lugar vejo surgir outro cenário, uma cidade desconhecida, um personagem que vive aventuras inspiradoras. Crio outro mundo, porque ali começo a imaginar”, descreve Grazi Mendes no parágrafo de abertura de Ancestrais do Futuro – Qual a mudança que seu movimento alcança? (editora Benvirá), livro autobiográfico de liderança que inaugura sua trajetória como escritora. 

Filha de dona Fatinha, empregada doméstica, Grazi aprendeu a ler com a irmã mais velha, mas nunca se imaginou no papel de autora. Hoje, como head de diversidade, equidade e inclusão para a América Latina na ThoughtWorks, consultoria global de tecnologia, ela compartilha com o público o mesmo exercício de imaginação que fazia na infância, agora apoiado em fundamentos científicos: imaginar radicalmente futuros melhores, com a esperança de alcançá-los. Para ela, essa capacidade é uma “tecnologia humana”, algo único dos seres humanos. 

“Temos tantas tecnologias digitais e estamos lidando com tantos desafios… A questão é como podemos usar nossas tecnologias humanas para nos salvar da crise de imaginação, que tem intensificado muitos dos problemas que vivenciamos no dia a dia”, explica. 

Falando de sua casa em Nova Lima, pequena cidade ao lado de Belo Horizonte, onde trabalha, Grazi, que também é conselheira e cofundadora do cursinho popular Voa Papagaio, na comunidade do Morro do Papagaio, periferia da capital mineira, contou ao Women to Watch sobre a produção e o lançamento do livro, marcado para o dia 16 de outubro, em São Paulo. A obra já tem gerado debates tanto no meio corporativo quanto em grupos subrepresentados que, como ela, desejam imaginar e alcançar novos horizontes. 

Ao longo do livro, Grazi costura passado, presente e futuro, convidando leitores de todas as origens a revisitar suas histórias e refletir sobre o legado que desejam deixar para as próximas gerações. Ela enfatiza a urgência de transformar as relações raciais no ambiente de trabalho e em outras esferas da sociedade. 

Você recebeu um convite para escrever seu novo livro. O que te motivou a topar?

Minha irmã mais velha me ensinou a ler, e isso me fez ter uma conexão muito forte e afetiva com a leitura. Meu primeiro papel de liderança foi como presidenta do clube de leitura na escola pública onde estudava, porque não a instituição não tinha livros suficientes. Eu, indignada, porque os livros me salvaram, queria mais pessoas na mesma batalha.  

Pela minha história, tinha dificuldades de me enxergar como uma pessoa capaz de escrever. Aos poucos, passei a conhecer e a ter respeito pela “escrevivência”, e isso foi redefinindo meu pensamento, até conseguir me ver como uma autora. Sou, sim, uma autora, a partir das coisas que produzo. Nesse processo, recebi esse convite. A pandemia trouxe muito isso para mim. À época, enquanto os executivos falavam sobre o “novo normal”, eu estava indignada e esse sentimento só saiu por escrito. Foi transformador. Coloquei tudo no texto, e ele encontrou caminhos que não imaginava, chegou em pessoas que compartilhavam das mesmas ideias. Foi minha terapia. Algumas coisas só saem de nós por texto. 

Nesse processo, recebi o convite de duas mulheres que trabalhavam na editora Benvirá (selo da SRV Editora Ltda.), que estavam acompanhando meus textos. Disseram que gostavam muito das coisas que eu escrevia. Inicialmente, achei que seria algo muito difícil, mas ter outras mulheres te reconhecendo nos espaços e levando seu nome é especial. Elas confiaram em mim como uma autora brasileira que fala sobre liderança nas perspectivas que eu já trazia.  

O nome do livro é “Ancestrais do Futuro”. O que significa a expressão? 

É um lugar não óbvio. Muitas vezes, as pessoas, principalmente aquelas que não vêm de um contexto marginalizado, acabam conectando a ideia de ancestralidade com uma noção de hereditariedade, como uma questão genética, de DNA. Mas a ancestralidade do futuro é outro convite.  

