Marina Melo: “Não adianta incluir PCDs na campanha se o produto não for acessível”

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Marina Melo: “Não adianta incluir PCDs na campanha se o produto não for acessível”

A criadora de conteúdo questiona a falta de acessibilidade das marcas de beleza e conscientiza sobre o assunto em suas redes sociais 


11 de setembro de 2024 - 14h46

Marina Melo é criadora de conteúdo digital, palestrante e consultora em acessibilidade para marcas de beleza (Crédito: Divulgação)

Marina Melo, de 21 anos, é criadora de conteúdo digital, palestrante e consultora em acessibilidade para marcas de beleza. Marina é uma pessoa com deficiência, a atrofia muscular espinhal (AME), que causa fraqueza nos músculos, e compartilha sua rotina de beleza e maquiagem em suas redes sociais. 

“Sempre gostei muito de falar sobre beleza, porque desde pequena adoro maquiagem e acompanho blogueiras. Percebi, porém, que havia uma lacuna nesse universo – muitas coisas não eram acessíveis para mim”, conta. “Fui percebendo que esses detalhes tinham solução e comecei a compartilhar essas reflexões na internet. Isso tomou uma proporção que eu nunca imaginei”, continua. 

Assim, ela criou a #BelezaAcessível, para conscientizar sobre a inclusão de pessoas com deficiência no universo da beleza. “Queria ser a referência que eu não tive quando era mais nova”, afirma. Agora, Marina também presta consultoria para marcas que desejam repensar a acessibilidade de seus produtos. Recentemente, ela se uniu à marca Mari Maria Makeup para avaliar a acessibilidade de seus produtos e orientar o desenvolvimento de novos. 

Outras marcas como as do Grupo Boticário e Bruna Tavares também já embarcaram nessa jornada. O Grupo Boticário, por exemplo, já criou uma linha de pincéis para pessoas com deficiência visual e baixa visão, além de um acessório que auxilia pessoas com limitações motoras na hora da maquiagem. A marca Bruna Tavares também desenvolveu um aplicativo que ajuda pessoas com deficiência visual a identificar os tons e as cores dos produtos. 

Como as marcas podem começar a rever a acessibilidade de seus produtos? 

Você não vai entender o que é uma embalagem acessível para alguém com fraqueza muscular sem ter essa pessoa testando o produto. Se não tivermos pessoas com deficiência no time, de nada adianta. As marcas precisam incluir pessoas com deficiência no processo, seja como consumidoras ou no teste de embalagens e produtos. Isso deve ser um critério de avaliação. A partir daí, podem começar a melhorar pouco a pouco, ajustando tanto a embalagem quanto a fórmula. 

Para além dos produtos, como as marcas podem se tornar mais acessíveis às pessoas com deficiência? 

Acho que podemos falar bastante sobre comunicação, porque é algo que vejo faltar muito para pessoas com deficiência, como cegas e surdas. Nos sites, por exemplo, falta descrição detalhada das imagens dos produtos e comunicação em libras.  

Outra questão é o treinamento para o atendimento nas lojas. Conversei sobre isso com a Bruna Tavares, sugerindo que podíamos desenvolver algum tipo de treinamento para os atendentes saberem como lidar melhor com pessoas com deficiência.  

Além disso, tem a questão das campanhas publicitárias. Não adianta incluir uma pessoa com deficiência na campanha se o produto em si não for acessível. A comunicação precisa ser completa, e isso inclui as redes sociais, onde vejo muita falta de acessibilidade, até no básico, como legendas. 

Você sente que esse movimento de buscar a acessibilidade está crescendo entre as marcas? 

Acho que o interesse das marcas ainda é muito pequeno. Das poucas com quem trabalhei, como a Mari Maria, O Boticário e a Bruna Tavares, são só algumas que realmente se interessaram pelo assunto. Quando você olha para o número de marcas de beleza que existem, a recepção ainda é bem limitada. 

