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Irmãs Binatti: Como Juliana e Daniela fundaram o unicórnio Pismo 

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Irmãs Binatti: Como Juliana e Daniela fundaram o unicórnio Pismo 

Das raízes simples ao Vale do Silício, as executivas falam sobre o começo da startup, na sala de jantar, até a venda para a Visa


24 de outubro de 2024 - 16h07

Juliana e Daniela Binatti, co-fundadoras da startup unicórnio Pismo (Crédito: Divulgação)

Juliana e Daniela Binatti são irmãs antes de serem sócias e co-fundadoras da Pismo, empresa de tecnologia que oferece uma plataforma de processamento para pagamentos e serviços bancários. Elas formam uma família de três irmãs, sendo Daniela a mais velha e Juliana, a do meio, além da mais nova. As Binatti vêm de uma família humilde: “Nossos pais são do interior de São Paulo, onde trabalhavam na plantação de café e só puderam estudar até a quarta série do primário, por volta dos 10 anos”, conta Juliana. 

Justamente por não terem tido a chance de estudar, seus pais eram rigorosos sobre a educação das meninas, principalmente sua mãe. “Ela queria que a gente tivesse uma carreira, uma profissão, e, acima de tudo, independência”, diz a irmã do meio. Para a mãe delas, uma boa carreira era trabalhar num banco. Por isso, desde muito cedo, Daniela ingressou em cursos de datilografia e computação, antes mesmo do Windows existir. Foi ali que sua paixão por computadores e programação começou.  

“Aos 16 anos, ela pediu para alguém imprimir meus currículos, que basicamente só tinham meu nome, endereço e telefone, e me mandou distribuir em todas as recepções dos bancos da Avenida Paulista”, lembra a irmã mais velha. Logo depois, conseguiu entrar na faculdade de processamento de dados no Mackenzie, com uma bolsa de estudos. Seu primeiro emprego foi no Departamento de Trânsito, digitalizando multas escritas em talões, e, às vezes, segurando placas de “pare” nas faixas de pedestres.  

Porém, foi na Conductor, uma plataforma de soluções para pagamentos e serviços bancários, que ela seguiu carreira e ficou por 16 anos. Em 2014, Daniela refletiu sobre suas prioridades na vida e decidiu sair da empresa, na busca por algo mais flexível e que pudesse equilibrar com o cuidado com as filhas, à época com 7 e 5 anos. 

A trajetória de Juliana foi muito inspirada na irmã mais velha, mas com um começo diferente. Ela fez um colégio técnico em nutrição e dietética, chegou até a trabalhar num hospital, mas logo percebeu que não queria seguir na área. “Quando terminei, a Dani já estava estudando tecnologia, e tudo o que ela aprendia, me mostrava em casa. Acabei me interessando também e segui os mesmos passos”, conta. 

Assim, ela também entrou no curso de processamento de dados no Mackenzie e, posteriormente, ao final da faculdade, integrou a equipe da Conductor, onde Daniela já trabalhava. As duas ficaram quase o mesmo tempo na empresa, saindo no mesmo período que coincidiria com o surgimento da Pismo. 

“Nossa família sempre foi criada para ter bons empregos, e o empreendedorismo não era algo comum entre nós”, diz Juliana. “Nossa mãe, apesar de torcer muito por nós, estava preocupada. Na cabeça dela, quando saímos dos empregos para empreender, ela não tinha duas filhas empreendedoras, mas duas filhas desempregadas”, continua. 

A Pismo surgiu entre 2015 e 2016, num esforço coletivo da Daniela e Juliana, juntamente com o Marcelo, marido da Daniela, e o Ricardo, que trabalhou com as irmãs na Conductor. “As pessoas às vezes acham que somos uma empresa familiar, mas, na verdade, é uma família que sempre trabalhou junta. Cada um de nós já tinha a experiência necessária para fundar a empresa, e, o mais importante, já trabalhávamos juntos há mais de uma década. Foi assim que essa empreitada começou”, conta Juliana. 

Nesta entrevista, as irmãs Daniela e Juliana Binatti falam sobre o processo de empreender a Pismo, startup unicórnio brasileira que foi vendida para Visa. Além disso, elas falam sobre a representatividade feminina no universo da inovação e as evoluções do mercado nesse sentido. 

Como surgiu a ideia da Pismo e como foi o processo de empreender?  

Daniela Binatti – O Ricardo foi o primeiro a sair do setor de pagamentos, em 2012. Quando eu saí da Conductor, fiz uma viagem para o Vale do Silício com o objetivo de me atualizar. Queria trabalhar com consultoria, pois isso me daria mais flexibilidade, sem a necessidade de um vínculo fixo com uma empresa. Fui estudar computação em nuvem e big data, que eram os temas em alta na época. 

