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Opinião

No portão de embarque

Na fila de embarque, noto que somente mulheres são solicitadas para despachar as malas. Não é coincidência.


11 de abril de 2023 - 15h20

Crédito: Olesia_g/Shutterstock

Desde o meio do ano passado, graças à massificação das vacinas e à redução dos casos críticos de Covid, as pessoas retomaram mais intensamente o hábito de viajar – de férias e a trabalho, também.  

 Eu tive um segundo semestre de algumas idas a aeroportos – e de experiências “interessantes” (contém ironia) com o embarque em aviões.  

 A primeira foi numa viagem a trabalho, de um par de dias, para qual eu levava uma pequena mala de cabine (nas dimensões corretas especificadas pela companhia aérea) e minha bolsa.  

 Aqui, um pouco de contexto é importante: desde que as companhias aéreas passaram a cobrar separadamente para despachar malas, aumentou bastante a quantidade de pessoas que tenta levar a sua consigo no avião, para não pagar essa taxa. E a consequência é que o que a gente mais ouve enquanto espera para embarcar é aquela frase: “voo está lotado, não teremos espaço para todas as bagagens de mão, vamos precisar que passageiros se voluntariem pra despachar gratuitamente.” 

 Quando não há voluntários suficientes, os comissários “randomicamente” pedem a passageiros que entreguem sua bagagem. E é aqui que eu volto para minha história – eu viajava com um colega, que também carregava uma mala e uma mochila. Cheguei na porta do avião e adivinha para quem pediram a mala para despachar? Para mim, obviamente.  

 Eu contra-argumentei, expliquei que ia precisar coisas que estavam ali durante o voo e passei. Mas enquanto esperava escanearem o cartão de embarque do meu amigo, para quem não pediram que entregasse a mala, vi outra mulher sendo solicitada a entregar sua mala embarcando junto com outro homem.  

 (e não, as nossas malas não eram maiores que as deles).   

Naquele dia fiquei me perguntando: será que eles focam nas mulheres porque no fundo acham que elas vão dizer menos “nãos”? Ou criar menos problemas, ou discutir menos, por que já estão acostumadas a precisar ceder?  

 Confirmei minha percepção de que havia um viés importante numa outra ocasião – num voo que estava vazio. Quando isso acontece, aprendi que é importante que os passageiros sejam igualmente distribuídos nas áreas do avião para que ele não “penda” para um lado ou outro. E isso é feito, também, através de um processo “randômico”: quando você escaneia seu cartão de embarque no portão, um sinal sonoro toca e você descobre que foi mudado de lugar.  

 Pois bem: no grupo em que eu estava, três mulheres embarcaram, três apitos soaram.  

Dois homens passaram depois, nenhum apito. Vamos combinar que não foi coincidência… 

 Em tempos em que tanto está se discutindo sobre AI e algoritmos, cada vez mais se faz importante prestar atenção nos vieses embutidos neles. Afinal, a gente quer que o mundo ande para frente, não é mesmo?  

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