O que a renúncia de Jacinda diz sobre a relação das mulheres com poder
O anúncio da renúncia da primeira-ministra da Nova Zelândia traz discussões sobre a falta de liderança feminina na política
O que a renúncia de Jacinda diz sobre a relação das mulheres com poder
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19 de janeiro de 2023 - 10h42
O anúncio da renúncia da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, reacende uma série de discussões sobre a falta de liderança feminina na política. Muito mais pelo não dito do que pelo dito. Será que ela teve burnout? Será que o Partido Trabalhista retirou seu apoio, já que seus índices de popularidade estão baixos e apontam que ela não teria tantas chances de um terceiro mandato? Ou, simplesmente, como ela mesma disse no anúncio oficial, sua energia acabou?
Confesso que lamentei a notícia, pois Jacinda foi um lampejo de esperança jogando luz a uma forma mais humana de liderança política desde que despontou ao mundo, em 2017, quando foi eleita pela primeira vez, aos 37 anos, como a mais jovem líder a assumir o governo de um país, e ganhou os holofotes.
No cargo, viveu episódios que consolidaram sua imagem como uma líder com empatia e sensibilidade. No segundo ano de mandato, engravidou e não abriu mão de tirar seis semanas de licença-maternidade — deixando o país na mão do vice. A filha atrairia atenções novamente ainda aos três meses, quando foi levada pela neozelandesa à Assembleia-Geral da ONU, em Nova York. Enquanto a mãe discursava no púlpito a outros chefes de Estado, Neve ficou no colo do pai, o apresentador Clarke Gayford.
Em 2019, Jacinda foi elogiada ao transmitir sentimentos de conciliação e união nacional a uma população traumatizada com o massacre de 51 pessoas por um extremista em duas mesquitas na cidade de Christchurch. Após a matança, armas semiautomáticas foram banidas no país. No ano seguinte, ela levaria o Partido Trabalhista a uma vitória histórica, com ampla vantagem sobre a oposição do Partido Nacional.
No segundo mandato, se projetaria com a forma como lidou com a gestão da pandemia de Covid-19. A Nova Zelândia virou exemplo mundial de combate à doença, com quarentena rígida, ampla testagem e uma estratégia de comunicação eficiente.
A popularidade de Jacinda, contudo, reduziu com a reabertura e a explosão de casos causadas pelas variantes mais contagiosas — algo que ocorreu quando a vacinação anti-Covid já era extensa no país. A própria premier adiou o casamento com seu namorado no ano passado devido às restrições.
Ao anunciar que vai renunciar no dia 7 de fevereiro, oito meses antes das eleições gerais previamente marcadas para 14 de outubro, Jacinda afirmou que ponderou durante seu recesso de verão se tinha a energia necessária para continuar no governo, e concluiu que a resposta era negativa. Disse também que os últimos cinco anos e meio foram os “mais recompensadores” de sua vida, mas que era a hora de deixar o cargo: “Eu sou humana, políticos são humanos. Damos tudo o que podemos até quando podemos. E então é hora. Gostaria de ser lembrada como alguém que sempre tentou ser gentil. Espero deixar os neozelandeses com a crença de que você pode ser gentil, mas forte. Empático, mas incisivo. Otimista, mas focado. E que você pode ser seu próprio tipo de líder. Alguém que sabe a hora de ir”.
Há muitas camadas de reflexões nesta declaração. Sim, liderar não é o oposto de ser gentil e generoso. Ser forte não é o contrário de ser empático. Mulheres, em especial, sabem isso de forma atávica, organicamente. Homens, em geral, por sua vez, são educadas (por nós, mulheres!) a desenvolverem qualidades que se opõem a este tipo de habilidade, as hoje tão valorizadas soft skills.
Para mim, o mais interessante da trajetória de Jacinda e de sua recente decisão é que as mulheres têm menos apego ao poder do que os homens. Há outras dimensões da existência que também somam e que afetam nossas escolhas como gerar impacto e fazer algo que de fato tenha propósito.
O que me deixa triste é que temos assistido a ascensão de poucas Jacindas e, infelizmente, o surgimento de líderes masculinos que vão na direção contrária do que ela representa. Minha esperança é que as novas gerações de líderes mulheres, que já assimilaram os valores tão bem protagonizados pela primeira-ministra da Nova Zelândia, ganhem mais espaço e consigam mudar essa triste história de líderes tóxicos e anacrônicos.
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