Lideranças fora do eixo: os desafios das agências regionais
Executivas femininas de agências fora da região Sudeste apontam as adversidades e oportunidades dos mercados locais
Lideranças fora do eixo: os desafios das agências regionais
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Lidia Capitani
26 de fevereiro de 2024 - 15h56
Já imaginou poder relaxar na beira da praia após um dia de trabalho cansativo? Ou, ainda, acordar cedo e caminhar pela orla antes de começar o expediente? A ideia que parece idílica para os paulistas é a realidade na vida de Ana Celina Bueno, diretora da Acesso Comunicação, agência com mais de 25 anos, localizada em Fortaleza, no Ceará. Esse foi um dos motivos que levou a gaúcha a começar um negócio na capital cearense.
A história se repete para Renata Gusmão, co-fundadora e managing partner da agência Blackninja, localizada em Recife, Pernambuco. Após uma trajetória como redatora publicitária no município pernambucano e depois em São Paulo, Renata parou para refletir onde gostaria de viver. “Aqui [em Recife] percebi que queria construir minha vida, ter filhos, casar e, enfim, estabelecer raízes”, diz. Mais do que isso, a empreendedora tinha como objetivo trazer a expertise do mercado de São Paulo para o Nordeste.
Já para Rhayda Rufino, o que a levou a empreender a Sophí em Belo Horizonte, Minas Gerais, foi o desejo de equilibrar a balança de gênero no mercado. “Decidimos que a Sophí seria uma agência de comunicação e marketing formada exclusivamente por mulheres, com o propósito de aumentar nossa representatividade não apenas em posições de liderança, mas também em funções criativas”, conta.
Por sua vez, Denise Garrido e Quércia Andrade, colegas desde a faculdade em Salvador, também trilharam caminhos profissionais em São Paulo para depois retornar à Bahia e fundar a Atenas, agência de marketing de experiência. Entretanto, com as crises políticas e econômicas no País, os departamentos de marketing, que antes tinham escritórios no Nordeste, migraram para São Paulo. Nesse processo, elas perceberam a necessidade de estar também na metrópole paulista, criando filiais em São Paulo e no Rio de Janeiro.
“Quando nos estabelecemos em São Paulo, experimentamos um crescimento exponencial, tornando-nos uma agência reconhecida nacionalmente”, afirma Denise Garrido, CEO da Atenas. “Passamos de uma posição regional para uma nacional, o que nos permitiu realizar trabalhos em qualquer lugar do Brasil”, destaca Quércia Andrade, VP da agência.
As fundadoras da agência baiana sentiram a necessidade de expandir e estar presente em São Paulo para ganhar maior visibilidade e crescimento. Mas essa não é a realidade da maioria das agências fora do eixo Rio-São Paulo. “Aqui, os desafios estão concentrados principalmente nos acessos, e isso impacta diretamente a nossa atuação na frente comercial”, relata a mineira Rhayda. O cotidiano dessas agências é marcado por desafios que incluem desde a falta de verba, de oportunidades, de reconhecimento e até mesmo situações de xenofobia e descrédito sobre seu trabalho.
A diferença mais gritante e desafiadora é a falta de verba. “É comum vermos marcas destinando uma parcela menor para ativações no Nordeste, justificando isso pela suposta menor visibilidade. Entretanto, essa percepção precisa ser desafiada”, afirma Denise. Com menos investimentos, consequentemente a magnitude das campanhas são comprometidas.
“Aqui em Salvador, marcas como 99, Aposta Ganha e Ambev têm apoiado o carnaval de rua”, aponta a CEO baiana. “Embora seja um avanço, ainda é insuficiente se compararmos com o suporte massivo recebido por eventos no eixo Rio-São Paulo, como o Rock in Rio”. O carnaval de rua de Salvador, na verdade, já foi apontado como o maior evento do gênero pelo Guinness Book em 2005.
“Existe um desconhecimento que permeia a decisão de investir em outros lugares. Há uma necessidade de diversidade e de dividir o bolo de forma mais equitativa, pois, até o momento, ele permanece altamente concentrado em São Paulo”, aponta Denise.
Além da falta de investimento, as baianas ainda relatam que sofreram preconceito e certa descrença quando começaram a expandir para São Paulo. “As pessoas questionavam: ‘quem é essa agência da Bahia vindo pra cá?’”, conta a CEO da Atenas.
Se adicionarmos a camada de gênero, os obstáculos ficam ainda maiores para essas empreendedoras. “Enfrentamos desafios diários, especialmente por sermos mulheres em uma sociedade patriarcal. Além disso, por virmos do Nordeste, há uma resistência associada à nossa origem regional. No entanto, esses desafios se transformaram em impulsionadores para demonstrarmos nossa competência”, complementa Quércia.
Estar em mercados regionais também oferece seus diferenciais. Um deles, já pontuado, é a qualidade de vida. “Isso é algo que precisamos vender, é um valor forte. Talvez até mais do que a ascensão de carreira na publicidade”, diz Ana Celina, diretora da Acesso Comunicação. “Tenho certeza de que, um dia, vou ao LinkedIn para anunciar uma vaga destacando os benefícios que temos: qualidade de vida, cultura local e custo de vida mais acessível”, ressalta.
Outro ponto positivo dessas agências é sua capacidade de adaptação e flexibilidade. “Sabemos lidar com desafios de verbas apertadas e escassez de fornecedores. Optamos por nos posicionar como uma agência mais flexível, mantendo uma proximidade significativa com os clientes, evitando burocracias excessivas”, destaca Denise Garrido.
“Negócios menores têm a capacidade de se reposicionar mais rapidamente do que grandes estruturas que precisam seguir as diretrizes de empresas-mãe globais”, complementa Ana Celina.
