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O futuro é maduro: a potência dos 50+ na indústria

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O futuro é maduro: a potência dos 50+ na indústria

Profissionais femininas com mais de 50 anos mostram que criatividade não tem idade e podem ser a chave para mais inovação no mercado de publicidade


21 de fevereiro de 2025 - 14h11

No último censo das agências de 2024, realizado pelo Observatório da Diversidade na Propaganda (ODP), o número de pessoas com 50 anos ou mais era de apenas 6%. Tal porcentagem não reflete a realidade do País: são 55 milhões de brasileiros com mais de 50 anos, representando 26% da população, de acordo com o IBGE. Destes, mais de 13 milhões de pessoas nessa faixa etária seguem trabalhando no Brasil. Em 15 anos, o País dobrou o número de pessoas com mais de 50 anos no mercado de trabalho. Então, por que esses profissionais não estão nas agências? 

O Brasil está numa tendência de envelhecimento da população. Se em 2022, a idade mediana dos brasileiros era de 35 anos, a estimativa do IBGE é que, em 2070, seja de 48 anos. Além disso, para 17 milhões de famílias brasileiras, o sustento econômico fica por conta de pessoas com mais de 60 anos. Mesmo com o aumento da expectativa de vida e o amadurecimento da população brasileira, as pessoas maduras não têm a mesma estabilidade e segurança no emprego.  

De acordo com uma pesquisa da Ernst & Young e da Maturi, de 2022, 78% das empresas foram consideradas etaristas e têm barreiras para contratação de trabalhadores nessa faixa de idade. O fardo é ainda maior sobre as mulheres, que carregam a camada de gênero adicionada ao tempo de vida.  

“A consciência sobre o envelhecimento, especialmente para as mulheres, é importante, porque envelhecer para elas é, em geral, mais cruel”, aponta Lara Magalhães, sócia e fundadora do Coletivo 45+. “Quando começamos a entender e a falar sobre isso, especialmente sobre a menopausa, que sempre foi um tabu, as mulheres começam a perceber que a perda da fertilidade, muitas vezes, é vista como a perda de sua função na vida, o que as coloca em um lugar de inutilidade”, continua. 

Thati Bissoli e Lara Magalhães são fundadoras do Coletivo 45+ (Crédito: Divulgação)

Ao lado de Thati Bissoli, Lara fundou o coletivo 45+, uma consultoria especializada no consumidor 45+. Ela é vice-presidente de atendimento e operações da agência Cappuccino, da The Weber Shandwick Collective e parte do Grupo IPG, com passagens pela Fbiz, onde esteve por 11 anos, e pela DM9. 

Como resultado, as mulheres maduras são excluídas dos ambientes profissionais, desconsiderando seu valor e subestimando sua capacidade de criatividade e inovação. “O mercado está tentando invisibilizar essas mulheres, especialmente na indústria da comunicação, criando um sistema estrutural que nos afasta do movimento criativo”, afirma Marta Carvalho, gerente de comunicação e relações institucionais na FCB Brasil e fundadora do Vozes 50+. 

Marta tem 30 anos de carreira na comunicação, mas sua trajetória na publicidade é ainda recente: ela completa sete anos agora. Antes da FCB Brasil, ela passou pela Ogilvy como lead producer. No ano passado, criou o projeto “Vozes Mulheres 50+: Inspiração e Inovação Além do Tempo”, um evento que reúne diferentes mulheres para debater temas acerca da maturidade, carreira, mercado, vida, relacionamentos e liderança. 

Da contratação às políticas de inclusão

Segundo o estudo da Maturi, 80% das empresas não tinham políticas de inclusão para a população 50+. Logo, esses profissionais além de serem subestimados, têm dificuldades de reinserção no mercado de trabalho. “Quando uma pessoa de 50 anos ou mais perde o emprego, é muito difícil que ela seja realocada. Muitas vezes, ela se vê forçada a empreender. O mercado, além de não oferecer planos de carreira ou manter essas pessoas, ainda as exclui no processo de contratação”, avalia Marta. 

Tal realidade também ocorre no meio da propaganda. “Elas pensam que a comunicação e a propaganda devem ser baseadas na beleza e na juventude, e por isso acham irrelevante a maturidade para esses processos. Isso resulta em uma falta de inclusão e não reflete a diversidade necessária em todas as camadas da cultura de uma agência”, segue a gerente de comunicação. 

Um dos preconceitos frequentes que exclui as pessoas maduras é o mito de que elas não estão atualizadas ou que não podem ser inovadoras. “Esse estereótipo limita nossa autoridade, pois quem está à frente desses processos não reconhece a riqueza que a diversidade pode trazer para o mercado”, destaca Marta. Um exemplo de que isso não é verdade é a própria trajetória da Gal Barradas, hoje, líder de growth e marketing da Rio Bravo Investimentos, e uma referência na área criativa. 

