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Nosso superpoder frente à inteligência artificial

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Opinião

Nosso superpoder frente à inteligência artificial

Como essa complexa interseção de lógica, emoção e criatividade pode ser aprimorada?


8 de janeiro de 2025 - 9h55

(Crédito: Shutterstock)

Já estamos em 2025 e o mundo parece andar cada vez mais rápido. No motor desta aceleração crescente está a inteligência artificial, que vem transformando nossas rotinas e mudando paradigmas. E a nossa inteligência? Como essa complexa interseção de lógica, emoção e criatividade pode ser aprimorada? Fiz esta pergunta para a escritora e futurista Martha Gabriel, também integrante do Team Galaxy, no encerramento de uma palestra muito interessante sobre AI que ela fez para nosso time de marketing.  

Martha não teve dúvidas na resposta: a chave é o pensamento crítico. Para ela, é um caminho incontornável, já que permite nos mantermos à frente dos processos cada vez mais automatizados e velozes. E por quê? Porque nos obriga a reavaliar nossas crenças e buscar uma compreensão mais autêntica do mundo.  

Mas por onde começar? Simples: a base do pensamento crítico, conforme ela detalhou, é o questionamento. Perguntar e perguntar. Assim como um computador precisa de aprendizado, um sistema operacional atualizado e seguro, nosso cérebro precisa de estímulo e curiosidade. 

A inteligência humana tem raízes na biologia e no desenvolvimento pessoal. Parte nasce conosco, moldada pelo DNA, e outra parcela depende do cuidado e treinamento da mente. Porém, inteligência sozinha não basta. O mundo atual exige algo mais profundo: a habilidade de pensar criticamente. Nesse ponto, cabe a metáfora do solo fértil: a inteligência é o terreno, mas o pensamento crítico são as ferramentas que cultivam o jardim. Ele demanda perguntas incisivas, disposição para ouvir e humildade para aprender – valores que parecem simples, mas são, na prática, incrivelmente desafiadores. 

Martha nos mostrou que, no cerne do pensamento crítico está o direito – e o dever – de perguntar. O filósofo Sócrates (470 – 399 a.C.), considerado o pai desse método, defendeu que as perguntas são a chave para a verdade e a justiça. Ele rejeitava as verdades absolutas que predominavam em sua época e considerava que o caminho para o conhecimento não era a aceitação passiva de dogmas, mas o questionamento constante, uma prática que até hoje desafia as convenções e alimenta a inovação. 

O método socrático consistia em fazer perguntas incisivas que obrigavam as pessoas a refletirem sobre suas crenças e argumentos. Ele acreditava que a busca pela verdade passava pela dúvida, e que a justiça só poderia ser alcançada pelo diálogo. Foi essa prática de incitar os jovens a pensar criticamente, e não aceitar cegamente o que lhes era ensinado, que o levou a ser acusado de corromper a juventude e desrespeitar os deuses da cidade. 

No entanto, Sócrates via o ato de perguntar como respeito. Para ele, uma pergunta era uma prova de interesse genuíno pela verdade e pela visão do outro. Em seu discurso final, registrado por seu discípulo e também filósofo Platão, ele defendeu o direito de todos questionarem como uma virtude essencial da cidadania. Para o filósofo, perguntar não era um ato de rebeldia, mas de construção – uma busca compartilhada por significados mais profundos. 

Nesse contexto, resgatamos a essência do questionamento como uma habilidade atemporal. Afinal, a capacidade de fazer perguntas não apenas desafia o status quo, mas também pavimenta o caminho para inovações duradouras e diálogos mais profundos. 

É por isso que hoje, em um mundo impulsionado por dados e algoritmos, as lições de Sócrates permanecem relevantes, já que o verdadeiro progresso está em fazer as perguntas certas, como diz o método socrático. Ele obriga seus interlocutores a reavaliar suas crenças e buscar uma compreensão mais autêntica do mundo. O legado de Sócrates transcende o tempo porque demonstra que a busca pelo conhecimento depende mais da qualidade das perguntas que fazemos do que das respostas que recebemos.  