Apesar de haver uma preocupação generalizada entre agências médias e pequenas sobre sua sobrevivência, a sócia da Blackninja, de Recife, afirma que o mercado está evoluindo e entregando com cada vez mais qualidade. “Além disso, agências do Nordeste estão fazendo diferença e alcançando sucesso em campanhas nacionais e até internacionais”, continua Renata Gusmão.
Consequentemente, a alta qualidade a fees e investimentos mais baixos que os de São Paulo também se torna um atrativo para o mercado local. “Essa abertura para agências regionais seria benéfica para os anunciantes, pois receberiam padrões de qualidade semelhantes, além de desfrutar de uma precificação mais vantajosa”, afirma Gusmão.
Saindo do Nordeste rumo à Brasília, a comunicação se diferencia drasticamente em comparação à São Paulo. “Estamos inseridos no terceiro maior mercado, a capital do País. O Governo Federal desempenha um papel crucial na comunicação nacional e sustenta significativamente a cena comunicativa da cidade”, destaca Rianni Bertoldo, CEO da agência Moringa. Em Brasília, o processo de conquista de contas difere muito do mercado privado, o qual São Paulo domina, pois envolve licitações públicas.
Logo, entender esta dinâmica demanda certas habilidades e expertises únicas. “A oportunidade que se apresenta é a transformação do profissional, capaz de transitar habilmente entre os dois mundos: as grandes apresentações e pitches criativos do mercado privado, e os ritos rigorosos e pragmáticos das licitações públicas em Brasília”, afirma Rianni.
Cada ecossistema regional tem sua característica particular, capaz de promover diferentes oportunidades. “Aqui em Belo Horizonte, temos um mercado bastante focado em tecnologia. Empresas de grande porte, como a Localiza, a maior do ramo na América Latina, estão estabelecidas aqui, assim como outras marcas de renome. No entanto, ainda considero o mercado mineiro relativamente pequeno diante do seu potencial”, avalia Rhayda.
“Embora São Paulo seja o epicentro da publicidade brasileira, a visão de que tudo se resume à capital paulista é inadequada nos dias de hoje”, aponta a brasiliense. A concentração de renda e da criatividade cria distorções sobre as diferentes realidades e culturas que existem no Brasil.
“Ainda nos deparamos com erros graves de conceito por parte das marcas ao comunicarem no Nordeste. Recentemente, fiz um vídeo destacando um equívoco absurdo de uma grande marca de cosméticos ao retratar o caju”, afirma Ana Celina. Na campanha em questão, o caju aparece pendurado no galho da árvore pela castanha, quando na realidade é pelo pedúnculo, a “carne” da fruta.
“É triste ainda ver que as pessoas não percebem que a falta de pluralidade e a carência de conhecimento cultural resultam em erros absurdos, tanto por parte de quem cria quanto de quem aprova”, aponta Denise.
Desse modo, a descentralização do mercado publicitário é imprescindível para tornar a comunicação mais efetiva e plural. Indo além, investir em agências locais também movimenta os mercados regionais, fortalecendo, valorizando e promovendo uma divisão mais igualitária da renda. O que, consequentemente, atrai talentos, oportunidades e reconhecimento para essas agências.
“Há uma melhoria na geração de empregos e na distribuição mais justa de renda. Não será mais necessário, como antes, migrar para São Paulo em busca do nosso espaço ou da execução de trabalhos. Acredito que esses ganhos se estendem não apenas a mim, mas a todo o Brasil, contribuindo para o desenvolvimento econômico do País”, reflete Renata.
“A diversidade sempre desempenha um papel social significativo. Ela molda as conversas do dia a dia e exerce uma grande influência. Nada é mais impactante do que os brasileiros se enxergarem nas campanhas e nas comunicações”, complementa Rhayda.
Evidentemente, existe uma maior concentração de renda e potencial de consumo no Sudeste, mas, segundo as entrevistadas, as marcas precisam repensar suas mensagens e atuações fora desse eixo. “Sinto falta da compreensão por parte dos clientes em São Paulo sobre a importância dessa visão mais aberta, confiando nas agências do Nordeste para atender às particularidades culturais de cada região”, afirma Renata.
“Seria mais lógico ter uma agência dedicada ao Nordeste, outra ao Sudeste e uma para cada região, permitindo uma proximidade muito maior com o consumidor”, avalia Ana Celina. “Existem nuances mínimas nos hábitos de consumo, no dia a dia, nos padrões comportamentais, nos sabores e nas cores que não podem ser tratadas de maneira centralizada”, continua.
Isso também reflete diretamente em como agências e marcas abordam a diversidade. “Quando tudo é centralizado em São Paulo, as ideias acabam sendo pasteurizadas e as experiências tornam-se homogêneas”, reforça Denise. “Não adianta ter negros no squad se são todos de São Paulo e falam da Faria Lima para representar Salvador. É preciso abandonar estereótipos, pois eles reproduzem comportamentos indesejados”, afirma a CEO.
O que funciona em São Paulo nem sempre irá funcionar em outras partes do Brasil. Para entender essas nuances comportamentais e culturais, é preciso buscar ativamente conhecer outros lugares e investir na comunicação local.
“Compreendo que, do ponto de vista operacional, gerenciar três ou quatro agências para regionalização pode ser mais desafiador para um departamento de marketing de uma grande marca”, diz Ana Celina.
“No entanto, já observamos a existência dessa operação de gestão de múltiplas agências atendendo a diferentes necessidades, como pesquisa, digital e live marketing. A departamentalização das grandes marcas, no que se refere ao marketing, precisa ser reestruturada. Caso contrário, não respeitaremos o comportamento e a cultura do consumidor”, conclui Celina.
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