Gal é uma profissional experiente da indústria da comunicação e da tecnologia, com 30 anos de carreira e passagens por grandes agências de publicidade, como a F/Nazca, MPM e Fbiz, atuando como diretora, sócia e CEO, e também como co-fundadora da BETC/Havas. 

Gal Barradas, líder de growth e marketing da Rio Bravo Investimentos: “Não importa o hardware, o que importa é atualizar o software constantemente” (Crédito: Divulgação)

“Sempre busquei movimentos que vislumbravam algo no horizonte, algo que estava para chegar e se consolidar no meu dia a dia. Sempre falo nas minhas palestras uma frase que é: não importa o hardware, o que importa é atualizar o software constantemente”, pontua Gal. 

Existe uma obsessão pela juventude e uma visão deturpada sobre as pessoas 50+, que a publicidade frequentemente replica em suas campanhas. “As marcas focam em rejuvenescer suas imagens e preferem atingir públicos mais jovens. Fizemos vários estudos e descobrimos que há um incentivo geral para seguir essa tendência, quase como um efeito manada”, aponta Lara.  

Em sua experiência, quando tentaram inserir uma representação de uma pessoa 50+ numa campanha, houve grande resistência. “Em uma situação, uma mulher de cerca de 50 anos disse: ‘Não vamos fazer propaganda para quem vai morrer em breve’. Esse tipo de comentário reflete uma desconexão com a própria realidade da pessoa”, lembra Magalhães. 

As fortalezas dos 50+

A verdade sobre a população 50+ não poderia ser mais diferente da visão desse infeliz comentário. Primeiro, porque é preciso enxergar a diversidade de experiências que existem entre essas faixas etárias. “Os 50 são muito diferentes dos 65 ou dos 80, pois cada faixa etária está em um momento diferente da vida”, destaca Lara. Mas alguns ensinamentos são transversais às pessoas maduras. 

A começar pela experiência de vida que a pessoa carrega, que, inclusive, pode ser muito importante para o ambiente profissional. “A maturidade me trouxe uma conexão muito forte com as humanidades. Trabalhando com núcleos diversos e com a juventude, tenho aprendido que podemos ter trocas diretas e sinceras, contribuindo para o dia a dia dessas pessoas. Isso envolve entender quem está ao meu lado, com quem estou criando, e encontrar essa intersecção entre nossas vivências”, afirma Marta. 

“A maturidade me trouxe uma conexão muito forte com as humanidades”, diz Marta Carvalho, gerente de comunicação e relações institucionais na FCB Brasil e fundadora do Vozes 50+ (Crédito: João Bertholini)

Para Gal Barradas, essa bagagem é capaz de tirar inferências de dados e análises muito mais profundas. “A maturidade de saber analisar um cenário, entender o ecossistema e usar a experiência para definir os próximos passos é essencial. Em um ambiente tão dinâmico, uma pessoa mais madura consegue fazer isso com mais segurança”, reflete. 

A experiência e vivência também trazem novos recursos para lidar com os desafios que se apresentam. “Muitas pessoas dizem que sou resiliente, paciente e consigo manter a calma em situações difíceis, mas não era assim antes. Isso é aprendizado, técnicas que vamos acumulando com o tempo. Já passei por várias crises e, embora as coisas estejam mais difíceis, especialmente devido ao preconceito e resistência do mercado, a nossa geração tem uma forma mais tranquila e calma de enfrentar os desafios”, ressalta Thati Bissoli, sócia e co-fundadora do Coletivo 45+. 

Diretora de grupo de contas da Fbiz, Thati cuida de contas como Samsung, Honda Motos, TOTVS, Google Cloud e outras. Antes da publicidade, ela atuou como jornalista em veículos como Editora Abril e Editora Alto Astral. Ao lado de Lara, lidera o Coletivo 45+ com o propósito de movimentar o mercado de comunicação colocando a pauta da economia prateada nos holofotes, por meio de projetos, campanhas, estudos e debates. 

Lara Magalhães concorda com Thati, principalmente em relação à sua energia e disponibilidade para trabalhar: “Eu, pessoalmente, vejo uma grande diferença na minha disponibilidade para o trabalho hoje, com meus filhos já grandes, em comparação com há 10 anos, quando eles eram pequenos”, afirma. Na verdade, a maturidade trouxe uma amplitude de novas oportunidades para ela. “Tenho um emprego formal, mas também dou aulas, faço consultorias, mentorias e participo de um coletivo. Isso tudo é resultado da maturidade, de ter um horizonte mais amplo e de entender que temos muito mais para oferecer”, continua. 

Além disso, a população madura carrega uma habilidade muito importante para os dias atuais, de constantes transformações: a capacidade de adaptação. “A minha geração, 50+, viveu transformações tecnológicas intensas que outras gerações não experimentaram. E isso torna a nossa experiência ainda mais rica, pois acompanhamos mudanças rápidas e complexas, que exigem uma aceitação cultural e a capacidade de entender esses processos”, destaca Barradas. 

