Marta Celestino, a CEO da primeira escola de inglês com cultura negra

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Marta Celestino, a CEO da primeira escola de inglês com cultura negra

A executiva da Ebony English busca empoderar as pessoas negras a partir do ensino afro-centrado da língua inglesa para alunos e empresas


23 de julho de 2024 - 14h59

Marta Celestino é CEO da Ebony English, primeira escola de inglês com cultura negra no Brasil (Crédito: Larissa Isis)

Marta Celestino teve uma infância e adolescência comuns a mulheres negras brasileiras. Filha de uma empregada doméstica solteira, a paulistana criada no centro da capital não conheceu o pai e precisou aprender cedo a se virar. “Eu ia e voltava sozinha da escola para casa, mas fazia tudo com muito cuidado. Tive que ser esperta, cuidar de mim e das minhas coisas em meio a lugares inóspitos.”  

Essa experiência de autossuficiência pode ter sido um dos motivos pelos quais Marta se destacou ao longo da carreira, em empresas como Alstom e Vivo, e agora à frente das operações da Ebony English, primeira escola de idiomas que prepara pessoas negras para falar inglês no Brasil. Com métodos inovadores, a companhia incorpora dados históricos e referências culturais negras contemporâneas para tornar o processo de aprendizagem da língua mais contextualizado e relevante. 

A missão da Ebony é clara: conectar o povo da diáspora africana e difundir imagens positivas de pessoas negras, melhorando sua autoestima, rompendo fronteiras sociais e tendo papel ativo no combate ao racismo na sociedade. A escola também contribui para tirar do papel o sonho de ter um plano de carreira. 

“Minha geração pensava em emprego, e não em carreira, especialmente quem não era herdeiro. Como filha de empregada doméstica, a primeira coisa que pensei quando vi que meu tênis furava era que precisava fazer dinheiro para ter um calçado para ir para a escola.” 

Assim, aos 12 anos, Marta teve seu primeiro emprego em uma gráfica, dobrando papeis. Aos 14, tirou a carteira de trabalho e conseguiu o cargo de faturista em uma empresa de médio porte, onde aprendeu a trabalhar com tributos, emitir notas fiscais e fazer gestão de logística. Depois, a executiva, que hoje também é Ialorixá [sacerdotisa de religiões de matrizes africanas], não parou mais. 

“Sempre tive bons empregos. Isso é do meu axé. Eu andava na rua, via o anúncio de uma vaga, me candidatava e, de repente, conseguia trabalho em uma multinacional. Aconteceu mais de uma vez.”  

Marta construiu sua carreira em multinacionais a partir dos 18 anos. Aprendeu a falar inglês sozinha e, depois, se qualificou tecnicamente. Após anos de experiência e formação em administração com finanças, passou pela Vivo, onde cresceu na área de gestão de produtos e serviços. 

Em 2015, depois de 11 anos na telecom, ela resolveu fazer uma transição de carreira. Saiu da empresa como líder de mercado, em seu melhor momento, pois precisava de um tempo. “Queria fazer outras coisas, estudar fora. E aí a Ebony caiu no meu colo.” 

Recorte racial e mercado 

A executiva teve contato com a militância do movimento negro na escola, aos 12 anos, por meio de uma professora com quem mantém contato até hoje. Depois de crescer, Marta foi quem explicou para a mãe o que era racismo e como ela sofria desse preconceito, podendo trabalhar, ganhar mais e não ser explorada. Essa consciência a acompanhou durante toda a vida e carreira. 

“Quando entendi que existia um recorte racial, que não se chamava ‘recorte racial’ naquele tempo, eu me localizei no meu grupo. Eu era uma menina muito estudiosa, querida pelos professores, e também era do hip hop e do movimento negro. Sempre fui muito curiosa. Gosto de olhar para o futuro.” 

Marta conta que enfrentou desafios no mercado de trabalho, onde sempre entrava nas empresas como analista júnior, evidenciando a dificuldade de mulheres negras em obter cargos melhores. “Temos que chegar na empresa e nos construir. Você vai se mostrando e as pessoas vão entendendo aos poucos que existe talento e competência.” 

Veia criativa 

Com a Ebony, foi um pouco diferente. Rodrigo Faustino, sócio fundador da escola, convidou a executiva para fazer uma campanha para a empresa. A efeméride era o Dia das Mulheres. Ela resolveu entrar como voluntária no marketing e, durante uma viagem aos Estados Unidos, teve a ideia de gravar uma websérie para ajudar as pessoas a entenderem como fazer um intercâmbio. 

“Queria materializar que o inglês é uma ferramenta de comunicação internacional, que não precisamos ter medo de falar a língua. O objetivo era deixar uma mensagem clara: ‘não perca mais oportunidades de trabalho, de vida acadêmica e de vida social porque acha que não tem condições de falar um idioma.'” 

