Isabel Aquino: “Essas pessoas existem”
Dados da pesquisa TODXS, da Aliança Sem Estereótipo, indicam que diversidade na publicidade está estagnada, e nem sempre serve para romper com padrões e empoderar
Dados da pesquisa TODXS, da Aliança Sem Estereótipo, indicam que diversidade na publicidade está estagnada, e nem sempre serve para romper com padrões e empoderar
7 de outubro de 2022 - 10h19
Por Carol Scorce
Diariamente uma pessoa é exposta a milhares de peças publicitárias. Não somos capazes de armazenar e elaborar todas elas, mas elas também são responsáveis pela forma como construímos crenças, formas de ver o mundo e papéis sociais que nos atravessam em todas as instâncias da vida. E qual é o cuidado que essas peças têm de contar histórias que empoderam?
A pesquisa TODXS, da Aliança Sem Estereótipo, organismo da ONU Mulheres, aponta que aos seis anos de idade as meninas já acham que são menos inteligentes que os meninos, e os meninos já começam a entender que homens não devem chorar. “Uma publicidade diversa, mas que não rompe com padrões de estereótipo, serve apenas para nos manter em caixinhas. Caixinhas que na vida adulta vão desembocar em agressividade, sufocamento e por aí vai”, comenta Isabel Aquino, pesquisadora da Aliança.
Isabel explica que assim como a “publicidade pasteurizada”, ou seja, que está há décadas reproduzindo padrões, a “publicidade neutra”, onde pessoas negras, pessoas com deficiência e a população LGBTQIAP+ estão no casting, mas são representadas de forma que não rompa com estereótipos, é nociva.
A pesquisa aponta para aquilo que já se intui no setor: tivemos avanços, mas ainda estamos distantes de algum equilíbrio de cores, gêneros e tipos físicos em geral, na TV e nas redes sociais. O estudo aponta que nunca foi tão alto o número de comerciais com cabelos crespos ou enrolados, mas eles ainda são minoria (21%) no bolo dominado pela lisura.
Embora quase 56% da população brasileira se autodeclare negra, a representação de mulheres negras como protagonistas de publicidade na TV ainda é de 27%, e a dos homens, de 20%. Já foi pior, bem pior. Em 2020, eram 22% de negras e 7% apenas de negros. Mas no caso dos homens, a pesquisa de 2020 chegou a acusar que lhes cabia 22% do bolo, índice mais alto desde o início do estudo, em 2015.
Isabel afirma que é preciso celebrar os 27% de mulheres negras como protagonistas se compararmos com 2015, quando a ONU começou a fazer a sondagem, e quando menos de 2% das mulheres negras estavam em papéis relevantes. Mas chama atenção para a estagnação desse número de 2018 para cá.
“Em 2018 já tínhamos 25% dessa representação. Foi um boom nesses anos, um despertar para essa questão, mas não conseguimos continuar crescendo no mesmo ritmo. Estagnamos, como se tivéssemos atingido um teto. Não. Só vamos ter equidade quando 50% dos papéis de protagonismo forem de mulheres negras”, afirma a pesquisadora.
Cauda longa
Que a diversidade importa, todos parecem ter entendido, mas como as agências produzem essa diversidade internamente é que são elas. Uma fotografia onde há uma pessoa negra, uma branca, uma amarela, uma indígena, um PCD, é, ao fim e ao cabo, apenas uma fotografia. Quem cria está pensando nesta questão? Há líderes negros e negras na empresa? Quem cuida da formulação dos produtos da marca conhece a experiência de usuário de todo tipo de gente? E quem faz o briefing?
“É uma cauda longa trabalhar com consumo e imagem rompendo padrões. Não basta uma campanha pontual. Uma marca que faz campanha sobre PCDs apenas em uma data comemorativa está passando um atestado de atraso. É preciso ter equipes diversas em todas as pontas, e essas pessoas existem”, defende Isabel.
O ponto levantado pela pesquisadora reacende o debate sobre a capacidade dos departamentos de Recursos Humanos de encontrarem essas pessoas, que na maioria das vezes não estão nos espaços convencionais de recrutamento. “São as grandes agências que costumam ter um RH atento a isso. Mas e as infinitas pequenas agências produzindo todo tipo de campanha? Não basta boa vontade das empresas, precisamos de mais espaços de interlocução entre setor público e privado para levantar esse debate e criar mecanismos de equidade”, defende.
Ainda é sobre criatividade
O fato é que se os espaços de criação continuarem tomados por homens cis e brancos, a quantidade e qualidade das campanhas com potencial de romper com estereótipos seguirá baixo.
Segundo Rejane Bicca, diretora da 02 Filmes, uma das maiores produtoras de audiovisual do país, o número de agências que exigem campanhas e equipes com equidade gênero, castings diversos, produções com percentual alto de mulheres negras, aumentou muito de 2017 para cá, mas o criativo das próprias agências e clientes nem sempre acompanham o pedido feito.
Para Rejane, é papel das produtoras propor e sustentar a diversidade de suas produções. “Para nós sempre foi muito natural, por exemplo, ter diretoras mulheres. Antes de ser uma reivindicação, é preciso tentar mudar essa cultura, porque nem todos têm uma visão consolidada da importância desse aspecto, embora tenha, de fato, aumentado muito”, afirma a diretora.
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