Aliada a essa capacidade está a habilidade de comunicação. “Temos uma facilidade maior de nos comunicar presencialmente, de criar relações sociais mais ricas, pois não nascemos com o celular e não dependemos das redes sociais para nos relacionar”, aponta Thati. 

Nova era do envelhecimento

Para estas mulheres, o envelhecimento criou novas camadas e significados que destoam do senso comum. Não se trata de ressignificar o envelhecimento, mas de entender que ele mudou. “Envelhecer faz parte do nosso processo, mas não podemos achar que as pessoas de 50 anos hoje, com as condições e a qualidade de vida que temos, têm o mesmo comportamento de 20 ou 30 anos atrás. Não dá para dizer que “50 são os novos 30”. Não, os 50 são os novos 50, os 60 são os novos 60”, reforça Lara. 

Na verdade, ressignificar o envelhecimento seria reescrever as narrativas que são contadas sobre o amadurecimento. “Quando falamos sobre isso, começamos a ver a realidade do que está acontecendo e isso traz um novo olhar. É muito mais fácil repetirmos o senso comum do que olharmos para a realidade. Quando você olha para pessoas de 50 anos, você vê pessoas ativas, trabalhando, e cuidando de várias coisas ao mesmo tempo. Mas quando se fala sobre pessoas de 50+ na sociedade, a imagem que é passada é a de pessoas dependentes ou vulneráveis”, pontua Magalhães. 

Para Marta, este é o melhor momento de sua vida. “Estou na melhor fase, entendendo-me como uma mulher preta, vivida, em uma sociedade que muitas vezes está desconectada da realidade do tempo”, diz. Para ela, a maturidade não só ensina novas habilidades, mas também abre novos olhares sobre si mesma, seus objetivos e prioridades. Não porque elas estão sem energia, pois ainda existe muita disposição, mas, acima de tudo, porque enxergam com mais clareza e calma. 

Ser e ter referências

“Durante sete anos, se não me engano, fui a única mulher presidente de agência no mercado brasileiro”, lembra Gal Barradas. “Inclusive, aparecia nos rankings, como a mais admirada, o que me lisonjeava, mas ao mesmo tempo eu pensava: ‘poderia ter outras’. Então, hoje, quando vejo várias mulheres presidentes, fico super feliz”, complementa. 

Este é um movimento no qual a quantidade importa. Conforme as mulheres maduras ocupam mais espaços, a cultura se transforma. “Venho de uma geração em que as mulheres eram impedidas de serem promovidas, sofriam assédios, brincadeiras desrespeitosas e interrupções constantes. Isso está mudando, e essa mudança na cultura das agências acaba refletindo no mercado como um todo”, afirma Gal. 

“É um espelho para mim ver a Rita Almeida ganhando o Caboré com mais de 60 anos, depois de tanto tempo trabalhando em uma agência como estrategista”, diz Marta. “Poder buscar e encontrar essas mulheres, conversar com elas, amplia as possibilidades e me ajuda a entender caminhos para minha própria jornada”, complementa. 

Papel das agências

Para Carvalho, as lideranças têm um papel essencial na promoção da diversidade e da inclusão dessas figuras dentro das agências. “Elas não estão realmente mergulhando na relação com tudo o que é essencial, como entender quem é o consumidor e como construir uma agência ou estrutura de colaboradores onde a diversidade seja realmente a nossa marca. E, para mim, mulheres 50+ devem ser vistas como parte dessa diversidade, pois estamos cada vez mais sem espaço”, pontua. 

A publicidade, suas mensagens e imagens também têm responsabilidade nessa transformação. “A publicidade tem um papel importante nisso, reforçando a invisibilidade de pessoas acima de 50 anos. Realmente não acho que o envelhecimento deva ser ‘ressignificado’, mas sim mostrando como é hoje, com visibilidade e respeito pela realidade”, destaca Lara. 

Para essas mulheres, as empresas que ainda não estão se comunicando com o público 50+ já estão atrasadas. O envelhecimento da população está acontecendo rapidamente, e o poder de compra ficará cada vez mais nas mãos das gerações maduras. As empresas e agências que não tiverem essas pessoas em suas equipes perderão parte importante de seus clientes e público.  

“Se uma marca já tem um público, por que descartá-lo simplesmente porque ‘vai morrer amanhã?’. Eu sou parte desse público e não quero que minha relevância seja ignorada”, ressalta Thati Bissoli. “E ninguém melhor para contribuir com essa conversa do que as próprias pessoas que estão passando por isso. O que significa inovar uma marca que já tem um público cativo? É aí que entra o olhar mais atento e os insights de quem está vivendo essa realidade”, conclui. 

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