Assim, engajada com o propósito da escola, Marta entrevistou várias pessoas negras nos Estados Unidos, Europa e África do Sul para incluir diferentes sotaques e representatividade nas aulas, mostrando que todos podiam falar inglês, cada um com seu próprio sotaque. A ideia era deixar o inglês com cara de pessoas negras, porque a língua também tem essas raízes culturais fortes que não são ensinadas em escolas tradicionais de inglês no Brasil. 

Equidade racial e propósito  

A bagagem de Marta no que diz respeito à sua identidade e à batalha que trava pela equidade racial para além da carreira a conecta à Ebony em outro nível. “Para nós, é muito legal saber que a África não é apenas um país e que o bairro do Harlem, em Nova York, tem características culturais para além dos tiros que vemos nos filmes.” 

O continente africano tem 54 países e 22 deles têm o inglês como língua oficial, mas pouca gente sabe disso. Apesar da riqueza cultural e linguística da África, a adoção da língua inglesa nesses territórios mesmo após dolorosos processos de descolonização é objeto de estudo de muitos pesquisadores, como Ângela Lamas Rodrigues, que escreveu o livro “A língua inglesa na África: Opressão, negociação, resistência”. 

Ângela destaca que o inglês é, teoricamente, um idioma global, pois está ligado “à maior força colonizadora de fins do século XIX e ao poderio econômico e cultural dos Estados Unidos no século XX”. A língua, então, teria a função de ser uma “ferramenta sociocultural predestinada a encurtar distâncias antes intransponíveis, facilitando a comunicação e o acesso à informação”. 

Por isso, os diversos países que incorporaram o inglês integraram a língua aos seus processos econômicos, comerciais, políticos e, evidentemente, aos costumes culturais. Porém, nem todas as pessoas que estudaram ou desconhecem a língua inglesa tem conhecimento disso, sobretudo no Brasil. As escolas de inglês no país costumam ensinar o idioma apenas com os elementos da cultura branca dos Estados Unidos e da Inglaterra, ignorando aspectos raciais potentes dos vários territórios americanos e africanos que têm o inglês como língua oficial. 

De voluntária a CEO 

A trajetória bem-sucedida de Marta na Ebony e a maneira com que abraçou a missão da escola a levou ao cargo de CEO da escola. Como diretora de marketing e novos negócios, com a operação inteira nas mãos, ela começou a fechar vários contratos corporativos. Um dia, em uma reunião de equipe, Rodrigo comunicou que ela havia sido promovida a CEO. 

“Foi um reconhecimento, porque, de fato, saímos de um cenário crítico para uma empresa que passou a faturar bem.” A companhia, fundada em 2008, começou a atuar com força no nicho B2B, atendendo clientes como Google, Netflix, Spotify e Nexo em projetos de diversidade e inclusão, além das pessoas físicas. 

Agora, a executiva enfrenta o desafio de manter o nível de receita na intermitência dos contratos corporativos, além de comunicar que a Ebony é uma escola para todos, não apenas para negros. Nesse sentido, ela ressalta a importância de promover a diversidade e o letramento cultural, tornando a sala de aula acolhedora e relevante para todos. 

“Não somos uma escola só para negros, mas a Ebony é um caso de marketing. As pessoas brancas são impactadas pela nossa propaganda e não vêm estudar com a gente porque não se enxergam na nossa publicidade. Porém, o contrário também funciona, porque o jovem negro muitas vezes não se vê na faculdade, naquela escola de inglês mais ‘fun’ ou no intercâmbio em Harvard. Ele não vê a cara dele ali. Nossa sala de aula é confortável para qualquer pessoa, assim como a sala dos meus concorrentes não é exclusiva para brancos.” 

A missão de Marta, então, vai além da educação de idiomas: ela quer transformar a percepção cultural e a inclusão social do Brasil, mostrando que a diversidade é fundamental para a perenidade das organizações e para a mudança da sociedade brasileira e, em última instância, global. 

“Nossa proposta é ensinar inglês com um recorte diverso, que serve para as pessoas entenderem melhor como se vive em um país com mais de 50% da população negra e como ainda se sabe pouco sobre pessoas negras além do que a mídia mostra.” 

O mesmo serve para o mundo corporativo. “Quantas CEOs você conhece de empresas multinacionais robustas que são mulheres negras? Eu não conheço nenhuma. E, sempre que há algum movimento nesse sentido, costuma ser num lugar de assistencialismo, como se precisássemos de ajuda e não fôssemos profissionais competentes. O que acontece com muitas empresas é isso: elas não entenderam que, para serem perenes e estarem no mercado no futuro, vão precisar encarar a diversidade como ela é de verdade.” 

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