O etarismo e a sociedade que odeia o futuro
Se queremos um futuro que vale a pena sonhar, precisamos começar respeitando o presente de quem já chegou lá
Se queremos um futuro que vale a pena sonhar, precisamos começar respeitando o presente de quem já chegou lá
5 de dezembro de 2024 - 9h41
Envelhecer bem e com dignidade não é o desfecho mais justo de uma vida bem vivida? Não é o reflexo de um corpo resiliente, escolhas que atravessaram o tempo e a capacidade de sonhar e realizar? Apesar disso, vivemos em uma sociedade que encara o envelhecimento como um fracasso — um inimigo a ser derrotado por cirurgias, procedimentos e filtros. Essa é a tragédia do etarismo: odiar aquilo que todos, sem exceção, desejamos alcançar.
Mas o problema vai além da obsessão pela juventude. O etarismo é um ciclo cruel. Os que hoje discriminam serão as vítimas de amanhã. No trabalho, na vida social, nas relações afetivas, o etarismo semeia a exclusão que um dia colheremos. Afinal, como faz sentido sonhar com o futuro, investir na carreira, planejar uma vida longa, se o mundo nos descarta assim que as marcas do tempo aparecem?
O etarismo não poupa ninguém, mas suas garras são mais afiadas para alguns. Homens maduros ainda escapam, em parte, dos julgamentos mais severos: rugas lhes conferem charme, cabelos grisalhos traduzem elegância, e a maturidade é sinônimo de sabedoria. Para as mulheres, o envelhecimento é outra história — uma sentença de invisibilidade, como se a sociedade lhes impusesse um prazo de validade precoce.
No mercado de trabalho, elas somem. Mulheres acima dos 50 enfrentam taxas de desemprego muito superiores às dos homens na mesma faixa etária. Em casa, muitas tornam-se cuidadoras invisíveis, sustentando famílias enquanto carregam o peso da própria exclusão. Na mídia e na cultura, são relegadas a estereótipos: a avó simpática, a solteirona amarga, a figura apagada ao fundo.
Se ser mulher já implica enfrentar discriminações múltiplas, o cenário se agrava ao considerar classe, raça e identidade. Essas camadas de desigualdade transformam o envelhecimento feminino em uma batalha solitária, na qual a sociedade não só deixa de oferecer apoio, mas também ergue barreiras ativamente.
Ao rejeitar o envelhecimento, a sociedade rejeita a si mesma. Paradoxalmente, vivemos mais do que nunca, mas nunca estivemos tão obcecados em apagar os sinais do tempo. Em 2050, a população com mais de 60 anos será de 2 bilhões no mundo, segundo a OMS. Como sustentar uma sociedade que odeia sua própria maioria?
Na economia, perdemos talentos inestimáveis. Mulheres maduras, descartadas do mercado de trabalho, carregam experiências que poderiam transformar empresas. Na cultura, silenciamos histórias que inspirariam gerações. No âmbito pessoal, criamos jovens que temem o futuro e vivem sob a ansiedade de um presente que exige juventude eterna.
Desconstruir o etarismo não é um favor às gerações mais velhas; é um investimento coletivo no futuro. É uma chance de construir uma sociedade que celebre o envelhecimento, em vez de puni-lo. Todos queremos envelhecer. Esperamos que os esforços de hoje resultem em uma vida longa e plena. Mas, para isso, precisamos de uma sociedade que enxergue o tempo como um bem valioso — não como uma sentença de exclusão.
O etarismo é irracional. Ele penaliza o que há de mais natural e desejável: a longevidade. Se queremos um futuro que vale a pena sonhar, precisamos começar respeitando o presente de quem já chegou lá.
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