Hoje dei folga para as dores, vamos celebrar!
Esse texto é para lembrar que por essência nós, mulheres negras, sempre fomos revolucionárias
Hoje dei folga para as dores, vamos celebrar!
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26 de julho de 2023 - 8h39
A gente cresce e passa a vida falando das nossas dores e sofrimentos. De como ainda não há representatividade, de como temos tanto para transformar, de como é estar em lugares repletos de homens brancos héteros cis. Essa é uma constante todos os dias do ano, não só em fóruns de trabalho, mas em nossas vidas pessoais, que são atravessadas por tanta desigualdade o tempo todo. Não, não é fácil ser uma mulher negra no Brasil.
Dia 25 de julho é o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, a data foi estabelecida pela primeira vez na República Dominicana e reconhecida pela ONU, é um lembrete mundial para não desviarmos o olhar às questões das mulheres negras na América Latina e no Caribe e, mais do que isso, para debatermos, traçarmos planos e agirmos em prol de quem está mais exposto aos riscos e à vulnerabilidade social.
Mas hoje eu também quero um suspiro de esperança, um momento de exaltação, um momento de “aquele quentinho no coração”. Djamila Ribeiro diz em seu livro ‘Cartas para minha avó’: “Se as injustiças do mundo me deixam indignadas, foi porque olhos ativos negros da cor da noite me acolheram antes que eu pudesse aprender as palavras, antes que eu soubesse o que era feminismo ou luta política”.
Se você, mulher negra como eu, que luta por um mundo diferente, já esteve em espaços que te demandaram muita energia para suspirar, mas se sentiu acolhida em uma troca de olhares como outra mulher negra sabe bem do que estou falando. Vilma Reis, socióloga brasileira especialista em estudos étnicos e africanos, afirmou em entrevista para a BBC, que existe uma “rede de sorrisos” entre as mulheres negras. O gesto, que nem sempre acontece quando as pessoas se conhecem, pode significar cumplicidade e é, principalmente, um modo de comunicar-se sem usar as palavras, segundo a pesquisadora.
Nesse sentido, Vilma relembra que, em muitos momentos, as mulheres negras eram obrigadas a vivenciar experiências que as impediam de conversar e, por isso, os sorrisos trocados entre desconhecidas são uma herança desse tempo, que requisitava solidariedade e identificação entre elas.
Para Bell Hooks, o amor é ação e afetividade; para mim, a rede de sorrisos tem a ver com resistência e com amor; assim, complemento com uma citação da filósofa, escrita no ensaio ‘Vivendo de amor’, que diz: “Quando nós, mulheres negras, experimentamos a força transformadora do amor em nossas vidas, assumimos atitudes capazes de alterar completamente as estruturas sociais existentes.”
Hoje, mais de 30 anos depois da instituição do Dia das Mulheres Latino-americanas e caribenhas, a comemoração ainda significa luta e resistência, mas além disso, representa um espaço de celebração cultural e reconhecimento das jornadas das nossas ancestrais. Essa recognição, por sua vez, é parte dos esforços que fortalecem as identidades femininas na comunidade negra e reverberam na construção de estruturas mais inclusivas e menos estigmatizantes. Enxergar-se em figuras de protagonismo também significa empoderar a própria vivência a partir dessas trajetórias inspiradoras.
Não apenas as líderes deixam suas marcas no legado de protagonismo feminino e negro, mas também todas as outras profissionais negras que contribuem para a revolução do mercado e das estruturas estigmatizantes que nos colocaram, por muito tempo, às margens das decisões e do poder. Eu lembro que ainda estagiária buscava referências e elas estavam tão distantes… Hoje, mulheres como Tatiana Marinho, Michele Carlos, Samantha Almeida, Débora Fernanda, Raquel Virgínia, Patrícia Moura, Cris Guterres, Janaína Assumpção, Raphaela Martins, Dilma Campos, Dani Benoit, Yhannath Silva, Renata Hilário, Helena Bertho, Nohoa Arcanjo, Viviane Elias, Lisiane Lemos, Gabi Rodrigues, Antônia Souza (sei que cometerei a gafe de não citar alguns nomes, mas ao mesmo tempo fico feliz que essa lista siga crescendo) são a própria revolução, dão voz e geram impacto em prol de mais equidade para todas nós.
Finalizo com essa celebração a todas as mulheres negras que cruzaram meu caminho e destaco um último trecho do livro “Jamais peço desculpas por me derramar”, da Ryane Leão, que, para mim, tem um imenso significado atrelado a essa data:
Você é uma mulher que sabe
Que outras vieram antes
pra que agora firmasse a sua voz
Você não é uma flor
Você é toda uma floresta
bonita
incomum
Inesperada
e deixa seu conselho;
preste atenção aonde pisa
que as minhas (nossas) raízes
continuam a crescer
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