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Os contrastes do Catar na visão de uma recém-chegada

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Opinião

Os contrastes do Catar na visão de uma recém-chegada

Ao contrário de todo o contexto negativo que ronda esta edição, o futebol transmite uma mensagem poderosa ao transcender disputas políticas ou ideológicas


17 de novembro de 2022 - 7h55

A maior festa do futebol está prestes a começar e esta se tornou a edição das primeiras vezes. É a primeira vez que ela é sediada por um país do Oriente Médio. É a primeira vez que é realizada no fim do ano. Pelo recorte de negócios e marcas, é a primeira vez que coincide com uma data de varejo super popular em muitos lugares (a Black Friday) e que termina quase no Natal. E, no caso do Brasil, há ainda mais uma particularidade: a abertura da festividade foi marcada para o mesmo dia em que se celebra a Consciência Negra.

Tudo isso é bastante nítido e perceptível pela ótica de quem vai acompanhar a ocasião de longe. Já para quem recém desembarcou no Catar, como eu, arrisco dizer que esta é a edição dos contrastes para quem está habituado a atuar profissionalmente no Brasil, mesmo com e apesar de todas questões sociais e desigualdades que enfrentamos.

Dentro do Catar testemunhamos o quanto logisticamente a estratégia traçada para receber os turistas funcionou. Para entrar no país, além do passaporte válido, é obrigatório o  HAYYAA, uma espécie de visto. Essa autorização de permanência só é concedida para quem tem acomodação contratada e ingressos para os jogos de futebol (caso contrário, sua entrada no país não acontece). E, na edição mais digital e conectada de todos os tempos dessa grande festa do esporte, é impossível pensar em ficar sem celular, certo? Isso também foi pensado e, ao chegar e apresentar o seu visto, você tem o direito a retirar ainda no aeroporto um chip de forma totalmente gratuita.

Isso faz parte da infraestrutura preparada. Com custo estimado de US$ 220 bilhões, a primeira edição do torneio realizada no Oriente Médio será a mais cara da história, posição que até então pertencia ao Brasil, sede do evento em 2014.

No dia seguinte à minha chegada, fiz o primeiro passeio ao centro. Conheci o Souq Waqif, mercado tradicional da cidade que fica no coração de Doha, pertinho do MIA (Museu de Arte Islâmica) e próximo ao FIFA Fan Fest de Al Bidda, e à Corniche, a via litorânea que faz um grande contraste entre a parte moderna e a parte tradicional local. Por lá, encontrei famílias inteiras, casais e jovens, e percebi algumas coisas bem comuns entre eles, como dress code e comportamentos.

À primeira vista, as diferenças culturais já são bem aparentes.

Para o islã, os homens não podem mostrar em público a parte do corpo entre o umbigo e o joelho. As mulheres podem mostrar apenas o rosto e as mãos. Essa é a regra base de vestimenta entre os locais. A partir dela, você encontrará cataris vestidos das mais diferentes formas, muitas inclusive similares à forma que nós nos vestimos.

O mais comum é que elas estejam trajadas com um vestido preto longo de mangas compridas, que se chama abaya. O cabelo é coberto pelo hijab, um lenço, que normalmente também é preto. E há as que que prefiram usar o niqab, uma espécie de lenço que deixa apenas os olhos à mostra, ou ainda a burca, uma peça única que cobre dos pés à cabeça.

Para o homem, esse traje tradicional se chama thobe. É uma camisa branca que vai até os pés. Na cabeça, usa-se um lenço chamado ghutra. Ele é geralmente branco ou vermelho, e fica preso por um cordão preto. O La’eeb, mascote da Copa do Mundo do Catar, se inspira justamente nessa peça, e o símbolo é mais um dos espaços onde, com sutileza, a superioridade masculina é refletida.

Luiza Maggessi: “No dia seguinte à minha chegada, fiz o primeiro passeio ao centro. Conheci o Souq Waqif, mercado tradicional da cidade que fica no coração de Doha, pertinho do MIA (Museu de Arte Islâmica) e próximo ao FIFA Fan Fest de Al Bidda, e à Corniche, a via litorânea que faz um grande contraste entre a parte moderna e a parte tradicional local” (Crédito: Arquivo pessoal)

As classificações de gênero aqui são muito claras e definidas entre homem e mulher. Por exemplo: quando uma mulher está andando e um homem vem de encontro em linha reta, eles não desviam. Nós é que precisamos desviar para deixá-los passar. E invariavelmente eles andam sempre na frente e o volume da sua presença nas ruas é infinitamente maior do que o número de mulheres, até como um reflexo da sua sociedade.

Aqui vale uma curiosidade: da população estimada de 3 milhões de pessoas, só 10% são nativos. O restante é formado por estrangeiros que foram ao país para trabalhar. E, boa parte dela — nativa ou expatriada — segue a religião e as leis islâmicas. Além disso, uma mulher solteira só pode ir para o Catar para trabalhar. Nesse caso, as autorizações são emitidas pelo empregador ou empregadora. As mulheres são apenas cerca de 25% da população do país.

Apesar de todos os contrastes assistidos, não posso dizer que me senti diminuída enquanto mulher. Por onde passei, desde o metrô até as atrações turísticas, me deparei com muita boa vontade em dar informações, ajudar e facilitar nosso tempo por aqui. E isso me fez entender um pouco do que a primeira mulher que encontrei aqui me disse.

Foi no estande onde paramos para retirar um benefício do celular local, ainda no aeroporto,  que me deparei com a primeira semelhante nesta jornada. Elas não são muitas atuando nos postos de trabalho, o que corrobora com parte do que li, pesquisei e estudei sobre a cultura local. Por outro lado, diferente de algumas narrativas consumidas no pré-Catar, essa espanhola que vive aqui há 14 anos me contou que hoje o país é muito bom para viver e que não quer ir embora de jeito nenhum.

Nos próximos dias, bilhões de pessoas de todo o mundo estarão sintonizadas com os estádios de futebol construídos no Catar. Torcedores de 32 seleções estarão com esse desejo de que sua nação também não vá embora de jeito nenhum do país, a não ser como campeã. E esse que é o maior espetáculo esportivo da história na humanidade carrega consigo um poder único. Ele já paralisou guerras, canonizou santos e pecadores do esporte e uniu o planeta para saborear cada gol. A espanhola que conheci no aeroporto não espera nenhum desses feitos, e nem que a festa do futebol deixe um grande legado por aqui. Já eu mantenho acesa a visão do futebol como arena política, não no fundamentalismo da palavra, mas no âmbito das questões sociais.

Para nós, brasileiros, este momento é algo que faz parte da nossa cultura, e temos à nossa frente um momento de união no nosso País. Ao contrário de todo o contexto negativo que ronda esta edição, o futebol transmite uma mensagem poderosa ao transcender disputas políticas ou ideológicas. É uma mensagem carregada de otimismo, inclusão, diversidade e união. E, por isso, sigo na missão de trazer aqui e nos canais da NWB um olhar que cumpra a nossa missão de conectar milhões de pessoas por meio da paixão pelo esporte.

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