Mais tempo para ser e menos para fazer, por favor
Uma reflexão sobre a vida frenética sem tempo nem espaço para ócio
Mais tempo para ser e menos para fazer, por favor
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21 de abril de 2023 - 8h52
Assistir vídeos na velocidade 2X, não ouvir áudios maiores que três minutos, aproveitar a corrida na esteira para ler aquele livro sobre gestão de tempo ou poesia, reunião no carro no caminho pra outro compromisso… Essas são só algumas das “otimizações” que temos adotado no dia a dia para sermos mais produtivas, numa tentativa de sentirmos menos culpa por deixar de preencher cada segundo vazio da semana.
A verdade é que, na maior parte das vezes, sinto que, quanto mais ocupo os espaços “livres” da agenda para cumprir as metas, menos tempo pareço ter. Nesse compasso frenético e sem espaço para ócio, o que sobra é uma ressaca nos momentos reflexivos – que trazem questionamentos que quero compartilhar aqui.
Mesmo com todas as opções de planners, aplicativos para organizar a rotina e centenas de métodos para conseguir cumprir os compromissos, parece que o tempo rende cada vez menos. Esse sentimento tem pairado a minha mente e a maioria das minhas conversas nos últimos dias, já que parece que – quase – todo mundo está passando por isso também:
Na semana passada, me peguei respondendo mensagens do trabalho em uma aba, enquanto preparava uma apresentação executiva na outra – tudo isso com o fone rodando o podcast da vez e meu almoço ao lado, esperando que eu tivesse um minuto disponível para dar uma garfada. Essa rotina, chamada por alguns de produtiva e por outros de trabalho duro, me levou a refletir sobre quando teremos a chance de fazer cada coisa de uma vez, sem ter que performar a multifuncionalidade o tempo todo. Estar presente no momento presente e não só quando estou com as crianças, na prática de yoga ou aos finais de semana.
Em “Sociedade do Cansaço”, o filósofo Byung-Chul Han, diz que a violência neuronal é o que toma conta da nossa era, levando-nos a sentir que somos capazes de atingir o máximo de desempenho em todos os momentos. Para ele, é essa dinâmica hiperativa que nos obriga, quase 100% do tempo, a exigir resultados de nós mesmos e, por fim, acabamos nos tornando nossos próprios opressores.
É tudo para ontem – é o que eu sinto na carreira, objetivos e até projetos pessoais alinhados aos meus valores. Nessa rotina, lido com a cobrança externa e interna, que inclui o sentimento exaustivo de que poderia estar fazendo mais e diferente, seja investindo mais horas em conhecimento ou no planejamento de ações que vão me ajudar na vida profissional, ou com a minha família e amigos. E cheguei na questão que o “tudo pra ontem” tem uma intersecção das mudanças urgentes, que eu, enquanto mulher negra não posso desconsiderar. Logo me vem à mente o livro que está na minha cabeceira da escritora Jayne Allen, “Mulheres Negras Não Deveriam Morrer Exaustas”. Mas estou exausta, penso.
Não é possível dar conta de demandas infinitas e ser heroínas de todas elas. Precisamos de espaço para pausa, reenergização ou qualquer outra coisa que não envolva produzir mais (e não estou falando só de trabalho). O ócio é necessário para foco e criatividade. Então, coloquei nesse mês uma meta diferente na minha agenda. Inclui nos compromissos “tempo de não fazer nada”, “tempo de cuidar de mim”, “tempo de vir aqui escrever sem estar correndo”.
O ponto é que nada é verdadeiramente constante e nós também não seremos, mesmo com todo o planejamento do mundo. Enquanto isso não estiver nos nossos mantras mentais, é claro que seguiremos exaustas. Se você, assim como eu, tem se sentido assim, te convido para recalcular a rota e fazer diferente. Podemos ser mola propulsora para transformar o que nos incomoda no mundo, mas só se antes salvarmos a nós mesmas.
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