Sermos ancestrais do futuro é nos dar conta de que tudo o que temos hoje nos foi entregue, e que nós estamos gestando um novo mundo a partir das decisões que tomamos e fazemos agora. É sobre nos responsabilizar pela possibilidade de futuro de quem vem depois de nós.  

Inspirada num provérbio africano que diz que quem planta uma árvore não viveu em vão, mesmo que não usufrua da sombra, pensei em como como podemos trazer essa perspectiva para o nosso dia a dia, de que as coisas precisam ficar mais bonitas para quem vem depois. Devem ficar melhores do que aquilo que a gente recebeu, como uma maneira de honrar quem veio antes e aquilo que nos foi entregue e, ao mesmo tempo, garantir essa responsabilidade intergeracional.   

Quais foram os desafios de escrever o livro? Qual é o seu objetivo com ele?

Um dos meus grandes dilemas eram os públicos. Tinha dúvidas se ia escrever para o executivo, porque sabemos qual é o perfil das pessoas que estão com a caneta na mão. Não queria escrever apenas para quem já está ocupando esses lugares, mas para quem, assim como eu, não se viam nesses espaços e poderiam reconhecer suas histórias como potências. Queria tornar claro que as características e identidades delas importam e elas são quem são a partir do momento em que foram criadas, e não de preconceitos e discriminações que acontecem no mercado de trabalho. 

Quero que qualquer mulher que leia “Ancestrais do Futuro” se veja como possível e potente, assim como me vi diante do convite para escrever o livro e quando visitei minha própria história. No processo, entendi que a “viração”, algo que aprendi trabalhando e resolvendo problemas desde os 13 anos, não está no currículo formal de uma universidade de elite, mas é uma grande força minha, até hoje importante. Não fiz inglês desde o berçário. Não aprendi algumas coisas no curso de gestão, mas no arranjo de mulheres periféricas de que preciso cuidar e ajudar no trabalho.  

Os códigos não são feitos para que pessoas como eu possam se ver com carreiras possíveis e de sucesso. Comecei a sentir muito conforto em ser alguém de fronteira, ou seja, alguém que transita entre os mundos. Sou professora da Escola de Negócios e do cursinho popular no Voa Papagaio. Ao mesmo tempo, tenho quase 25 anos de ambiente corporativo, de multinacionais, de diferentes indústrias. Se sou um ser de fronteira, desejo escrever a partir dessa fronteira e ter um texto que possa fazer a ponte entre esses dois mundos, para que essas pessoas possam não apenas sobreviver, mas sonhar e alcançar lugares. 

Pode compartilhar alguns conceitos que você desenvolve em “Ancestrais do Futuro”?

Trouxe pesquisas e estudos que estão conectados tanto ao meu mestrado em design de futuros como a neurociência e comportamento. Há muitas referências e um convite à reflexão. Trouxe algumas perguntas norteadoras para que as pessoas construam sentido a partir de cada capítulo e façam seus exercícios. Isso vem de um lado muito professoral meu. Não à toa, o livro será ser lançado no dia 15 de outubro.  

É um livro que vai lá atrás, no passado, se conecta com o presente, faz elucubrações sobre o futuro e te puxa para fazer visualizações. Faz isso de maneira espiralar ou circular, que é o modo como vejo e experiencio o tempo, e também um aprendizado dos meus estudos sobre ele.  

Meu conceito preferido, que abre o livro, é de imaginação radical. A ideia é que não devemos ver as coisas como elas são, mas como elas podem ser. Einstein dizia que a imaginação é melhor que o conhecimento, porque o conhecimento tem limite, e a imaginação, não. A imaginação tensiona os limites do que está colocado, para que a gente possa visualizar o que está sendo colocado e uma realidade preferível a partir desse olhar. É um convite a atuar no presente para construir essa realidade.  

