Isabel Nascimento: o poder das narrativas femininas no audiovisual

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Isabel Nascimento: o poder das narrativas femininas no audiovisual

A diretora e co-criadora da Hysteria, núcleo da Conspiração Filmes, fala sobre o cuidado de contar histórias de mulheres e a força da colaboração por trás das câmeras


11 de julho de 2024 - 14h46

A diretora e co-criadora da Hysteria, divisão da produtora Conspiração (Crédito: Adobe Stock)

O desejo de trabalhar com cinema surgiu durante a adolescência para Isabel Nascimento Silva. Ela começou como assistente, primeiramente de produção, depois de roteiro e finalmente migrou para a área de direção. O próximo passo foi sentar-se na cadeira de diretora em seu primeiro filme, “Primavera das Mulheres”, de 2017, em que retratou a quarta onda do feminismo no Brasil. No mesmo período, Isabel co-criou o coletivo Hysteria na produtora Conspiração, ao lado da CEO Renata Brandão e da Luísa Barbosa, head do projeto.

A Hysteria começou como uma plataforma de conteúdo, mas em 2024 se transformou num núcleo de desenvolvimento de projetos audiovisuais dentro da produtora com foco em histórias femininas. Essa consolidação segue a produção de dois grandes projetos do ano passado: o documentário “Se Eu Fosse Luisa Sonza”, e o “50 e Tanto”, série produzida pelo GNT, em parceria com Globoplay, para comemorar os 50 anos de idade da apresentadora e atriz Angélica, ambos dirigidos por Isabel Nascimento. 

A diretora segue com o DNA das histórias com protagonistas mulheres, e agora está desenvolvendo um novo projeto com a Angélica, em comemoração dos seus 51 anos. Para além da frente de entretenimento, a Hysteria também desenvolve projetos para marcas. 

“Nossa missão é trabalhar com projetos e marcas que estejam conectados com o nosso tempo, que inspirem e dialoguem com o público por meio de experiências e pontos de vista diversos”, afirma a diretora.  

Como surgiu a Hysteria? Qual é a motivação por trás do projeto? 

Em 2017, a Hysteria surgiu para ampliar a inserção feminina no mercado audiovisual e trazer narrativas em que as mulheres fossem o centro das histórias, jogando luz em suas experiências. Desde o início, conseguimos realizar alguns documentários, começando com a trilogia que iniciei em 2017 com “Primavera das Mulheres”. 

Depois, veio “Você Fez Meu Samba”, sobre cinco viúvas dos maiores compositores do samba, que contam como foi acompanhar a trajetória e o sucesso de seus maridos enquanto assumiam papeis anônimos, muitas vezes de trabalho doméstico. O mais emocionante é que, apesar disso, essas mulheres falam das memórias construídas ao lado dos compositores com muito amor e saudade. Trabalhar com elas durante anos, como é comum em documentários, me emocionou profundamente e mudou minha vida. 

Na sequência, veio “Mulheres Radicais”, que conta a história das artistas latino-americanas que fugiram da ditadura e foram precursoras da performance artística. Elas experimentaram com fotografia, videoarte, e trouxeram complexidade ao trabalho, abordando corpo, sexualidade, erotismo e dor, abrindo um novo capítulo na arte contemporânea. 

Acho que fechamos lindamente essa trilogia de filmes. Mas o mais importante, para nós, é entregar boas histórias ao público, inspirar e informar por meio de narrativas carregadas de experiências e pontos de vista diversos, sempre conectadas com o nosso tempo. 

Quais cuidados vocês têm ao contar essas histórias com protagonistas femininas? 

Acho que a palavra “cuidado” é muito importante, especialmente na não-ficção, que é a minha área. Toda pessoa tem uma história de vida com todas as curvas dramáticas, como na ficção, com atos, drama e reviravoltas. Quando entramos na vida dessas pessoas, estabelecemos uma relação muito íntima. Fui descobrindo ao longo do meu trabalho que precisava abandonar a postura de entrevista e comecei a entrar em cena com essas pessoas.  

Por exemplo, na série da Luísa Sonza, é comum ouvir a minha voz em cena e me ver na câmera. Entendi que era importante estar presente com essas mulheres, pois elas estavam abrindo suas vidas de uma maneira tão forte que eu precisava também abrir a minha para haver uma troca genuína e verdadeira, com todo o cuidado. 

