O passado é agora
Se lembrássemos com luto e dor as feridas das guerras que nossos ancestrais enfrentaram, talvez não tivéssemos, hoje, mais conflitos do que em 1945
Se lembrássemos com luto e dor as feridas das guerras que nossos ancestrais enfrentaram, talvez não tivéssemos, hoje, mais conflitos do que em 1945
9 de abril de 2025 - 9h42
(Crédito: Shutterstock)
Alguns momentos da vida parecem uma eternidade. Em compensação, há dias inteiros que passam num piscar de olhos. Nossa percepção do tempo varia conforme o contexto, e há mil teorias que tentam explicar o porquê.
O líder indígena Daniel Munduruku diz que “o tempo é circular, como a natureza. Ele alimenta a si mesmo, desdobrando-se e se projetando adiante”. A noção de tempo circular não é uma novidade. Aliás, na cultura indígena, é um saber ancestral. A filosofia budista fala muito sobre isso, Nietzsche e seu eterno retorno também, além de, é claro, Einstein e sua famosíssima teoria da relatividade. Todos esses grandes saberes indicam que o tempo volta, que o passado é só uma percepção. Por isso, não seria de se estranhar que a história também caminhe em círculos.
Quando analisamos os últimos fatos políticos da humanidade, esse conceito parece infalível: o passado está aqui e agora. A impressão é que adaptaram uma novela de época sobre a sociedade, uma novela ruim, que acaba mal. Quando o assunto é a luta feminina por direitos, voltar ao passado não traz nenhuma nostalgia romântica. Muito pelo contrário. A notícia da absolvição de Daniel Alves, as taxas de feminicídio, os índices de violência doméstica — isso pra citar só algumas dessas voltas ao passado que embrulham o estômago e enterram a esperança de um mundo seguro para meninas e mulheres.
Talvez a gente tenha deixado o passado pra trás rápido demais. As culturas indígenas são conhecidas por seus rituais, por demarcarem a passagem do tempo, o crescimento e o envelhecimento da sua população. A valorização da ancestralidade, do passado, talvez seja um conceito que nos faz falta aqui na sociedade ocidental capitalista. Se lembrássemos com luto e dor as feridas das guerras que nossos ancestrais enfrentaram, talvez não tivéssemos hoje, segundo o GPI (Índice Global da Paz), mais conflitos do que em 1945.
Sem muita orientação sobre como mudar o mundo, eu busco respostas na minha inteligência nada artificial: minha avó. Ela, com 92 anos, vê o tempo passar devagar, bem devagarzinho. Vive de lembranças, de fotos, mas sempre rodeada de amigas. No seu último aniversário, a casa estava cheia de mulheres, quase todas com mais de 70 anos e mais de mil sorrisos. A amizade feminina tem o poder de prolongar a expectativa de vida, comprovou uma pesquisa da UCLA (Universidade da Califórnia) de 2024. A mim, sempre bastou frequentar a casa da minha avó pra saber.
A minha sugestão? Eu não tenho resposta, e este texto não tem conclusão prática (desculpe). O mundo parece cada vez mais hostil e perigoso, na mesma proporção que a gente parece mais livre. Enquanto tudo enlouquece lá fora, o melhor é buscar abrigo entre amigas, com quem conversamos por horas que passam em segundos.
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