Já cheguei a procurar uma empresa para sugerir que fizessem embalagens acessíveis, e eles recusaram. Disseram que não achavam que esse fosse o caminho certo. Eu fiquei pensando: “Qual seria o caminho, então?”. Eles falaram que recebiam as embalagens direto da fábrica, e eu expliquei que acessibilidade não se resume só à embalagem e que a marca deveria cobrar isso das fábricas.  

Existem outras criadoras de conteúdo com deficiência que falam sobre beleza? 

Acho que há poucas criadoras com deficiência que falam sobre beleza. E, sinceramente, não conheço criadoras sem deficiência que mencionem a dificuldade de abrir embalagens em suas resenhas. É raro ver isso, a menos que afete diretamente elas mesmas. 

Por exemplo, mesmo eu não tendo deficiência visual, sempre comento se uma embalagem é fácil para alguém com deficiência visual identificar e abrir. Mas não vejo isso sendo abordado por outras pessoas. Fico pensando: por que ninguém questiona ou alerta as marcas sobre embalagens que não são acessíveis? As pessoas já criticam quando uma marca não faz uma base para pele retinta, mas pouco se fala sobre a falta de acessibilidade nas embalagens. A conscientização do público ainda precisa crescer nesse sentido. 

Como criadora de conteúdo, como é sua relação com as marcas? 

Acho que poucas marcas me enviam produtos porque têm medo de eu criticá-los, achando que vou expor que o produto não é acessível. Mas eu não faço isso. Por exemplo, recentemente recebi uma base da Karen Bachini em uma embalagem no formato bisnaga, que não consigo usar. Mostrei isso, mas avaliei a fórmula, que era ótima. Entendi que ela escolheu essa embalagem porque era mais barata e isso permitiu investir mais na qualidade da fórmula. Concordo com a escolha? Talvez não, porque eu e outras pessoas tivemos dificuldades de usar, mas não vou atacar a marca por isso. 

Gostaria de me sentir mais incluída no mercado de beleza, como qualquer outro blogueiro que recebe produtos. Mas, ainda assim, a maioria dos produtos que quero testar, eu acabo comprando porque as marcas não me enviam. Não é porque o produto não é acessível para mim que vou criticar negativamente. Vejo muitos lançamentos que gostaria de testar e receber, mas as marcas ainda têm esse receio de me enviar. 

Como é a receptividade do público com seus vídeos? 

Curiosamente, a maioria do meu público é composta por pessoas sem deficiência, que se interessam pela causa. Elas dizem “nossa, eu nunca tinha pensado nisso” e começam a me seguir pra aprender mais. Fico muito feliz quando ouço isso, porque muitas vezes essas pessoas também passam a notar detalhes, como uma embalagem ruim. 

As pessoas querem se educar sobre isso. Eu nunca recebi um comentário tipo “que frescura” ou “pede ajuda”. Pelo contrário, as pessoas sempre dizem “nossa, que absurdo”, porque eu explico de maneira calma e didática, mostrando que há solução. Sempre mostro o que funciona e o que não funciona, e as pessoas tiram suas próprias conclusões. 

Qual a importância de tornar o mercado da beleza mais acessível? 

O Brasil tem um potencial enorme, e não podemos aceitar a desculpa de que não temos poder de compra. Quando as marcas reconhecem que somos consumidores, elas começam a entender e resolver os outros problemas relacionados à acessibilidade. R$ 22 bilhões é a estimativa de compra de pessoas com deficiência no Brasil por ano. Além disso, 96% das marcas de beleza e cuidados pessoais não criam produtos para pessoas com deficiência física, o que revela uma grande brecha no mercado que não deveria existir. 

É crucial destacar que temos um poder de compra significativo, mas estamos sub-representados nas campanhas e no mercado em geral. Fomos ensinados a acreditar que só devemos estar presentes em contextos básicos para saúde e sobrevivência, não em entretenimento ou beleza. Isso precisa mudar. 

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