Durante essa viagem, não conseguia parar de pensar nos problemas que teria resolvido na Conductor se tivesse conhecido as tecnologias que outras indústrias já estavam utilizando. Foi aí que percebi que poderia aplicar todo esse conhecimento para criar algo novo. Comecei a pensar em como escalar uma empresa forte em tecnologia e a estudar implementações, como o Salesforce e as ferramentas da Amazon e do Facebook. Logo, percebi que muitos dos problemas que pareciam insolúveis na nossa trajetória anterior poderiam ser resolvidos com essas novas ferramentas. 

Assim, comecei a esboçar o que poderia ser a nova empresa. O primeiro passo foi convencer o Ricardo a se juntar a mim. Depois, conversamos com algumas pessoas do mercado para validar nossa ideia e ver se o que estávamos idealizando realmente teria demanda. O modelo de negócio que queríamos propor era diferente, não apenas pelo uso de tecnologia, mas pela maneira como a empresa se posicionaria no mercado. 

Quando sentimos que estávamos no caminho certo, conversamos com a Juliana para ela se juntar a nós, trazendo sua expertise em produto. No início de 2015, o Marcelo também se juntou ao time. Passamos cerca de um ano trabalhando juntos na sala de jantar do apartamento da Juliana, desenhando o que seria a empresa. Costumo dizer que tivemos o privilégio de criar uma plataforma de processamento do zero duas vezes. Claro, a segunda vez não foi exatamente do zero, pois trouxemos toda a experiência que acumulamos na Conductor, mas foi assim que tudo começou. 

Como ocorreu o crescimento da empresa, da expansão até o momento da venda para Visa? 

Juliana Binatti Olhar para trás torna tudo mais tranquilo e até poético, mas, à época, as coisas eram bem diferentes. Quando a Dani falou sobre os meses que passamos na sala de jantar do meu apartamento, nós quatro estávamos ali, desenhando a solução e buscando investimento. Chegou um momento em que precisávamos contratar pessoas, porque as primeiras versões da plataforma foram desenvolvidas por nós — eu, a Dani e o Marcelo –, com o Ricardo nos ajudando nas definições. 

Até o final de 2016, conseguimos fechar nossa primeira rodada de investimentos seed com a Redpoint Ventures. Antes disso, mantivemos a empresa com nossos próprios recursos, pagando cerca de seis desenvolvedores que havíamos contratado. Com o investimento, conseguimos nos mudar para um escritório maior e expandir o time para cerca de 20 pessoas. Foi com essa equipe que criamos a primeira versão funcional da plataforma e fechamos nosso primeiro grande contrato, com o Itaú. 

O projeto com o Itaú foi uma grande oportunidade. Conseguimos provar que nossa solução era mais ágil e eficiente, algo que a empresa já vinha buscando há algum tempo. Esse foi um divisor de águas para nós. A partir daí, em 2017 e 2018, outros clientes surgiram, como o BTG e algumas operações na área de saúde. Antes da pandemia, já estávamos em processo de internacionalização, com clientes na América Latina, incluindo um grande grupo do Chile. Desde o início, construímos nossa plataforma com a visão de ser global, e esse período consolidou nossa tese. 

Quando a pandemia chegou, em 2020, éramos um time de 40 pessoas, a maioria em São Paulo, e não tínhamos uma cultura de trabalho remoto, exceto por duas pessoas fora da cidade. Tivemos que nos adaptar rapidamente. A demanda aumentou, impulsionada pela transformação digital. Começamos a contratar pessoas de todo o Brasil e, com o amadurecimento do modelo remoto, percebemos que poderíamos também expandir as contratações para fora do País. Foi nesse contexto que buscamos mais uma rodada de investimentos para internacionalizar a empresa. 

Durante a pandemia, trouxemos o Vishal Dalal, que se tornou nosso CEO internacional. Ele tinha vasta experiência no mercado global, o que foi crucial para o nosso crescimento. A partir daí, fechamos um contrato com o Citibank para implementar nosso core bancário em mais de 70 países. Isso nos colocou em destaque no mercado e, pouco depois, a Visa nos procurou, iniciando uma nova fase de crescimento.  

Vocês já enfrentaram alguma situação ou desafio por serem mulheres nesse ecossistema de inovação, que ainda é muito masculino? 

Juliana Binatti Nunca me senti inibida, não. Uma coisa que sempre comento, e que acho que melhorou muito com o tempo, é a forma como as mulheres são vistas no setor de pagamentos. Quando comecei, em 2001, na Conductor, assim como a Dani, os comentários machistas sobre mulher e cartão de crédito eram muito comuns. O que mais me incomodava, mas nunca me impediu de seguir em frente, eram essas falas estereotipadas, sempre relacionando a mulher a gastos excessivos. 

