Marcas: protagonistas ou espectadoras?
Empresas que cedem ao medo e abandonam compromissos essenciais não apenas enfraquecem sua reputação, mas perdem algo mais valioso
Empresas que cedem ao medo e abandonam compromissos essenciais não apenas enfraquecem sua reputação, mas perdem algo mais valioso
18 de fevereiro de 2025 - 8h40
Cena do filme britânico-estadounidense “Conclave”, dirigido por Edward Berger e escrito por Peter Straughan, baseado no romance de 2016 de Robert Harris (Crédito: Reprodução)
No filme Conclave, dentre os muitos momentos impressionantes que o tornam tão especial, um me marcou particularmente. A cena em que um cardeal mexicano fala sobre a necessidade de transformação e renovação. São muitas as falas de um roteiro absolutamente incrível, e toda a trama é construída exatamente sobre a ideia da renovação, de que forças precisam ser impulsionadas, e do quanto de abandono – de ego e de poder – é preciso para promover mudanças verdadeiras, especialmente quando se trata de instituições conservadoras.
Ver todas essas forças em ação, em uma batalha moral e ética extraordinária, é algo que o entretenimento consegue fazer com maestria. O entretenimento, a arte e a cultura têm esse poder de levantar questões do nosso tempo, de nos lembrar do que não pode ser esquecido, de nos mostrar caminhos.
Nos últimos anos, vimos empresas e marcas assumindo compromissos públicos com causas sociais, ambientais e de governança corporativa (ESG). Mas esse avanço parece ter perdido força. Investimentos são cortados, discursos se esvaziam. O pêndulo que antes ia em uma direção agora oscila para o lado oposto. Equilibrar propósito e sustentabilidade com as pressões do mercado e da política nunca foi tão desafiador.
A cultura sempre antecipa as perguntas que a sociedade ainda não sabe responder. Filmes como Ainda Estou Aqui, por exemplo, cuja história é também a da minha família. Meu pai foi preso político. Minha mãe assistiu a tudo sem saber se ele voltaria. Esse passado não pode ser varrido para debaixo do tapete. Assim como Conclave, que mostra um novo futuro possível, Ainda Estou Aqui me lembra do que já enfrentamos e do que não podemos permitir que se repita.
No mundo corporativo, empresas que até ontem anunciavam iniciativas robustas de diversidade, equidade e inclusão agora hesitam, retrocedem. Tenho ouvido de líderes empresariais que estão revendo suas estratégias, que temem polarizações, que buscam evitar desgastes. Mas o que está por trás dessa prudência? O medo de desagradar não pode ser o que define o posicionamento das marcas. O momento exige coragem.
Um executivo escreveu recentemente no LinkedIn: “Essa rede cala porque negocia. Tem coisa que é inegociável”. Eu também acredito nisso. As empresas que realmente querem fazer a diferença não podem ajustar seus valores conforme a conveniência do momento. Diversidade e responsabilidade social não são peças de marketing, mas compromissos fundamentais para uma sociedade mais justa – e para a longevidade dos próprios negócios.
O que vejo não é um simples ajuste de rota, mas um retrocesso. E retrocessos têm consequências. Empresas que cedem ao medo e abandonam compromissos essenciais não apenas enfraquecem sua reputação. Elas perdem algo mais valioso: a capacidade de impactar positivamente o mundo.
A cultura e o entretenimento seguem nos mostrando o que importa. Cabe às marcas decidirem se querem ser protagonistas dessa transformação ou apenas espectadores de um cenário onde a inércia pode custar muito mais do que um ajuste na estratégia de marketing.
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