Na indústria de games, inclusão é um desafio que vai além do gênero 

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Opinião

Na indústria de games, inclusão é um desafio que vai além do gênero 

Entre os consumidores, mulheres e negros são maioria, mas a representatividade LGBTQIAP+ e a diversidade regional e etária podem avançar


16 de agosto de 2024 - 10h43

(Crédito: Shutterstock)

O universo dos consumidores de games é vasto: 73,9% da população brasileira afirma gostar de algum tipo de jogo digital e 85,4% consideram que os jogos eletrônicos são uma das suas principais formas de diversão, segundo a 11ª edição da Pesquisa Game Brasil (PGB).  

A diversidade entre esses usuários tem aumentado de maneira significativa: o público feminino representa 50,9% do total, assim como os negros são maioria étnica, com 52,3% na soma entre pardos (41,2%) e pretos (11,2%).  

Em termos de poder aquisitivo, a classe média totaliza 64,8%. E está acontecendo também um envelhecimento desse público. Em desafio ao antigo conceito de que games eram do interesse exclusivo de jovens, as faixas etárias mais representadas entre os consumidores são de 30 a 34 anos, com 16,2%, e de 35 a 39 anos, com 16,9%. 

Mas o avanço entre os clientes não é necessariamente acompanhado por ações de diversidade e inclusão entre as empresas do setor. A Pesquisa Nacional da Indústria de Games, levantamento realizado em parceria entre a Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (ApexBrasil), indica que, entre os 1.042 estúdios nacionais, os homens totalizam 74,2% dos colaboradores. As pessoas não-binárias são limitadas a 1,5%. 

Valorização regional e de novos padrões etários 

A pesquisa aponta ainda para um outro desafio crucial para o setor: a falta de representatividade regional. A maior concentração das empresas desenvolvedoras continua nos estados do Sudeste e do Sul, que respondem, respectivamente, por 56% e 20% do total. Nordeste, Centro-Oeste e Norte ficam com apenas 16%, 6% e 2%, pela ordem. 

Ainda que minoritários, esses estúdios vêm investindo em novas narrativas, alinhadas com as culturas locais – e atrativas para gamers do mundo inteiro. O estúdio baiano Aoca Game Lab se destaca com produções como o game Arida: Backland’s Awakening, voltado para PC e para Android. Acompanha a história de Cícera, uma menina negra que perde o avô e decide percorrer o sertão em busca dos demais integrantes de sua família na resistência de Canudos. 

As oportunidades de explorar temáticas diversas são percebidas também por estúdios estrangeiros. Em 2019, por exemplo, a companhia polonesa Creepy Jar alcançou grande sucesso com Green Hell, um simulador de sobrevivência em primeira pessoa, situado na floresta amazônica e disponível para Windows, Nintendo Switch, PlayStation 4 e Xbox One.  

Incorporar narrativas locais não apenas enriquece a narrativa e a ambientação como também amplia a compreensão cultural e atrai um público mais global. A mesma lógica se aplica à estratégia de incluir personagens de várias idades nos jogos. Quando crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos assumem papeis de protagonismo nas histórias, os jogadores tendem a desenvolver um senso maior de empatia e compreensão entre diferentes gerações, com impactos positivos para outros ambientes, da família ao trabalho. 

Identidade LGBTQIA+ e representatividade étnica 

A diversidade sexual também pode – e deve – avançar mais. De acordo com uma pesquisa global realizada pela Nielsen para a ONG Glaad, o público LGBTQIA+ representa 17% do total de gamers do mundo. Mas apenas 2% dos jogos têm algum conteúdo relacionado ao tema.  

A falta de representatividade na tela se mostra ainda mais grave quando se leva em consideração que, de acordo com o estudo, os jogos representam uma importante forma de entretenimento, relaxamento e autoexpressão: os jogadores LGBTQIA+ têm 11% mais probabilidade de usar os games para se distrair de situações difíceis no mundo real.  

Esse raciocínio se aplica aos jogos que valorizam a diversidade étnica. No mercado internacional, muitas vezes eles se beneficiam da presença de personagens negros na cultura popular, como Miles Morales (Homem Aranha) e o Pantera Negra da Marvel. Outros surgiram no universo dos jogos e se tornaram influentes, como Bayek de Siwa, de Asssassins’ Creed: Origins 

Outros games não apenas valorizam personagens, como também conduzem uma verdadeira imersão na cultura negra, caso de Tales of Kenzera: Zau, recentemente lançado pela Electronic Arts para Nintendo Switch, PlayStation 5, Windows e Xbox Series X/S. Nestes casos, é inevitável que, ao longo da jornada, os gamers se sintam conectados, emocionalmente e culturalmente. 

O futuro é promissor 

Estas iniciativas são apoiadas por novas práticas de inclusão nas empresas desenvolvedoras de games. Muitas delas já mantêm programas internos que promovem a diversidade. São políticas desafiadoras, que colocam as companhias fora de sua zona de conforto, em busca de fortalecer, por meio de talentos vindos de comunidades menos favorecidas, os conhecimentos em programação, design ou mesmo em outros idiomas, já que o mercado internacional é bastante expressivo para os estúdios brasileiros. 

Muitas das empresas que conseguem avançar entenderam que incentivar de maneira proativa a diversidade nas comunidades de jogadores também é fundamental. Elas participam de eventos e conferências que promovem a diversidade e a inclusão na indústria de jogos – e eventualmente até mesmo localizam potenciais novos profissionais nestes ambientes, incentivando ainda mais o crescimento de iniciativas de base e grupos comunitários que trabalham pela inclusão nos jogos. 

Diante desse cenário, em que a diversidade ganha um enorme espaço entre os consumidores, as produtoras de games não têm outro caminho a não ser avançar na mesma direção. Valorizar temáticas atrativas para diferentes perfis sociais, regionais, etários e de orientação sexual não apenas vai diferenciar as produtoras, como colocá-las em alinhamento com seus públicos. 

A pauta está colocada e o setor tem consciência de que o futuro dos jogos passa pela inclusão. Neste sentido, as possibilidades para o futuro são muitas – e promissoras. 

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