Sempre buscamos criar o melhor ambiente para que os colaboradores e as personagens se sintam seguros no set de filmagem e possam dar o seu melhor em cada projeto. Cada filme, série e equipe têm características próprias, pois o cinema é uma arte coletiva. Ninguém faz nada sozinho no cinema, e trabalhamos sempre com pessoas. Moldamo-nos a cada projeto para criar sinergia entre o time, entregando nosso melhor e proporcionando um ambiente seguro para todos darem o seu melhor. 

Cada parceria é como um casamento, e vamos descobrindo isso juntos. Saímos transformados dos projetos, pois aprendemos muito com as pessoas e suas famílias, e toda a equipe tem o mesmo cuidado. A colaboração é um conceito-chave que sempre esteve presente no DNA da Conspiração. Acreditamos em direções compartilhadas e na produção coletiva.  

As obras são processos que podem durar anos, e a colaboração acontece em todas as etapas, desde a criação da ideia até a produção, edição e venda pelos executivos. Essa palavra define bem nossa maneira de trabalhar. 

Poderia falar sobre como foi dirigir o documentário da Luísa Sonza? 

O projeto Luísa Sonza é um que eu assino como diretora artística. A produção executiva é da Luísa Barbosa e da Renata Brandão, minhas parceiras e idealizadoras da Hysteria. Este foi um projeto colaborativo com várias outras mulheres, incluindo Carolina Buquer, que fez um roteiro primoroso. 

Durante o lançamento do álbum Doce 22, o segundo da Luísa Sonza, fiquei impressionada com a profundidade da obra. Ela colocou suas vísceras para fora, elaborando em suas músicas a separação midiática, os hates e a misoginia que sofreu. Ela é letrista, compositora e cantora, e participa de todo o processo criativo dos álbuns, o que nem todos sabem. 

A força das músicas e a maneira como ela transpôs a dor em um projeto artístico me impactaram muito. Fiquei chocada com a misoginia e os hates direcionados a ela, inclusive com ameaças de morte a ela e à sua irmã de oito anos. Nesse contexto, procuramos a Luísa em parceria com a Netflix para criar esse projeto, do qual tenho muito orgulho. 

Sempre fui fã da Luísa e quis traduzir tudo o que vi nela. Mostramos as músicas, o estilo, a coragem e a força desse ícone pop. Destacamos o sucesso por trás das músicas, a curiosidade sobre sua vida e sua luta diária. Na vida da Luísa já aconteceram muitas coisas e ela está apenas começando. Sempre brinco dizendo que este é seu primeiro documentário e que quero reencontrá-la daqui a cinco ou dez anos para um novo projeto, porque ela é um fenômeno. 

O que falta para o mercado audiovisual se tornar mais inclusivo e acolhedor para as mulheres? 

Acho inegável que tivemos avanços importantes. Vemos mais mulheres em cargos de liderança, maior presença feminina em campanhas publicitárias, marcas, branded content, filmes e séries. O protagonismo feminino está mais evidente. Mas ainda existe uma grande assimetria.  

Nosso papel como realizadoras, seja na publicidade, branded content, não-ficção ou ficção, é formar equipes femininas por trás das câmeras. Acreditamos na pluralidade dos times que desenvolvem, executam e lideram os projetos. 

Qual sua visão sobre o espaço das mulheres diretoras no mercado audiovisual brasileiro? 

Acho que as mulheres diretoras estão mais unidas do que nunca. Vemos coletivos importantes como o Free the Bid, e estamos sempre indicando e puxando uma à outra nos projetos. Esse espírito de colaboração está no DNA das diretoras mulheres. Pensamos em co-direções, em contar boas histórias juntas. Temos um senso de propósito para diminuir a desigualdade de gênero a cada projeto. 

Essa união é muito poderosa e emocionante, especialmente no cinema, onde dedico minha vida. A parceria feminina e as uniões que surgem são fundamentais. Continuamos lutando por isso, cada vez mais próximas e transparentes nas relações, compartilhando experiências e aprendizados. 

