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Opinião

Lições da primeira Nobel coreana

Han Kang, tradução de Rio Han (한강) em coreano, se tornou a primeira autora coreana e a 18ª mulher a vencer um Prêmio Nobel de Literatura 


6 de novembro de 2024 - 14h50

Han Kang, primeira autora coreana, primeira mulher asiática, 18ª mulher e 121ª pessoa a vencer um Prêmio Nobel de Literatura (Crédito: Divulgação)

O Milagre do Rio Han salvou a Coreia do Sul. Ao menos, é assim que ficou conhecido o período de ascensão meteórica do país, de uma economia agrária destruída no pós-guerra (1950-1953) à potência global, no espaço de uma geração. Uma época marcada por rápidas transformações que exigiu austeridade econômica e sacrifícios individuais. Um deles foi o que levou milhares de famílias, como a minha, a emigrarem para outros países em busca de melhores oportunidades.  

Mas a despeito das agruras pessoais, ou talvez por elas, a Coreia se tornou um dos principais atores globais, e sua estreia no grande palco foi sediar as Olimpíadas de 1988. Desde o começo, o plano era não apenas ser uma potência econômica, mas também cultural, como forma de evoluir a imagem do país no mundo. 

No último 10 de outubro, outro milagre do Rio Han aconteceu, mas com diferentes proporções. Han Kang, que de fato é a tradução de Rio Han (한강) em coreano, se tornou a primeira autora coreana, a primeira mulher asiática, a 18ª mulher e a 121ª pessoa a vencer um Prêmio Nobel de Literatura. Para a Academia Sueca, a sul-coreana de 53 anos foi homenageada “por sua intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”. 

Se para Han Kang, o prêmio foi uma surpresa, para muitos foi mais uma prova concreta do soft power coreano. Depois de vencer o Oscar com o filme “”Parasita, dominar os streamings com “Round 6” e o Spotify com “BTS”, o campo literário parecia ser o último território cultural a reconhecer a força do país. O próprio título da matéria da Folha de São Paulo noticiando a vitória parece revelar essa certeza: “Nobel de Han Kang é sintoma de um mundo que se rende à Ásia.

Mas ainda que a visibilidade e a expansão da literatura, como nas outras áreas, tenham investimentos governamentais, como os do LIT Korea (Literature Translation Institute of Korea), agência governamental responsável pela promoção e difusão da literatura coreana no cenário internacional, a vitória de Han Kang parece sinalizar outros movimentos. 

O primeiro que eu destaco é a importância da vitória de uma autora mulher a receber o primeiro Nobel. O país avançou economicamente, mas é o que tem a maior distância salarial entre homens e mulheres entre os 38 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).  

Há 27 anos consecutivos, a Coreia é o país que apresenta o maior gap de remuneração. Mulheres ganham 31,2% a menos que homens na mesma função, segundo o último dado de 2022. Historicamente, as coreanas nunca ganharam, na média, mais que 68,9% que os homens. Esses números também se refletem na cultura. Desde 2008, apenas uma mulher liderou o Ministério da Cultura, Esportes e Turismo da Coreia, entre 10 ocupantes do cargo.  

O destaque de Han Kang talvez ajude a jogar ainda mais luz para a literatura dessas mulheres, por mais que já tenham protagonismo na sua produção. Segundo dados publicados pelo LIT Korea, elas representam 70% dos autores traduzidos por meio do seu programa de financiamento. Além disso, 80% dos livros mais vendidos nos últimos três meses foram escritos por mulheres. 

A escrita parece ser uma forma de se rebelar e resistir contra uma sociedade que ainda permanece patriarcal, geralmente abordando temas contemporâneos como sexismo, classe e violência. Foi apenas nas últimas décadas, com a maior autonomia econômica e educacional, que as mulheres tiveram a oportunidade de ver seus livros escritos, publicados e traduzidos.  

Por fim, sua vitória reflete o movimento de fãs de culturas aparentemente nichadas. Antes de “A Vegetariana”, seu livro mais conhecido, ser publicado em inglês em 2015, ele foi descoberto por uma pequena editora argentina (Bajo la luna) em 2012 e traduzido para o espanhol.  

Han Kang chegou a visitar Buenos Aires no ano seguinte, dada a recepção do livro no país. Até então, ele apenas tinha sido publicado no Japão e no Vietnã. Li anedotas contando que foi a partir do público hispano-falante e fã de literatura que o livro chegou, de mão em mão, até a Portobello Books, para no ano seguinte vencer seu primeiro prêmio literário internacional, o International Booker Prize, um dos mais reconhecidos pela crítica.  

Se podemos dar algum crédito do Nobel a esses primeiros leitores que reconheceram a terrivelmente bela prosa poética de Han Kang, não consigo precisar, mas eu prefiro acreditar em mais um dos milagres do Rio Han. 

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