Publicidade

Opinião

Ideia: substantivo feminino

Quando um colega ou uma liderança toma o crédito por algo que não faz, é mais do que desrespeito: é atribuir para si uma qualidade que não tem e ganhar dinheiro por ela


3 de setembro de 2024 - 14h06

(Crédito: Shutterstock)

Nunca tantos trabalhadores em regime CLT pediram demissão no Brasil. 

É o que indica a pesquisa realizada pelo Ministério do Trabalho divulgada em agosto. Os técnicos do Ministério ressaltam que houve alterações na metodologia de registro do cadastro geral ao longo dos anos, mas, ainda assim, é possível afirmar que o número de pedidos de demissão é recorde. 

Na pesquisa, os entrevistados indicaram mais de um motivo para o pedido de demissão, diferenciando-os entre principal e secundário. Os dois motivos principais mais citados foram: baixos salários e falta de reconhecimento. Embora a pesquisa não ofereça um recorte de gênero, entre as pautas de melhoria das condições de trabalho para mulheres, é fácil identificar salário e reconhecimento como problemas historicamente ligados à condição do trabalho feminino.  

Outra pesquisa do mesmo Ministério reforça essa ligação: o 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, lançado em abril, mostrou que mulheres ainda ganham cerca de 19% menos que homens. Em cargos gerenciais, essa disparidade é ainda maior: cerca de 25%. Se baixos salários são um problema para todos, imagine para quem ganha sempre percentualmente menos. 

Quando o assunto é falta de reconhecimento, cruzar esses dados com outras pesquisas recentes pode enriquecer ainda mais a análise. O Lean In, organização criada por Sheryl Sandberg comprometida com a igualdade de gênero, lança anualmente um relatório chamado Women in the Workplace Study. Embora seja focado no mercado americano, ele ajuda a entender como a condição de trabalho para mulheres ainda precisa melhorar no mundo todo. Em 2022, o relatório abordou as lideranças femininas e revelou que mulheres em posições de liderança estavam mais propensas a pedir demissão do que homens, com a falta de reconhecimento no centro desse problema. A pesquisa mostrou que 37% das líderes entrevistadas já tiveram uma ideia sua indevidamente creditada a outra pessoa. 

O relatório mais recente do Lean In, de 2023 (o de 2024 ainda não foi lançado), aborda os mitos usados para inibir o crescimento profissional de mulheres no mundo corporativo. Um dos principais mitos trata das “microagressões”, termo usado para definir agressões cotidianas que muitas vezes nem são percebidas como tal. Por exemplo, a falta de crédito pelas ideias, ser interrompida com frequência, ter suas decisões constantemente questionadas, ser confundida com alguém mais júnior, entre outros “inconvenientes”.  

O mito é que essas microagressões seriam denominadas micro por terem consequências micro, o que claramente não se sustenta quando analisamos os dados: mulheres que enfrentam essas situações têm quatro vezes mais chances de sofrer burnout e são três vezes mais propensas a deixar seus empregos. 

No universo das microagressões, a falta de reconhecimento pelas ideias é uma das queixas mais frequentes, e quando trazemos a conversa para a realidade do mercado da criatividade, o crédito pelas ideias vai além de uma questão de vaidade ou de ser um diferencial; ter ideias é a função principal. Mesmo que você não seja um profissional de criação, o material bruto do trabalho é a ideia, por isso, tudo que está ao seu redor, como encontrar soluções de viabilização e até adaptar conceitos, é fundamental para que a ideia chegue ao público da melhor maneira.  

Tudo isso é valor de trabalho, é moeda, e deve ser considerado como tal. Quando um colega, uma liderança ou seja lá quem for toma o crédito por algo que não faz é mais do que desrespeito: é atribuir para si uma qualidade que não tem e ganhar dinheiro por ela. 

Se reter funcionários no Brasil nunca foi tão difícil, prestar atenção nas mulheres é essencial. Nunca fomos tantas no mercado brasileiro: cerca de 43 milhões. E essas microagressões citadas nas pesquisas norte-americanas são também um problema tão frequente por aqui que o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) lançou este ano uma cartilha chamada Microagressões de Gênero no Trabalho. Sua leitura pode ser muito útil em qualquer ambiente, corporativo ou não. 

Enfim, se você é gestor ou gestora e tem dúvidas sobre como reter uma mulher na sua empresa, use o bom senso: não a interrompa, valorize seu conhecimento, sua capacidade de evolução e, principalmente, dê o devido crédito às suas ideias. Em linhas gerais, aja como se ela fosse um homem que você respeita, e a chance de ela querer continuar na empresa aumentará muito. 

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Ana Deccache, a liderança de marketing por trás do Rock in Rio

    Ana Deccache, a liderança de marketing por trás do Rock in Rio

    A executiva começou no Grupo Dreamers como diretora de contas do festival na Artplan, gerou novos negócios e hoje lidera a edição de 40 anos do evento

  • Andrea Alvares: “As empresas já sabem os efeitos da crise climática nos negócios”

    Andrea Alvares: “As empresas já sabem os efeitos da crise climática nos negócios”

    A presidente do conselho do Instituto Ethos avalia o cenário de queimadas no Brasil e o papel das marcas nesse contexto