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Igualdade salarial: nova lei combate discriminação e promove equidade de gênero

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Igualdade salarial: nova lei combate discriminação e promove equidade de gênero

Para o Dia da Igualdade Feminina, celebrado em 26 de agosto, uma análise do contexto que leva a distorções e os caminhos para empresas se prepararem para aderir à nova legislação


25 de agosto de 2023 - 16h50

Degrau quebrado. O termo refere-se à dificuldade das mulheres ascenderem a posições de gestão nas empresas, conforme relata o estudo “Women in the Workplace 2022”, da Mckinsey & Company. As altas taxas de turnover das lideranças mulheres indica que as poucas que conseguem superar a barreira encontram outros obstáculos que afetam sua permanência. Para cada 100 homens que são promovidos para gestão, 87 mulheres e apenas 82 mulheres negras conseguem subir de cargo, segundo o relatório. São inúmeros os obstáculos que as profissionais femininas enfrentam, um deles é a discriminação salarial.

No dia 4 de julho de 2023, foi promulgada a Lei de Igualdade Salarial entre os gêneros, a qual obriga as empresas a revisarem seus critérios de remuneração e a oferecerem salários igualitários para homens e mulheres que ocupam os mesmos cargos. “A nova legislação entrega algo que deveríamos enxergar como o mínimo: ganhar salários iguais em funções iguais”, segundo Amanda Aragão, sócia da Mais Diversidade, consultoria de diversidade e inclusão. 

Infelizmente, vivemos um cenário onde o mínimo ainda não é feito. A lei salarial escancara a realidade da discriminação de gênero no trabalho, na qual mulheres recebem menos que homens. De acordo com o IBGE, o rendimento médio mensal da trabalhadora mulher no Brasil é de R$1.764, em comparação aos homens, que recebem em média R$2.306. Uma diferença de 76,5%. Quando adicionamos a camada de raça, os mecanismos de discriminação são ainda mais acentuados.

“A lei traz um choque de realidade: o acesso ao mercado de trabalho ainda não é igual para todas as mulheres. Quando falamos de equidade de gênero, não dá para dissociar dos outros recortes identitários. Temos que nos perguntar de quais mulheres estamos falando. Quais mulheres estão ascendendo para cargos de diretoria? Quais mulheres não enxergam machismo no trabalho?”, reflete a especialista. 

Amanda Aragão, sócia e CHR da Mais Diversidade (Crédito: Divulgação)

Amanda Aragão, sócia e CHR da Mais Diversidade (Crédito: Divulgação)

O que diz  lei da equidade salarial?

A CLT já proibia a diferença salarial entre profissionais de mesmo cargo. Porém, o novo texto adiciona maiores punições e fiscalização nas empresas onde existe essa prática. Ele modifica a multa em dez vezes o valor do novo salário devido. Antes, a multa era igual a um salário-mínimo regional, elevada ao dobro no caso de reincidência. O texto ainda determina que a vítima de discriminação por diferença salarial, independentemente se o motivo for sexo, raça, etnia, origem ou idade, pode promover uma ação de indenização por danos morais.

“Essa lei é muito relevante, porque aplica multa e pena para quem não a cumpre e ainda cria meios para que essa mulher realize uma denúncia, inclusive de maneira anônima”, avalia a advogada Fayda Belo.

Além disso, a nova lei obriga a publicação semestral de relatórios de transparência salarial pelas empresas com 100 ou mais empregados e também dispõe que o Poder Executivo instituirá um protocolo de fiscalização. Caso ocorra a discriminação salarial ou de critérios remuneratórios, as organizações deverão criar planos de ação para mitigá-los, estabelecendo metas e prazos. O texto ainda prevê a criação de canais de denúncia e incentiva a promoção de programas de inclusão e capacitação para mulheres.

A lei também estabelece um aumento da fiscalização conduzida pelo próprio Ministério Público do Trabalho (MPT). Entretanto, segundo a visão da advogada especializada em crimes de gênero, o texto não deixa claro como ocorrerá esta fiscalização. “Só uma lei, sem um mecanismo que assegure que ela está sendo cumprida, não serve para nada. Sobre essa ótica, houve uma falha ao não deixar muito claro como o poder público irá fiscalizar se as empresas estão honrando com a lei”, avalia Fayda. 

Fayda Belo, advogada especializada em crimes de gênero (Crédito: Divulgação)

Fayda Belo, advogada especializada em crimes de gênero (Crédito: Divulgação)

Uma história de discriminação

Para entender de onde surge a discriminação salarial, é preciso entender o contexto e a evolução do papel das mulheres na sociedade. “Em primeiro lugar, as mulheres são o grupo social visto como sendo responsável pelo trabalho não remunerado”, afirma Amanda Aragão. De acordo com o IBGE, as mulheres dedicam 73% mais tempo às tarefas domésticas do que os homens. Elas trabalham 18 horas semanais em atividades de cuidado da casa e família, enquanto os homens dedicam 10 horas. Essa cultura, portanto, não permite que a mulher ocupe o espaço do provedor, aquele que trabalha e recebe dinheiro.