A verdadeira revolução tecnológica não está apenas nas ferramentas que desenvolvemos, mas no modo como as utilizamos. O pensamento crítico é o programa que torna a inteligência útil. Sem ele, ficamos à deriva em um mar de dados. 

Um componente intrínseco do pensamento crítico é o ceticismo amável, destacou Martha. Trata-se não apenas de questionar, mas saber fazê-lo com respeito. Muitas vezes, interpretamos perguntas como ataques, esquecendo que elas podem ser pontes para diálogos mais profundos. Quem não pergunta, aceita verdades prontas, muitas vezes impregnadas de vieses cognitivos, atalhos mentais que nos ajudam a lidar com a complexidade, mas também distorcem a realidade.

Estudos, como o publicado em 2023, por Hershey Friedman, da Universidade de Nova York (Cognitive Biases and Their Influence on Critical Thinking and Scientific Reasoning: A Practical Guide for Students and Teachers), apontam mais de 200 vieses conhecidos, como o “viés de confirmação”, que nos faz buscar informações que validem nossas crenças. 

Reconhecer nossos vieses é o primeiro passo para superá-los. E, como em um sistema de AI que melhora com dados mais diversos, nós também precisamos da diversidade para corrigir essas distorções. Equipes com diferentes histórias, gêneros, culturas e idades ampliam nossa visão e desafiam nossas crenças. É dessa interação que emergem as ideias mais brilhantes e os caminhos mais justos. 

Outro elemento fundamental do pensamento crítico é o repertório. Como bem define Martha Gabriel, ele é o estoque de vivências que carregamos, nossa bagagem intelectual e emocional que nos permite conectar pontos e criar. No marketing, por exemplo, entender nuances culturais pode ser a diferença entre uma campanha genérica e uma que ressoa profundamente com o público-alvo.

E o repertório se expande, sobretudo, na interação com o inédito – seja explorando culturas diferentes, convivendo com pessoas de diversas idades ou assumindo riscos. Transpondo ao ambiente corporativo, times mais diversos têm maior repertório e por isto tendem a ser mais produtivos.

Marketing é um ótimo exemplo, porque nosso cotidiano de trabalho nos faz entender públicos distintos. Campanhas que ressoam não são fruto apenas de dados, mas de empatia e sensibilidade, de perceber nuances que um modelo de IA, por mais avançado que seja, ainda não consegue captar. Assim, cultivar repertório é tanto um exercício de curiosidade quanto de humanidade. 

Outro elemento primordial é que o pensamento crítico seja guiado por valores. Ética, respeito e empatia são os alicerces que o transformam em uma força para o bem. Em um mundo de algoritmos que amplificam bolhas, praticar esses valores pode fazer a diferença, mas a ética não é uma abstração. Ela se manifesta em decisões cotidianas: no jeito como ouvimos o outro, na disposição para dialogar e na coragem de mudar de ideia. E, no contexto corporativo, é ela que transforma empresas em agentes de transformação, capazes de gerar impacto positivo para consumidores e comunidades. 

No meu cotidiano de trabalho, a simbiose entre IA e pensamento crítico já é uma realidade. Usamos IA para criar campanhas adaptadas ao contexto brasileiro, mas ele foi o diferencial que orientou essas estratégias, garantindo que fossem inclusivas, relevantes e autênticas. Portanto, desenvolvê-lo é um compromisso contínuo. É aprender a perguntar sem medo, a reconhecer nossos vieses, e mudar de opinião é essencial.  

No final, todos esses pontos convergem para um essencial: a habilidade de pensar criticamente é o que nos torna verdadeiramente humanos. Em um futuro cada vez mais moldado pela inteligência artificial, é essa habilidade que garantirá que a tecnologia seja uma aliada.

Por isso, é importante cultivar o pensamento crítico em todas as esferas – da sala de aula ao mercado de trabalho, do cotidiano familiar ao planejamento corporativo. Como Sócrates nos ensinou, a verdade só emerge quando temos coragem de perguntar. E, em um mundo em constante transformação, a pergunta certa pode ser a diferença entre sobreviver e viver uma vida que vale a pena.  

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