No W20, gênero é central no debate sobre justiça climática
Kamila Camilo, líder do grupo de trabalho com foco no tema, fala sobre a relação entre as mulheres e os impactos dos eventos climáticos
No W20, gênero é central no debate sobre justiça climática
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Lidia Capitani
31 de julho de 2024 - 13h36
O G20 é um fórum internacional que reúne as maiores economias do mundo para discutir políticas econômicas e financeiras globais. Dentro dessa estrutura, o Women 20 (W20) é um grupo de engajamento focado em promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres. Em 2024, um dos grupos de trabalho do W20 é o de justiça climática, liderado por Kamila Camilo, ativista ambiental e fundadora da Creators Academy, que busca integrar a perspectiva de gênero às políticas climáticas dos países-membros.
A discussão sobre justiça climática no W20 começou a ganhar forma durante a presidência italiana do G20, em 2021, quando se iniciou um diálogo sobre sustentabilidade e o impacto das mudanças climáticas nas mulheres. Desde então, o tema evoluiu e, na atual presidência brasileira, foi criado um grupo de trabalho específico para a pauta, que é uma novidade dessa edição. A iniciativa busca abordar as vulnerabilidades específicas das mulheres frente às mudanças climáticas, destacando a necessidade de mais políticas inclusivas.
O grupo de trabalho liderado por Kamila Camilo tem focado em incluir uma perspectiva de gênero nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) dos países-membros do G20. As NDCs são os indicadores e metas dos países para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, conforme o Acordo de Paris. “Isso inclui investimentos que deveriam transitar de combustíveis fósseis para energia renovável, recursos para infraestrutura, adaptação climática, mitigação, legislações e medidas para regulamentar mercados como o de carbono, por exemplo”, explica a líder.
A cada dois anos, os países precisam apresentar resultados. 2025, entretanto, é um marco importante, pois, além de apresentar seus indicadores, as metas serão atualizadas, já que a maioria dos países não alcançaram o que haviam prometido até o momento. “As metas e os resultados precisarão ser apresentados na COP em janeiro e fevereiro de 2025, e as novas NDCs também serão submetidas nesse período”, reforça Camilo.
Por isso, a discussão do grupo é tão importante nesse momento. “Nossa proposta é que a visão de gênero e os times que lideram esses projetos considerem perspectivas femininas na implementação. Especialmente em energias renováveis, porque a maioria das comunidades que recebem projetos de eólica e solar são locais com muitas mães solos e alta pobreza. Se não tivermos uma perspectiva de gênero na implementação, essas pessoas serão deixadas para trás”, afirma.
De maneira complementar, o grupo está discutindo a necessidade de financiamento para projetos liderados por mulheres, especialmente nas áreas de energia. “Chamamos isso de
”Women-Led Projects’, especialmente no contexto das economias verde e azul”, afirma. De forma simplificada, a economia verde foca no desenvolvimento sustentável, com destaque para a redução das emissões de carbono, e a economia azul, na preservação e regeneração dos ecossistemas marinhos.
“Em geral, o que acontece é semelhante ao que vemos no mercado de venture capital, onde a concentração de renda continua a favorecer os homens. Então, estamos defendendo que os requisitos dos investimentos e fundos, especialmente aqueles alocados com recursos dos países mais ricos ou provenientes de penalizações de companhias, tenham critérios que priorizem ou escolham projetos liderados por mulheres ou que tenham liderança feminina”, propõe a líder do tema.
O grande desafio desses grupos de trabalho é priorizar as propostas e redigi-las numa linguagem que seja acessível e compreensível por diferentes países. A primeira proposição diz respeito ao desenvolvimento de políticas responsivas ao gênero, ou seja, que incluam as necessidades das mulheres e meninas, principalmente frente a desastres climáticos.
“Essa recomendação surgiu enquanto refletíamos sobre eventos como as enchentes no Rio Grande do Sul e no Paquistão. Esses episódios não só causaram novos problemas, mas também agravaram questões sociais já existentes. Vimos casos de violência sexual nos abrigos no Rio Grande do Sul, que não aconteceram por causa da enchente, mas foram potencializados pelo cenário de catástrofe”, explica Kamila.
Para isso, defende a líder, é preciso que mulheres estejam presentes nos espaços de tomada de decisões, por meio de cotas de gênero em conselhos e comitês. “Isso não resolve todos os problemas de gênero, mas estudos mostram que ajuda a fechar o gap de visão quando temos mulheres presentes”, complementa.
O grupo também tem discutido o desenvolvimento de mecanismos para monitorar e garantir a efetividade das políticas prometidas. “Às vezes é desafiador, devido às diferentes perspectivas culturais, mas encontramos convergência na ideia de que todos os países querem ser mais seguros e resilientes climaticamente. E, se as mulheres estão na linha de frente, precisamos cuidar delas”.
As pautas do grupo de justiça climática estão profundamente interligadas com outros grupos de trabalho do W20, como o de empreendedorismo feminino, economia do cuidado e enfrentamento da violência de gênero. “Quando falamos de financiamento de projetos liderados por mulheres nas economias azul e verde, estamos falando de empreendedorismo e de dinheiro fluindo para negócios liderados por mulheres”, diz Kamila.
Além disso, existe uma relação entre os impactos dos eventos climáticos extremos, a economia do cuidado e o combate à violência de gênero, áreas discutidas por outros grupos de engajamento. “Durante as enchentes no Rio Grande do Sul, por exemplo, a TV mostrava homens heróicos em jet skis resgatando pessoas, mas não víamos divulgação de quem organizava as roupas, separava doações e alocava famílias nos abrigos. Esse é o trabalho da economia do cuidado, que segue invisível”, defende a líder.
O grupo de trabalho já entregou suas recomendações e propostas para a equipe que produzirá o material a ser entregue aos representantes no G20. Nos próximos meses, o grupo de trabalho se concentrará na elaboração de planos de ação para as recomendações apresentadas. Esse processo incluirá a construção de uma linguagem comum que possa ser adotada por todos os países-membros do G20.
O trabalho do grupo de justiça climática, liderado por Kamila Camilo, busca não apenas abordar as questões ambientais, mas também garantir que as políticas climáticas sejam inclusivas para as mulheres racializadas, especialmente nas economias do sul global.
“Quando analisamos a sociedade, vemos que são essas mulheres que têm menos recursos, que vivem em áreas mais vulneráveis e são mais suscetíveis aos impactos negativos dos eventos climáticos extremos”, afirma a líder. “No contexto climático, especialmente em um país onde o racismo ambiental está muito presente, é necessário falar sobre isso.”
Dada a importância da pauta climática, há uma expectativa de que as recomendações do grupo sejam integradas ao comunicado final do G20, destacando a importância de uma visão de gênero transversal nas políticas climáticas globais. Além disso, as delegadas se preparam para o 7º Diálogo Nacional do W20 Brasil, que ocorrerá no dia 22 de agosto, em São Paulo.
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