A divisão de ideias é muito poderosa. Quando nos encontramos, compartilhamos roteiros e pensamentos, lembrando umas das outras quando surgem projetos. Por exemplo, quando vejo um projeto que é a cara de outra diretora, eu indico. E o mesmo acontece comigo. Essa troca que construímos na última década é muito produtiva para o mercado.  

Toda essa pluralidade amplia os pontos de vista, tornando as produções mais interessantes e relevantes para a audiência. Projetos que emocionam, questionam, trazem leveza ou esperança. Essa união feminina e a pluralidade elevam a qualidade dos nossos trabalhos 

Quais são os planos futuros para sua carreira? 

Curiosamente, terminamos a segunda temporada do programa da Angélica na semana passada. Para mim, a Angélica é uma das maiores comunicadoras da televisão e do audiovisual brasileiro. Ela começou a trabalhar aos quatro anos de idade no programa do Chacrinha. É incrível, ela participou de todos os movimentos e começou numa época muito difícil para as mulheres no mercado audiovisual. 

No ano passado, fizemos o “50 e Tanto”, uma celebração dos 50 anos de vida dela e 46 de carreira. Tivemos a participação de várias mulheres incríveis, e o projeto foi muito bem acolhido pela audiência, alcançando o top 1 na Globoplay. O que era para ser um trabalho único acabou ganhando mais vida, e agora terminamos a segunda temporada, chamada “Cinquenta e Uns”, onde ela recebe homens. A essência continua a mesma, um papo intimista na casa dela, com um híbrido entre documental e entrevistas.  

Estamos realmente na casa da Angélica, com filhos aparecendo, cachorro passando, e toda a dinâmica da vida doméstica. O set e a entrevista se misturam, criando uma obra única. Mantemos muitas imagens de arquivo inéditas, e a Angélica tem uma habilidade única de extrair coisas muito íntimas e reflexões poderosas de personalidades que conhecemos há tanto tempo. Nesta temporada, falamos sobre família, sexo, corpo, poder e vida com convidados incríveis como Antônio Fagundes, Lázaro Ramos, Ney Matogrosso e outros. Estreia ainda este ano no GNT e na Globoplay. 

Aqui na Conspiração, na Hysteria, somos muito inquietas e sempre em busca de boas histórias. Temos muitos projetos em andamento que abordam temas importantes no universo feminino. Temos projetos sobre o dilema das redes sociais, questões de autoimagem, empreendedorismo feminino, e sempre somos embaladas pelo universo da música. Há muita coisa boa vindo por aí. 

Voltando para a sua trajetória, você sempre teve esse enfoque nas histórias femininas ou isso veio com o tempo? Como foi esse processo?

Desde o início da minha carreira como diretora, todos os projetos que assinei na direção e produção tiveram protagonistas femininas e narrativas centradas em mulheres. Isso sempre fez parte do meu senso de propósito, porque senti uma grande assimetria na participação das mulheres no mercado audiovisual. Então, busquei abordar esse tema em minhas escolhas de carreira, explorando diferentes universos e mulheres diversas. 

Trabalhei com a Luisa Sonza, uma jovem talentosa de 25 anos que enfrentou muita misoginia nas redes sociais, e também com a Dona Eliette de Souza, uma compositora de samba carioca de 85 anos, cujas contribuições foram muitas vezes ocultadas devido ao machismo. Entrevistei Jane Pereira, conhecida como a Mulher de Jiló da Feira das Yabás. Maria Evelia Marmolejo, uma artista plástica colombiana, que fez uma performance impressionante na década de 1970, menstruando em cena e marcando a galeria de arte com seu sangue. E Graciela Carnevale, que trancou a elite argentina em uma galeria durante a ditadura, forçando-os a quebrar janelas para escapar. Além disso, trabalhei com a Angélica, que começou sua carreira aos quatro anos e se tornou uma das maiores comunicadoras brasileiras.  

Cada uma dessas mulheres trouxe histórias poderosas e diversas, e tive o privilégio e o cuidado de entrar em seus mundos, sempre com o apoio e a colaboração da produtora com a qual trabalho. Isso não aconteceu por acaso, mas por um propósito claro de trazer narrativas com mulheres para o centro das histórias. 

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