O futuro do ESG: progresso concreto ou future washing?
Debate sobre economia regenerativa poderá aparecer na COP 30 e significa um convite para as companhias repensarem seus modelos produtivos
O futuro do ESG: progresso concreto ou future washing?
BuscarDebate sobre economia regenerativa poderá aparecer na COP 30 e significa um convite para as companhias repensarem seus modelos produtivos
Lidia Capitani
13 de fevereiro de 2025 - 12h16
A pauta climática nunca esteve tão aquecida quanto agora. Ao mesmo tempo, as notícias não são positivas no espectro político: um dos primeiros movimentos do recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao assumir o posto foi sair do Acordo de Paris. Como afirma Andrea Alvares, presidente do conselho do Instituto Ethos: “Já estamos vivendo uma era de emergência climática”.
Na verdade, vivemos permacrises, um período de crises permanentes. “Acho que, dada a gravidade dos acontecimentos atuais – como o volume e a intensidade dos eventos climáticos extremos, o que está acontecendo agora nos Estados Unidos; a ascensão da extrema-direita; e o que ainda se passa na Palestina – , estamos diante de uma tensão social e ecológica muito agravada”, pontua Lua Couto, pesquisadora, fundadora e consultora do Futuro Possível.
“À medida que a crise climática se agrava, temas como regeneração, combate à crise climática, cuidado, resiliência e saúde mental vão se tornando cada vez mais centrais”, complementa.
“Estamos diante de uma tensão social e ecológica muito agravada”, diz Lua Couto, pesquisadora, fundadora e consultora do Futuro Possível
Este ano, 2025, a conferência do clima, a COP 30, será na cidade de Belém, no Pará. O sentimento geral sobre o evento, entretanto, é de frustração. “O que tenho acompanhado é que muito do que foi planejado na COP 29 não se concretizou. O Brasil, com a Amazônia, está no centro das atenções, e há uma grande expectativa sobre o que podemos e devemos fazer pelo mundo”, reflete Lais Macedo, presidente do Future Is Now.
Para Andrea Alvares, a discussão focará no financiamento climático e na revisão dos 10 anos do Acordo de Paris. “Infelizmente, estamos bem distantes do que deveríamos ter avançado até agora. O foco ainda está muito voltado para a transição energética, com ênfase nas emissões de carbono”, pontua.
Ao mesmo tempo, Lais avalia o evento como uma oportunidade para o Brasil sair na frente. “O País, que está atrás em tantas questões de desenvolvimento econômico e social no mundo, tem toda a condição de ser pioneiro na economia regenerativa. Se soubermos aproveitar a COP 30 com responsabilidade, podemos sair de lá com uma agenda real e financiada, porque o dinheiro virá.”
Ana Costa, vice-presidente de reputação, sustentabilidade, jurídico e assuntos corporativos da Natura, também acredita que o Brasil pode ser um pioneiro na adoção de práticas regenerativas.
“Nosso objetivo na COP 30 é contribuir com a amplificação dessa pauta como meio de fortalecer a agenda socioambiental brasileira e destacar a Amazônia como polo de prosperidade para o Brasil e para o mundo. Queremos mostrar que é possível aliar conservação ambiental, lucratividade, valorização do conhecimento tradicional e muita inovação em conjunto com as comunidades parceiras.”
Afinal, o que é regeneração?
Neste contexto, a regeneração pode aparecer como um assunto transversal na COP, que conecta diferentes setores e práticas. “A regeneração abrange muitos temas, como a agricultura regenerativa e os conhecimentos ancestrais. Vejo que a pauta vai emergir cada vez mais, e acredito que na COP não será diferente. Até mesmo grandes financiadores estão vendo o Brasil como um ponto estratégico para a agricultura regenerativa, investindo recursos nesse movimento de cuidar e curar o solo”, avalia Lua Couto.
Apesar de parecer um conceito intuitivo, ele não é tão simples. “Quando olhamos para o que a ciência diz, a regeneração é a capacidade de um sistema retornar a um estado de equilíbrio saudável”, explica a pesquisadora.
No campo corporativo, a regeneração pode parecer uma atualização do discurso da sustentabilidade, mas não se trata apenas de zerar as emissões de carbono. Ela é uma completa revisão dos modelos produtivos comerciais, sociais, culturais, ambientais e políticos. Não se trata de retornar a um estado do passado, e, sim, de encontrar um novo estado de equilíbrio. Por isso, não é um conceito universal, ou seja, é diferente para cada comunidade e território.
“A regeneração é difícil de ser capturada ou padronizada, e isso a torna complexa para o capitalismo, que tenta transformá-la em algo que possa ser mensurado com métricas. O conceito é sobre como incorporamos a vida na nossa relação com os ecossistemas e as comunidades”, defende Lua. A regeneração pode incluir qualidades objetivas, com parâmetros para a quantidade de espécies de determinado ecossistema ou para a qualidade do solo, por exemplo. Mas ela também tem qualidades subjetivas, quando olhamos para a integração das culturas regionais.
