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O jornalismo tem rosto de mulher, mas ainda falha em ser diverso

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Women to Watch

O jornalismo tem rosto de mulher, mas ainda falha em ser diverso

Dados de pesquisa recente revelam que o perfil dos jornalistas no Brasil é homogêneo e não representa a diversidade do país


16 de agosto de 2022 - 12h29

Por Lídia Capitani

Por mais surpreendente que possa parecer para alguns, o jornalismo brasileiro tem um rosto, mas não é do homem branco de meia-idade. Os perfis mais predominantes nas redações brasileiras são as mulheres brancas entre 31 e 40 anos, moradoras de São Paulo, solteiras, sem filhos e com ensino superior completo. Estes dados foram compilados pelo estudo “Perfil do Jornalista Brasileiro 2021”, realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 

É importante contrastar esse perfil com o do Censo Demográfico do IBGE, que registra 51% da população brasileira composta por mulheres, e 43% por pardos. Ainda assim, os brasileiros não podem ser tratados como uma grande massa uniforme, pois somos um país de dimensões continentais com diferentes grupos, interesses e necessidades. Estamos falando de 91 milhões de brancos, 15 milhões de pretos, 82 milhões de pardos, 2 milhões amarelos e 817 mil indígenas. E estes são apenas os recortes de raça.

Graciela Selaimen, mentora do Programa Acelerando a Transformação Digital, realizado pelo Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês) em parceria com a Associação de Jornalismo Digital (Ajor) e apoio do Meta Journalism Project, em conversa com o Women to Watch Brasil ressalta a importância de diversificar o corpo de jornalistas de uma redação de um veículo de imprensa:

“É importante ter pessoas diversas — mulheres, negros, trans, homens, indígenas — em qualquer funcionamento institucional e jornalístico, porque o bom jornalismo tem que trazer em si, nas suas narrativas, nos olhares de quem conta a história, a diversidade da sociedade e do mundo. Cada um de nós traz filtros a partir das suas próprias identidades. E se você não tem diversidade de identidades nas redações, não tem multiplicidades de visões de mundo. Consequentemente, falta multiplicidade de narrativas, histórias e perspectivas. Isso empobrece qualquer instituição e sociedade.”

Graciela Selaimen, mentora do Programa Acelerando a Transformação Digital (Crédito: Arquivo pessoal)

O JORNALISMO BRASILEIRO É BRANCO

O que mais chama a atenção nesses dados é a falta de representatividade da população negra e parda nas redações. Analisando os colunistas de três grandes jornais brasileiros, a situação é ainda pior. De acordo com a pesquisa “Negros nos jornais brasileiros”, do grupo Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa), no jornal O Globo, 10% dos colunistas eram homens negros no período do estudo, e todos homens. Na Folha de S.Paulo, a porcentagem cai para 6%. No Estadão, não havia nenhum colunista negro.

Ainda de acordo com o pesquisa da UFSC, as porcentagens de jornalistas divididos entre raças são: 67,8% brancos, 20,6% pardos, 9,3% pretos, 1,3% amarelos e 0,4% indígenas. Isso demonstra um perfil de caráter homogêneo para uma profissão que retrata o cotidiano de um país tão diverso.

Luana Ibelli, editora do #Diversifica, hub de diversidade e inclusão no Portal dos Jornalistas, está participando do Programa Acelerando a Transformação Digital e é orientada pela Graciela Selaimen. Para a editora do portal, não é possível fazer um jornalismo democrático sem profissionais diversos. 

“A área da comunicação ainda tem equipes bastante homogêneas em aspectos como raça, classe, gênero e PCDs, sobretudo nas posições de chefia, e isso influencia diretamente no tipo de conteúdo produzido. Quando falamos da área do jornalismo, fundamental para a democracia, essa falta de diversidade é um dos motivos que levam a coberturas que não contemplam a complexidade da população e não contribuem para a construção de uma sociedade melhor para todas as pessoas”, defende Luana.

Luana Ibelli, editora do hub de diversidade e inclusão no Portal dos Jornalistas (Crédito: Arquivo pessoal)

GARANTINDO A REPRESENTATIVIDADE

Para Graciela, a prática de cotas de contratação é essencial para constituir uma redação representativa. “É comprovado que se você não tem a intencionalidade [de cotas] num processo seletivo de forma explícita e pública, dificilmente a seleção irá resultar de fato numa contratação com a diversidade que deveria ter. Essa intencionalidade pode vir, por exemplo, em políticas institucionais que prevejam necessariamente um número de pessoas diversas nas contratações para as redações e cargos de direção”, afirma a mentora.

Já Luana entende que apenas um local diverso não é o bastante para sustentar o funcionamento de uma redação inclusiva. “É preciso salientar que a representatividade não é suficiente para garantir mudanças estruturais. Ela é um primeiro e grande passo, mas precisa estar atrelada a medidas que garantam a inclusão”. Vale ressaltar que não apenas mulheres podem usufruir destas medidas de inclusão, mas também negros, pardos, LGBTQIAP+, indígenas, entre outros grupos.

PARA ALÉM DAS COTAS DE CONTRATAÇÃO

O processo seletivo com cotas já é uma realidade para grandes empresas no Brasil, como Magazine Luiza, XP Investimentos e Bayer, que marcam um compromisso com a diversidade e inclusão. No jornalismo, entretanto, esta é uma realidade que caminha lentamente. Apesar das mulheres serem maioria nas redações, de acordo com a pesquisa da UFSC, é preciso maior empenho para tornar os ambientes de trabalho mais receptivos e acolhedores. 

