Maternidade e ócio criativo
Cada mãe é de um jeito, mas em uma coisa eu corro o risco de generalizar: a maioria de nós quer ser exemplo, e nada pode ser mais poderoso
Cada mãe é de um jeito, mas em uma coisa eu corro o risco de generalizar: a maioria de nós quer ser exemplo, e nada pode ser mais poderoso
29 de janeiro de 2024 - 17h39
Eu me lembro bem da primeira vez que ouvi o conceito de ócio criativo. Estava na faculdade e precisava finalizar um texto que não saía do lugar. Então, veio meu professor da época dizendo que eu precisava equilibrar trabalho, estudo e lazer, que ter um hobby ajudaria a minha criatividade.
Segui o conselho, e a partir daquele dia usei essa “técnica” durante toda a minha vida profissional, quase como um segredo que me dava confiança. Nos momentos mais decisivos do meu trabalho, quando alguma dúvida me assaltava, eu recorria a uma leitura fora do tema, um filme, uma conversa com os amigos, uma boa noite de sono e sempre funcionou muito bem… até que eu tive uma filha.
Quando voltei a trabalhar depois da licença-maternidade, eu me perguntava como teria ideias ou pensaria em soluções criativas com a pressão invisível dos afazeres da maternidade me rodeando o tempo todo. Por outro lado, via meus colegas homens e pais tendo uma vida absolutamente normal, era impossível não comparar. Em mim, as transformações eram tantas que eu não fazia ideia de como conciliar a minha maternidade com a carreira na indústria criativa, e isso me assustou muito.
As estatísticas no Brasil confirmam que a minha preocupação era legítima. Uma pesquisa recente da Great Place to Work mostrou que 47% das mães entrevistadas abriram mão de uma promoção e de oportunidades novas por dificuldade em conciliar novas demandas com as rotinas de casa. Outro dado que chama atenção é que 50% das mulheres sentem medo na hora de fazer alguma solicitação na empresa que envolva os filhos, por exemplo, sair mais cedo para uma consulta, justamente pela discriminação que sofrem por ser mães.
Eu tive a sorte de trabalhar em uma empresa que me acolheu e de ter uma liderança que não apenas respeitou o meu momento, como enxergou em mim novas qualidades que eu mesma ainda não tinha visto. De fato, eu tinha mudado. O que eu não sabia ainda é que tinha mudado pra melhor.
Perdi a capacidade do ócio criativo, sim. Com a carga mental da maternidade, não tenho mais o privilégio do tempo livre que eu dispunha antes, mas ganhei uma porção de capacidades que não tinha, e nisso também não estou sozinha. Segundo pesquisa da organização Filhos no Currículo, 98% dos entrevistados alegam ter aprendido alguma habilidade profissional a partir do contato com os filhos.
Por isso, se você tem a chance de empregar uma mãe, não pense duas vezes. Primeiro, porque mães sabem tomar decisões como ninguém e isso vai ser muito bom para o seu negócio. Segundo, porque a gente precisa virar o jogo de um mercado de trabalho que demite 50% das mães na volta da licença-maternidade, de acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas.
Cada mãe é de um jeito, cada mulher tem a sua própria levada, mas em uma coisa eu corro o risco de generalizar: a maioria de nós, mães, quer ser exemplo, e nada pode ser mais poderoso do que isso.
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