Em segundo lugar, Amanda destaca a entrada tardia da mulher no mercado de trabalho. Quando a mulher começou a trabalhar, ela ocupava, muitas das vezes, cargos de secretária e telefonista, lembra Cris Kerr, CEO da consultoria CKZ Diversidade. “Ainda hoje, não são todas as mulheres que conseguem adentrar no mercado de trabalho formal”, analisa Aragão. “Se fizermos o recorte das mulheres negras, elas estão majoritariamente no mercado informal. Na pirâmide salarial brasileira, essa divisão é muito clara. No topo está o homem branco, em segundo lugar, a mulher branca, em terceiro, o homem negro, em quarto lugar estão as mulheres negras. Então, existe uma hierarquia social relacionada ao salário”, continua.

Conforme as mulheres avançaram na academia, elas também conquistaram mais espaço no mercado de trabalho. Entretanto, conforme destacado pelo estudo da McKinsey, existe um “degrau quebrado” entre o nível de gerência e diretoria, onde as mulheres têm maior dificuldade de ascender. “Ainda existe um viés muito forte que diz que para liderar, é preciso ser um homem”, afirma Cris Kerr. 

Em sua atuação na CKZ Diversidade, a CEO encontra constantemente situações nas quais a empresa justifica a discrepância salarial com uma cadeia hierárquica. Por fim, ainda existem aspectos mais finos como a negociação e a prática de oferecer um intervalo salarial que perpetuam essa diferença. “O homem já chega negociando a remuneração. Ele tem uma tendência maior a negociar, a se autopromover. A maioria das mulheres, dependendo do estilo comportamental, não fazem isso”, ressalta Cris Kerr. Nesta negociação, o homem consegue barganhar um número mais próximo do limite máximo para a vaga, enquanto a mulher aceita uma proposta mais baixa. 

“Isso vira um ciclo vicioso. A mulher já se aplica menos para as posições e ela ainda pode chegar numa empresa com um salário defasado em relação ao mercado. Se a organização não tiver essa leitura social, ela pode pensar que irá economizar no orçamento e ainda contratar uma excelente profissional que atende suas necessidades. Mas, essa é uma leitura equivocada e que desloca a responsabilidade social dessa empresa”, reflete Amanda. “Só que antes, essa leitura ficava no bom senso. Agora, a empresa tem a obrigação legal de remunerar adequadamente”. Logo, uma das formas das empresas ajustarem essa diferença salarial é abolindo a prática do intervalo salarial. 

Cris Kerr, CEO da CZK Diversidade (Crédito: Divulgação)

Cris Kerr, CEO da CZK Diversidade (Crédito: Divulgação)

Soluções para a equidade salarial

Em primeiro lugar, a empresa precisa rever todo seu sistema de remuneração e corrigir salários que estejam desiguais conforme determina a lei. Em segundo lugar, ela precisa pensar na transparência destes dados, principalmente nos critérios de remuneração. “Por exemplo, a produtividade, participação em cursos de qualificação, tempo de serviço. Enfim, ela precisa dar clareza e transparência a esses critérios para todas as pessoas colaboradoras”, afirma Amanda Aragão.

“Se existir o gap salarial, e muito provavelmente terá, a empresa precisa ter um plano de ação claro”, determina a sócia da Mais Diversidade. “Ela precisa entender qual é o tamanho desse gap, como pretende saná-lo, em qual prazo e qual a meta da organização”.

Ainda existe o componente racial que deve ser levado em consideração pelas empresas ao revisarem suas políticas e traçarem planos de ação. “Quando enxergamos as coisas dissociadas [gênero e raça], o que acontece? A empresa bate a meta de gênero, mas logo percebe que as mais beneficiadas foram mulheres brancas. Entretanto, nesse ponto, ela já perdeu a oportunidade de incluir negras num momento de expansão, por exemplo”, retrata Aragão.  

“Por último, a empresa é responsável por viabilizar um canal de denúncias”, pontua a sócia da Mais Diversidade. Dessa forma, se a empresa não estiver cumprindo a lei, colaboradora pode denunciar. O ideal é que esse canal seja sigiloso e gerido por uma empresa externa, adverte a especialista. Entretanto, existem outras formas de denunciar, seja via MPT ou pelo sindicato.

Investindo em educação

Outra determinação da lei é o incentivo para programas de diversidade e inclusão, de forma a capacitar mulheres e outros grupos sub representados para adentrar e ascender no mercado de trabalho. “Olhar para a formação de mulheres nos setores em que elas são minoria é muito importante, porque você não estará formando só para a sua empresa, mas para todo o setor”, destaca Amanda.

Nesse sentido, Cris Kerr ressalta a necessidade de também oferecer treinamentos de vieses inconscientes para lideranças e RH. A consultora aponta dois principais vieses que interferem na equidade salarial entre os gêneros. O primeiro é o viés de percepção: conforme vivemos, guardamos imagens mentais sobre determinadas questões. Se numa empresa, uma mulher nunca ocupou determinada posição, a pessoa recrutadora não forma essa imagem mental, logo, pode partir para o pensamento de que uma mulher não será tão comprometida para o cargo.  

O segundo viés diz respeito à afinidade de grupos. Um gestor homem, por exemplo, consegue se identificar com outro homem e parte do pressuposto de que ele estará mais preparado para ocupar uma posição superior. No caso de uma candidata mulher, ela precisará se provar para ser considerada apta à promoção. 

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