Os desafios velados da menopausa na carreira
Perdas de produtividade relacionadas a essa fase são cada vez maiores, mas tema ainda é pouco abordado no Brasil e precisa avançar, dizem especialistas
Os desafios velados da menopausa na carreira
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Michelle Borborema
18 de outubro de 2023 - 10h25
A população de mulheres que vai chegar à menopausa e à pós-menopausa até 2030 deve alcançar 1,2 bilhão em todo mundo, de acordo com a Sociedade Norte-Americana de Menopausa. Embora esse número aumente em 47 milhões de mulheres por ano, pouco se fala sobre como a fase pode afetar a carreira delas e impactar o mercado de trabalho.
Um estudo recente feito pela organização norte-americana Clínica Mayo aponta que, no ano passado, 15% das mulheres tiveram ao menos um episódio adverso no trabalho devido a sintomas da menopausa. Essa transição, comum entre os 45 e 55 anos, pode envolver ondas de calor, distúrbios do sono, alterações de humor e cansaço, desafios que tendem a impactar a produtividade, o engajamento e o bem-estar no ambiente de trabalho. As consequências incluem dias perdidos, redução de horas e até demissão.
A pesquisa destaca, ainda, que a perda de produtividade pode custar a essas mulheres cerca de R$ 8,9 bilhões, devido à queda de oportunidades de trabalho e colocação profissional. Já para as empresas, as perdas relacionadas à menopausa podem ser superiores a US$ 150 bilhões (R$ 764 bilhões) por ano, segundo a consultoria americana Frost & Sullivan.
De acordo com a Plenapausa, primeira femtech brasileira com foco em apoiar quem está passando pela menopausa, 46% das mulheres nesta fase se sentem menos produtivas no trabalho, 10% reduziram o número de horas trabalhadas na semana, 2% recusaram promoções ou propostas de emprego e 3% pediram demissão.
Este cenário, porém, poderia ser um pouco diferente, sobretudo no Brasil. Ao menos é o que apontam especialistas e mulheres que já passaram por isso.
Fala-se pouco sobre menopausa, inclusive entre as próprias mulheres, devido ao tabu em torno do tema. Márcia Cunha, fundadora e CEO da Plenapausa, destaca que muitas delas têm vergonha de contar que estão passando por essa fase, o que as leva a esconder a informação no ambiente de trabalho, até mesmo por constrangimento em relação à idade.
A ausência de conversas sobre o assunto contribui para a falta de informação, dificultando o diagnóstico correto e, consequentemente, o tratamento adequado.
“Os sintomas iniciais do climatério [transição da fase reprodutiva da mulher para a fase de pós-menopausa] podem ser facilmente confundidos com estresse devido a trabalho ou momento de vida. Por isso, até pela rotina de muitas mulheres nesta fase, o diagnóstico e o tratamento podem demorar a acontecer, o que impacta suas vidas profissionais e pessoais”, explica.
A influenciadora digital Claudia Arruga, do perfil Cool50s, que também é juíza há 25 anos, conta abertamente sobre como o período afetou sua carreira de sucesso.
“Eu não tinha ideia de que estava entrando na menopausa, e acreditava que meus ‘brainfogs’ [névoas mentais] e alterações de humor eram puro estresse. Tinha desânimo para trabalhar e lapsos de memória. No trabalho, me peguei em várias ocasiões esquecendo palavras e tendo brancos totais. Me recordo de uma audiência em que olhava a tela do computador e não sabia por onde começar. Mas, quando entendi que eram sintomas da menopausa, procurei imediatamente meu ginecologista”, lembra.
Claudia Arruga, influenciadora digital e juíza há 25 anos, acreditava que seus sintomas de menopausa, que afetaram sua performance no trabalho, eram estresse (Crédito: Divulgação)
Para ela, o tabu em abordar o assunto está diretamente relacionado ao etarismo. “Mulheres que atingem os 50 anos são sumariamente desligadas de cargos de liderança, e se o tema ‘menopausa’ é colocado em pauta, o medo de passar por isso aumenta”.
Nas próximas duas décadas, segundo um estudo da PwC e da FGV, 57% da força de trabalho no Brasil terá 45 anos ou mais. A faixa etária coincide com a menopausa, mas também com o período em que mulheres costumam receber propostas e assumir cargos de liderança. Por isso, tanto Márcia Cunha quanto Claudia Arruga acreditam que ainda há muito a caminhar no Brasil para profissionais nessa fase da vida, e lideranças e empresas têm papel fundamental nisso.
“Ainda temos uma assistência mais focada na fase reprodutiva. Pouco se fala sobre a mulher com mais de 40 anos e a transição menopausal. Mas nossa população está envelhecendo. Equidade é também educar e apoiar temas sobre gênero. As empresas precisam ter esse diálogo e promover assistência para essa fase da vida das mulheres”, diz Márcia.
Entre as empresas brasileiras, os avanços são tímidos, mas há iniciativas que jogam luz sobre o problema. A No Pausa, organização latino-americana que visa dar visibilidade à menopausa, sobretudo no ambiente corporativo, atua com empresas no programa Menopausa no Trabalho, que ajuda companhias, especialmente multinacionais, a gerar políticas de retenção dos talentos com mais de 40 anos.
Em janeiro, propostas legislativas do Reino Unido para dar direitos às mulheres na menopausa não foram aprovadas pelo governo, mas o prefeito de Londres instaurou a licença-menopausa para as funcionárias da prefeitura no ano passado, além de áreas de trabalho inclusivas, com espaços com temperatura controlada. Já o Banco da Irlanda passou a oferecer licença remunerada anual de 10 dias para colaboradoras com sintomas físicos ou emocionais relacionados à menopausa. No mundo, outras iniciativas têm acontecido nas companhias.
“Algumas empresas brasileiras estão olhando com mais cuidado para a menopausa, da mesma forma que olhavam para a licença-maternidade. Perceberam que, ao criar grupos de apoio e fornecerem informações às suas funcionárias, melhoram e muito sua produtividade, e podem reter esses talentos. Mas eu gostaria de ver mais ações nesse sentido”, comenta Claudia.
Márcia Cunha, fundadora e CEO da Plenapausa: “Menopausa sempre existiu, mas apenas agora temos a oportunidade de levantar o tema” (Crédito: Divulgação)
Para Márcia, as lideranças femininas são cruciais para incentivar iniciativas efetivas nos ambientes corporativos. “Menopausa sempre existiu, mas apenas agora temos a oportunidade de levantar o tema. Estamos ocupando lugares e desenvolvendo soluções para dores que somente poderiam ser olhadas por nós”, diz.
Se depender de Claudia e de Márcia, as mudanças serão muitas. A começar pela informação e pela batalha de tornar a menopausa algo natural de ser vivido, conversado e apoiado pelas empresas e instituições de todo o país.
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