Era comum estar em reuniões, discutindo um caso de uso, e o exemplo ser a “mulher que gasta demais” ou “como esconder a fatura”. Mas, sinceramente, nunca me senti inibida por isso. Sempre me posicionei quando ouvia essas piadinhas, fazendo questão de não deixar passar batido. 

Daniela Binatti – Tive uma ou duas situações que foram bem marcantes. Desde o início, apesar de ser CTO, sempre estive muito próxima do Ricardo em negociações, seja com investidores ou clientes. Em geral, nessas reuniões, principalmente em discussões de contratos, o ambiente é dominado por homens. 

Uma vez, numa negociação específica, estávamos eu e o Ricardo de um lado e vários homens do outro. Eu falava, mas um dos homens respondia sempre olhando para o Ricardo, como se ele tivesse feito a pergunta. Foi uma negociação complexa, de madrugada, e em certo momento eu me levantei e disse: “Olha para mim, sou eu que estou falando com você, responde olhando para mim”. Isso trouxe um silêncio para a sala. 

Costumo dizer que o mercado muitas vezes opera dessa forma, mas também há coisas que estão na nossa cabeça. No início, eu mesma não me sentia parte daquele ambiente, como se eu não devesse estar ali. Fui superando isso ao longo da minha trajetória e sempre digo para as mulheres que me perguntam: precisamos ter cuidado com a forma como absorvemos essas situações. Quando a gente entende o nosso valor, em qualquer contexto, tudo fica mais fácil de lidar. 

Por que a Pismo deu tão certo a ponto de virar unicórnio?  

Juliana Binatti – Acho que a nossa experiência foi fundamental quando decidimos fundar a Pismo. O perfil de cada um de nós era muito complementar, e tivemos a sorte de formar um grupo com todas as competências necessárias. Além disso, a confiança entre nós sempre foi um ponto forte. Outro aspecto importante foi que sempre mantivemos os pés no chão. Mesmo em 2017, com a onda das fintechs e todo o glamour, nunca nos deixamos deslumbrar. Mantivemos o foco. O time que trouxemos no início, aquelas 20 pessoas que nos ajudaram a colocar a primeira versão no ar, também compartilhava dessa mesma mentalidade. 

Claro que alguns fatores externos também nos impulsionaram, como a pandemia, que nos fez começar a contratar fora de São Paulo, expandindo nossas possibilidades e alcançando novos mercados e clientes. Mas, resumidamente, não tem uma fórmula mágica. Foi uma combinação de fatores que nos levou ao sucesso da empresa. 

Daniela Binatti – Internos e externos, né? Externamente, além da pandemia, não podemos ignorar que passamos por uma fase de capital de risco abundante. Estávamos em um cenário de juros zero nos Estados Unidos, com muitos fundos querendo investir na América Latina. Isso mudou bastante depois de 2023. 

Voltando para a questão de gênero nesse contexto, vocês veem alguma melhora da representatividade feminina nesse ecossistema de inovação? Como vocês se sentem sendo uma das únicas líderes mulheres de startups unicórnios no Brasil? 

Daniela Binatti –  Vejo isso como um processo em evolução. Acho que ainda existe preconceito, mas está mudando, e por vários motivos. Um deles é o fato de muitas grandes empresas estarem colocando diversidade, equidade e inclusão na agenda. Nos grandes contratos que negociamos, especialmente fora do Brasil, quando recebemos uma RFP (solicitação de proposta), há um capítulo inteiro dedicado a esses temas. Algumas grandes instituições chegam a descartar fornecedores que não tenham um time diverso ou pessoas de outros gêneros em cargos de gestão.  

Então, há um movimento do mercado para promover essa mudança. É um processo lento, porque envolve muita educação, principalmente na área de tecnologia. Precisamos de mais mulheres se formando em tecnologia para que possam ocupar essas posições no futuro. Não é algo que se resolve de uma hora para outra. 

Qual conselho dariam para outras mulheres que estão começando a empreender no ecossistema da inovação? 

Juliana Binatti – Acho que o principal é estudar, confiar em si mesma e buscar a independência. Esses foram os conselhos que minha mãe sempre me deu: estudar para abrir caminhos. É importante não se intimidar e não assumir responsabilidades que não são suas. Como a Dani disse, mesmo que a situação esteja melhorando, ao entrar em uma sala e ouvir uma piadinha machista, isso diz mais sobre quem está falando do que sobre você. Esse é um ponto fundamental para ajudar todos a seguirem em frente. 

Daniela Binatti – Exato! E complementando, sempre digo que as barreiras mais difíceis de transpor são aquelas que criamos em nossa mente. Se acreditarmos que todas as mulheres têm competência e capacidade para ocupar qualquer posição, isso faz toda a diferença. A forma como absorvemos o que o mundo externo nos diz e entendemos nosso valor é o que realmente vai nos ajudar a conquistar posições de liderança. 

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