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O machismo viral e o medo da mulher CEO​

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Opinião

O machismo viral e o medo da mulher CEO​

Quem mais sofre com a presença das mulheres cada vez maior em cargos de liderança não são as crianças ou as famílias, mas sim o frágil ego do homem médio


22 de outubro de 2024 - 18h07

(Crédito: Shutterstock)

“Deus me livre de mulher CEO” foi a frase que mais apareceu na minha timeline na​s últimas semanas​. Se você estava recluso das redes, eu explico: o fato que viralizou foi o triste e pouco inteligente relato de um empresário, fundador de um desses grupos “inovadores”, dizendo que não quer uma mulher CEO como esposa, com argumentos que nem merecem espaço aqui. A questão é que, além de infeliz, esse é o tipo de colocação que é claramente a ponta do iceberg; uma parcela muito significativa da população pensa isso e, do outro lado do meu algoritmo, devem haver centenas de pseudotextos defendendo que nenhuma mulher deveria ser CEO. Podemos repudiar nas nossas redes, afinal, cada um de nós é, sim, a própria mídia, mas o buraco é muito mais embaixo.

À medida que a gente repudia, posta e fala sobre esse sujeito, maior ele fica na internet. E, sim, ele sabe muito bem disso, tanto que até deu uma entrevista tempos atrás dizendo que usava declarações do tipo para “furar a bolha”. Ele mesmo explica que usa essas falas para viralizar, o que faz com que o seu discurso chegue a pessoas que não consumiam seu conteúdo antes e que, como seu público-alvo é o empresariado conservador que pensa como ele, em geral ele consegue capitalizar em cima da repercussão. O trecho da entrevista que chegou até a minha timeline terminava com ele dizendo que não há cancelamento que dure mais de duas semanas.

Discussões à parte sobre os negócios que ele perdeu ou os seguidores que ele ganhou, a questão é que a lógica do mercado de trabalho atual parece alinhada com esse pensamento retrógrado. Isso porque, apesar das melhorias dos últimos anos, o mercado não foi pensado para as mulheres, e a maternidade está no centro disso. Não é à toa que todas as pesquisas indicam que homens e mulheres têm desempenho equiparado até que a mulher tenha um filho e a carreira dela desabe enquanto a do homem decola.

Claudia Goldin, a primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel de Economia, em 2023, deu uma entrevista sobre a maternidade e o mercado de trabalho à Folha de S.Paulo, em 14 de setembro. Ela diz, entre outras coisas, que o mercado tem “empregos gananciosos”, nos quais, quanto mais você trabalha e quanto mais horas está disponível, maior o seu pagamento. Em geral, as mulheres abrem mão desses empregos em nome da família assim que os filhos nascem. Afinal, alguém precisa cuidar das demandas de uma criança pequena e, numa sociedade machista, esse alguém geralmente é a mulher. Além do que, boa parte dos homens conservadores não quer mesmo uma esposa CEO; eles simplesmente assumem que ela não teria disponibilidade para ser a representação do “ideal materno cristão” que eles tanto apreciam.

Ou seja, enquanto elas procuram alternativas de trabalho mais flexíveis, eles continuam nos empregos gananciosos e seus salários só aumentam. Claudia também aponta que pais e mães que resolvem se dividir e ambos terem trabalhos flexíveis, em geral, prejudicam a vida financeira da família como um todo, ou seja, a lógica do mercado penaliza quem quer dividir tarefas.

E qual seria a alternativa? Virar uma esposa tradicional como essas que viralizaram no TikTok se vestindo como nos anos 50 e dizendo que seus maridos são os únicos provedores? Aparentemente, essa também não é uma boa ideia. Isso porque os primeiros e trabalhosos anos do bebê não são estatisticamente muito românticos: 20% dos casais se separam antes da criança completar um ano.

Quando as mulheres decidem resistir e continuar, parece que as coisas ficam bem melhores. Uma pesquisa da organização Leadership Circle, que contou com a análise de mais de 1,5 milhão de avaliadores, mostrou que líderes femininas são mais eficazes do que seus colegas homens em todos os níveis de gerenciamento e faixas etárias. Se a nossa liderança é melhor e impulsiona a economia, por que somos nós que temos que abrir mão do emprego que paga melhor?

A verdade é que quem mais sofre com a presença das mulheres cada vez maior em cargos de liderança não são as crianças ou as famílias, mas sim o frágil ego do homem médio, que teme ser superado em sua própria casa por alguém que consiga ser CEO e mãe ao mesmo tempo e que a essa altura já está engajando com post machista nas redes sociais.

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