O papel da ancestralidade
De acordo com especialistas, o conceito de regeneração envolve também olhar para o papel da ancestralidade, principalmente dos povos originários, que já viviam desse princípio. “Um exemplo disso é o uso de argila para resfriamento de câmaras, algo feito há milhares de anos, mas que, no mundo da inovação, é tratado como uma tendência nova”, pontua Luciana Bazanella, cofundadora da White Rabbit.
O fato de que a COP será ambientada na Amazônia será de grande impacto e importância. “Primeiro, sinaliza que aquele território e seu ecossistema são fundamentais. Segundo, é uma oportunidade de aprender com os povos tradicionais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos, que vivem de forma regenerativa, ou seja, fortalecendo a continuidade da vida”, reflete a pesquisadora.
Luciana Bazanella, cofundadora da White Rabbit, sobre a COP 30, que será realizada em Belém do Pará: “É uma oportunidade de aprender com os povos tradicionais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos, que vivem de forma regenerativa”
Quando aplicada ao ambiente corporativo, a regeneração clama por um processo profundo de revisão dos modelos de produção e de crescimento infinito. “Quando uma empresa tem que gerar mais lucro a cada ano, isso vai contra a regeneração, porque a regeneração dos sistemas exige recursos, e isso vai além do modelo de crescimento infinito. Se uma empresa não deixar esse modelo, ela não poderá ser regenerativa”, provoca Luciana.
Para além da reflexão sobre o uso dos recursos naturais, a regeneração também convida a uma revisão sobre os recursos humanos, haja vista os casos de burnout, depressão e ansiedade que afetam as pessoas e são desencadeados pelo ambiente de trabalho. “A economia regenerativa não é apenas sobre o meio ambiente. Para mim, a regeneração também passa pela sociedade: inclusão, diversidade e justiça social”, afirma Lais Macedo.
Regeneração corporativa e “future washing”
No contexto brasileiro, o termo ainda é incipiente. “Nos últimos anos, muitas multinacionais, como a Danone, por exemplo, flertaram com o conceito de regeneração, algumas usando o termo diretamente, outras abordando-o de forma mais indireta”, avalia Luciana. Para Andrea Alvares, a Natura é uma das poucas multinacionais brasileiras que trabalham o conceito. Já Lais Macedo cita a Dengo como marca que tem feito a diferença na agenda.
A Natura estabeleceu um compromisso de ser um negócio totalmente regenerativo até 2050. “Na prática, isso significa gerar impacto positivo sistêmico em todas as nossas frentes de atuação, para além de compensar e mitigar impactos negativos. Queremos mensurar esses avanços por meio da nossa metodologia, chamada Integrated Profit and Loss (IP&L), que contabiliza em valor monetário o impacto do nosso negócio nos capitais social, humano e natural. Atualmente, para cada R$1 de receita da marca Natura, geramos R$ 2,7 em retorno socioambiental positivo para a sociedade. Até 2030, queremos chegar a R$ 4”, diz Ana Costa.
No âmbito internacional, há países em que esta pauta está mais avançada, com exemplos marcantes como a da marca Patagonia. Entretanto, existem ondas opostas de avanço e retrocesso. “O mundo está em momentos muito diferentes, com o avanço da regulação e os impactos disso nos times de sustentabilidade, especialmente em relação às necessidades de reporting e indicadores. Ao mesmo tempo, há uma redução no ritmo da pauta ASG, especialmente na dimensão social e, em alguns casos, na ambiental”, complementa a presidente do conselho do Instituto Ethos.
Andrea Alvares, presidente do conselho do Instituto Ethos: “Infelizmente, estamos bem distantes do que deveríamos ter avançado até agora. O foco ainda está muito voltado para a transição energética, com ênfase nas emissões de carbono”
Na visão de Luciana Bazanella, a pauta da regeneração está sendo instrumentalizada pelo marketing de algumas empresas, num movimento de “future washing”. Ou seja, ao estabelecer metas para 2030, as empresas não constroem planos de ação para o presente. “O compromisso com a regeneração se torna um instrumento de manutenção da imagem da marca, mas sem o trabalho de fundo necessário”, diz.
Como adotar a regeneração
Para evitar o “washing” da pauta, as lideranças apontam caminhos que as empresas podem tomar. “As companhias precisam revisar seus modelos produtivos, de liderança, de contratação, de consumo e de produção. Como é o nosso modelo atual? Quais mudanças podemos implementar para tornar a economia mais circular, entrar em harmonia com os recursos naturais e adotar práticas menos exploratórias?”, questiona Lais.
Ela requer um olhar holístico para todos os pontos de contato com os seres vivos e a natureza, sejam internos ou externos. “A verdadeira regeneração é ser um guardião da continuidade da vida, seja no relacionamento com as pessoas, com os ecossistemas, no desenho dos produtos, na saúde mental dos funcionários ou na interação com o território”, acrescenta Lua.
