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Opinião

O poder da narrativa

Quando conseguimos criar uma história poderosa, as pessoas se conectam a ela e passam a ser, também, porta-vozes


23 de julho de 2024 - 15h39

(Crédito: Shutterstock)

Contar história é um ensinamento ancestral.

Iniciamos a nossa vida e a construção de nossos ideais a partir da escuta de relatos de nossos ancestrais, que nos ensinavam sobre quem somos e de onde viemos, compartilhavam seus conhecimentos, apresentavam aqueles que não estavam mais nesse mesmo tempo-espaço, assim como os costumes e os momentos de encontro e união propiciados pelo benefício do encontro. As histórias de nossos antepassados não estão nos livros e nem nos museus, estão na memória de nossas famílias, nas canções, nos toques dos tambores, nos passos de dança… estão nas vozes. Essas recordações são o canal conector entre presente e o passado por meio da magia da imaginação.

As histórias nos alimentam efetivamente para a construção que aponta para onde vamos e como nos expressamos, o que queremos contar e deixar registrado na nossa trajetória. E, partindo desse contexto, queremos nós mesmos contar as nossas histórias, com propriedade e lugar de fala. Queremos ampliar essas vozes, que foram caladas por séculos.

A partir disso, nos perguntamos: como a comunicação, em suas diferentes frentes, pode nos ajudar a contar histórias com propriedade, sensibilidade e beleza, respeitado seus significados, preservando a sua cultura e sua riqueza ancestral, onde personagens reais e protagonistas de suas histórias, que compartilham tantos conhecimentos, possam ser encarados como verdadeiros mestres portadores de grandes vozes?

Sendo uma mulher negra atuando na publicidade, no audiovisual e em festivais no eixo São Paulo-Salvador há anos, por vezes me vi sozinha ao olhar para o lado e não encontrar outras mulheres negras dividindo a liderança e os anseios de liderar e opinar sobre conceitos de campanhas, filmes e estratégias que permeavam públicos que, muitas vezes, não contemplavam o que pertenço.

Salvador me ensinou tanto! Me fez olhar para minha trajetória não apenas como publicitária, mas como uma mulher negra que escolheu a comunicação como carreira para se ter e trabalhar com propósito, trazendo ao centro pessoas, lugares e pautas que eram mais do que imediatas, mas necessárias. E, de alguma maneira, elas ainda me curavam, e curavam também os meus. Além disso, o desafio de trabalhar com cultura e turismo numa cidade são singular como Salvador faz mergulhar fundo na ancestralidade e resgatar a importância de construir narrativas fortes, ancestrais e potentes.

Estamos vivenciando um profundo processo de transformação, com ruptura de padrões convencionais e proposição de novas reflexões, novos formatos e diálogos. Mas a caneta da tomada de decisão ainda não está nas mãos dos profissionais negros. Seguimos lutando por espaços e para ter voz. Acredito na comunicação como uma ferramenta potente de impacto social e cultural, onde a publicidade e o audiovisual podem trabalhar num tripé: cultural, social e antropológico. Eles podem ser orquestrados com maestria, criar tendências e gerar transformação de comportamento e consumo.

Há, nesse tripé, possibilidades de ampliar vozes, alcançar mais longe, conhecer novos talentos, internacionalizar marcas por meio de uma campanha ou de um filme, abrir espaço para quem está chegando. Preciso me reconhecer numa comunicação, e que não seja apenas em novembro. Quero me emocionar com um filme (afinal, não podemos falar apenas das nossas dores), uma série, uma campanha ou uma música, e que, de novo, não seja apenas em novembro.

Há poder na narrativa diversa, e quando consigo criar uma história poderosa, as pessoas conversam com ela e passam a ser porta-vozes, porque há uma conexão construída de maneira natural. E, assim, podemos criar num lugar de conforto. Aconchegante. Onde nós mesmos contemos nossa história.

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