“O grande desafio é mudar a cultura organizacional das empresas para que a inclusão de mulheres vá além das contratações, e que após contratadas, tenhamos ambientes seguros de trabalho, além de condições de nos mantermos no trabalho e de ascender profissionalmente”, ressalta Luana. 

Para a editora, existem diversas medidas que contribuem para o bem-estar dos colaboradores no ambiente de trabalho. São iniciativas como oferta de condições para conciliar carreira e maternidade, canais de denúncias, políticas de combate ao assédio moral e sexual, equiparação salarial e investimentos em capacitação de lideranças diversas. 

Essas medidas servem igualmente para outros grupos minoritários em ambientes corporativos. “A equidade é sobre estabelecer claramente políticas institucionais que acolham as pessoas diferentes em toda a multiplicidade das suas diferenças. É garantir iguais oportunidades dentro dos processos institucionais que incluam canais de comunicação diretos nos casos de desconforto e de opressão”, reforça Graciela. 

FORTALECENDO O JORNALISMO DIVERSO E INCLUSIVO

Assim como o programa Acelerando a Transformação Digital, que está investindo esforços na construção de agendas de DEI em redações, o Google News Initiative criou um fundo de apoio financeiro a startups jornalísticas que retratam grupos sub-representados, chamado News Equity Fund. São programas que ajudam a mudar culturas internas das empresas jornalísticas.

“A diversidade e a inclusão são temas que têm ganhado cada vez mais espaço na mídia e nas empresas, mas ainda não são uma realidade para a maior parte das pessoas, pois esbarram em falta de interesse e de recursos, pelo fato de alterarem lógicas de privilégio”, explica Luana. Assim, para ela, estes projetos são incentivos fundamentais para o desenvolvimento de iniciativas que não teriam espaço em outros contextos.

O #Diversifica, do Portal dos Jornalistas, surgiu da reflexão da equipe sobre a falta de diversidade e homogeneidade entre o grupo que escrevia os artigos e as newsletters do site. No Brasil, existem outras iniciativas que trabalham a questão da diversidade em sua linha editorial. Entretanto, a grande maioria está categorizada como jornalismo independente, ainda de pequena circulação comparada aos grandes jornais brasileiros. Entre eles, existe o ÉNóis, laboratório que impulsiona a diversidade, representatividade e inclusão na imprensa brasileira. O projeto oferece uma coleção de ferramentas, artigos e guias para orientar gestores e repórteres a produzirem um jornalismo mais diverso e representativo.

Entretanto, há duas dimensões distintas que são relevantes destacar. Graciela adverte que “uma coisa é falar sobre grupos sub-representados, outra é trazer pessoas sub-representadas para falar sobre o mundo. Isso faz toda a diferença”. Apesar desses programas focarem no aspecto editorial da diversidade, eles ajudam a reconfigurar todo o processo de produção de notícia, que eventualmente reflete numa revisão da cultura institucional.

“Eu espero que, no curto e médio prazo, isso signifique repensar a constituição da equipe e dos conselhos, as políticas de estímulos a diversidade, equidade e inclusão, e ajudem a proporcionar a proteção destas pessoas quando elas ingressarem em um ambiente que historicamente não estava preparado para recebê-las”, conclui Graciela.

Toda a nossa diversidade resulta numa sociedade complexa, com aspectos sociodemográficos diversos que se interseccionam com questões de gênero, raça, classe e orientação sexual. Como o jornalismo serve de ferramenta para a manutenção da democracia, ele precisa refletir os desejos, as necessidades e os problemas da população. Dessa forma, sem estagiários, repórteres, editores e gestores diversos, o jornalismo falha na sua principal função: servir a sociedade.

A RESPOSTA DOS MEIOS

Com o fortalecimento desta discussão, as empresas grandes de mídia também tem se movimentado para promover a diversidade entre os seus jornalistas e nas suas pautas. Um destes exemplos é a criação, em 2019, da editoria de diversidade num dos maiores jornais do país, a Folha de São Paulo. 

Flávia Lima é secretária-assistente de redação para inclusão e editora de diversidade para o jornal, e contou ao Meio e Mensagem que a área funciona de uma forma diferente das outras no veículo. Ela atua em várias frentes, participa de todos os processos de contratação da empresa, além de estar à frente do comitê de DEI.

Além disso, em 2021, o periódico criou um programa de treinamento focado em profissionais negros, um manual de acessibilidade e realizou um Censo da Redação, para mapear as demandas de diversidade dos funcionários.

No mesmo ano, o Terra montou uma equipe editorial diversa em relação aos aspectos de gênero, raça e idade, contou Manoela Pereira, head de conteúdo do grupo. “Afinal, o lugar de fala é um dos principais pilares do novo Terra. Não faria sentido criar as editorias Terra Nós e Visão do Corre, sem que vozes diversas e da própria periferia não fossem contemplados”, explica a jornalista em entrevista ao Meio e Mensagem. 

Já na televisão, a Rede Bandeirantes firmou recentemente uma parceria com a agência de notícias Alma Preta Jornalismo. A iniciativa produzirá toda semana uma reportagem em vídeo sobre a cultura das periferias do Brasil, que será exibida toda sexta-feira no Jornal da Noite da Band.

Apesar dos avanços, ainda existem desafios a serem superado. Flávia pontua ser necessário trazer maior diversidade aos cargos de liderança e expandir a gama de fontes ouvidas para além dos eixos São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. 

“A pluralidade por si, abre muitas portas para novos mundos. As reuniões de pauta acabam sendo bem mais ricas, e somos diariamente apresentados para iniciativas que nunca nos passou pela cabeça”, afirma Manoela ao Meio e Mensagem.

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