Esse conceito é muito potente, pois nos propõe a pensar na imaginação como uma tecnologia. Temos tantas tecnologias digitais e estamos lidando com tantos desafios… A questão é como podemos usar nossas tecnologias humanas para nos salvar da crise de imaginação, que tem intensificado muitos dos problemas que vivenciamos no dia a dia. 

Você traz, no livro, a ideia de que a construção de um futuro melhor só é possível a partir de futuros plurais. Pode falar sobre isso? 

Geralmente, as executivas fazem uma discussão sobre legado quando alcançam determinadas posições. Contudo, há uma confusão muito grande entre legado e herança. Herança é o que você deixa para os seus filhos, e legado é o que você deixa para o mundo. E, na posição que temos, tomamos decisões todos os dias que criam futuros ou os impossibilitam, porque qualquer perspectiva de futuro só vai existir se couber mais pessoas, ou seja, se for plural. Ele, portanto, precisa ser construído não apenas na perspectiva plural, mas também por cabeças plurais, por vivências plurais. Ou o futuro será plural, ou ele não vai existir.  

Uma perspectiva de pensar e criar futuros de uma forma limitada e para um grupo muito pequeno de pessoas não vai livrar essas pessoas de serem impactadas. Como traduzir isso na prática? Se sou alguém que só pensa em acumulação de riqueza, em exploração, tanto da natureza quanto das pessoas que trabalham comigo, pois desejo enriquecer a qualquer custo ou quero cuidar apenas do meu futuro, isso não é muito inteligente. No fundo, se eu não trouxer essa lente de futuros plurais, se não contribuir para um mundo melhor, com mais pessoas, vou ter que gastar cada vez mais dinheiro. Pensar em investir muito para garantir minha segurança, por exemplo.

No livro, você também escreve sobre cuidado e futuro. É inevitável não associar isso aos recortes de gênero e raça. Em que medida essa relação está presente na obra?

Eu não me abstive de trazer uma perspectiva de uma mulher racializada para esse contexto. Então, o livro fala muito que estão relacionadas a gênero e raça, intencionalmente. Porque esse é o lugar de onde falo. Tem uma frase que diz que a cabeça pensa onde os pés pisam. Eu, graças a quem eu sou, não consigo reimaginar o futuro ou as relações desconsiderando essas dimensões. Para mim, isso é insociável. 

E aí volto para o exercício de imaginação radical que acontece no livro. Se as pessoas negras, que representam a maioria do nosso país, pudessem sonhar em ocupar espaços e se não tivessem o horizonte de sonho encurtado, o que aconteceria? Se eu, filha de uma mulher que foi empregada doméstica, com um horizonte de sonho profissional como a empregada doméstica da filha da patroa da mãe – porque sim, existem profissões hereditárias no país –, pudesse sonhar em ser astronauta e tecnologista desde pequenininha, o que aconteceria? Será que meu primeiro livro seria escrito aos 44 anos? Não sei, mas desafiar essa visão e esse sonho é uma proposta que está muito presente no livro.  

Quando você faz o exercício de imaginar radicalmente seu futuro, para onde sua imaginação vai?

Minha imaginação é meu samba de cura. Há um ano, quando fui diagnosticada com câncer de mama, foi a primeira imagem que projetei. E esse samba vai chegar em breve. Vou sambar minha cura. Ela não vai acontecer lá, pois está acontecendo nesse momento, desde o primeiro dia. Cada vez que recebo um abraço. Sempre que vejo o arranjo de flores de um jardineiro que recebeu a notícia e faz isso para contribuir com meu sistema imunológico. Acontece quando tenho mais uma aplicação de medicação. Acontecerá quando lançar esse livro. O samba de cura é o momento de celebrar que ela se consolidou.  

Também imagino que, daqui a pouco, espero não precisar mais falar e escrever sobre essas coisas. Espero que não seja necessário, que tudo esteja mais óbvio para todo mundo e que eu possa escrever sobre assuntos que não são mais relacionados a isso, porque teremos conseguido construir um futuro em que isso não será mais uma questão.  

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