Entretanto, para que ela realmente entre na essência da organização, a regeneração precisa estar dentro da estratégia, como pontua Lais Macedo. “Não dá para discutir estratégia e abrir uma célula separada para falar de impacto. O que não está na estratégia, o que não é considerado um investimento, pode ser cortado quando a empresa revisa o orçamento”, afirma. Por isso, a discussão deve ser abraçada pela alta liderança executiva. “Se quem tem a caneta não tomar decisões, tudo será apenas intenção, e nada mudará”, complementa.
Lais Macedo, presidente do Future Is Now: “Não dá para discutir estratégia e abrir uma célula separada para falar de impacto” (Crédito: Divulgação)
Além disso, Luciana Bazanella acredita que as organizações devem adotar uma visão multitemporal. “As empresas estão completamente focadas no curto prazo, e isso impede uma verdadeira abordagem regenerativa. Quando falamos de regeneração de sistemas que sustentam a vida, é preciso olhar para o passado, entender as raízes das questões e ter uma visão de longo prazo”, reflete.
Como uma forma de expandir seu compromisso com a regeneração para além das suas operações internas, a Natura também tem trabalhado para conscientizar seus fornecedores e parceiros sobre o tema. Uma dessas iniciativas é a Aliança Regenerativa, coalizão formada por mais de cem fornecedores da Natura e da Avon para acelerar a adoção de práticas regenerativas. Segundo Ana Costa, eles recebem capacitação da Natura para reduzir as emissões de GEE em suas cadeias, com acesso exclusivo a projetos de inovação e a especialistas em sustentabilidade do time da empresa.
A Natura tem, ainda, parcerias com comunidades agroextrativistas na Amazônia e a criou agroindústrias nas próprias comunidades. Exemplo disso é o projeto SAF Dendê, um sistema agroflorestal para cultivo sustentável de palma no mundo. “Estabelecido no Pará há 15 anos, o projeto conta hoje com 182 hectares e a meta é atingir 40 mil hectares até 2035, para garantir o abastecimento sustentável desse insumo para as operações da Natura”, exemplifica a executiva.
Ana Costa, vice-presidente de reputação, sustentabilidade, jurídico e assuntos corporativos da Natura: “A regeneração pode contribuir com a resiliência dos negócios” (Crédito: Divulgação)
Já quando olhamos para as relações sociais no ambiente de trabalho, Andrea Alvares pontua a importância da comunicação não-violenta. “Isso cria ambientes mais seguros, com maior confiança, que, por sua vez, favorecem a criatividade, a inovação e o crescimento”, diz.
Por isso, a Natura também adota essa visão para a sua estratégia de regeneração. “Os pilares seguirão os mesmos, com foco cada vez mais integrado: social e ambiental caminham juntos nesta jornada, enquanto a governança direciona as ações nesta agenda. O que queremos é seguir e multiplicar nossa visão de restaurar o que se mostrou não ser mais sustentável para o mundo que queremos, dentro de uma estratégia de regeneração”, afirma a VP.
Adotar uma estratégia regenerativa também oferece vantagens para o negócio. “A regeneração pode contribuir com a resiliência dos negócios, já que permite que empresas adeptas a esse conceito estejam mais preparadas para enfrentar adversidades e encontrar soluções para desafios e necessidades decorrentes da crise socioambiental. Afinal, a natureza e a sociedade são interdependentes”, destaca Ana Costa.
Uma responsabilidade de todos
Apesar das empresas e organizações terem grande responsabilidade sobre os modelos produtivos no qual operam, os consumidores, individualmente, também podem adotar uma visão regenerativa. “Como sociedade, o primeiro passo é refletirmos sobre o que consumimos, como consumimos, quanto compramos e de onde vem o que compramos”, aponta Lais.
Aliado ao consumo, o poder do voto também pode provocar instituições públicas e incitar a mudança. “Não podemos deixar nenhuma esfera sem responsabilidade nesse processo de regeneração do mercado e da sociedade. É essencial um governo que se comprometa com a responsabilidade e crie políticas públicas para responsabilizar as empresas. Há responsabilidade tanto no poder público quanto nas empresas, e os líderes dessas companhias precisam assumir compromissos”, defende a presidente do Future Is Now.
A mesa da COP também precisa incorporar tais premissas. Segundo Luciana Bazanella, a visão multitemporal, e principalmente o olhar para o futuro, deve ser central para os tomadores de decisão. “Os compromissos dos países simplesmente não são cumpridos, pois as prioridades estão nas agendas empresariais e no lucro de curto prazo. O que vejo é que não há um pensamento de futuro, seja nos governos ou nas empresas. Se não começarmos a nos planejar para 2030, 2040 e 2050, continuaremos reféns de um futuro que já está em processo de deterioração.”
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