Os games se consolidam como ferramentas de soft power
Muito além de entretenimento, eles se tornaram plataformas culturais que compartilham narrativas poderosas
Os games se consolidam como ferramentas de soft power
BuscarMuito além de entretenimento, eles se tornaram plataformas culturais que compartilham narrativas poderosas
12 de dezembro de 2024 - 13h35
A diplomacia está acompanhando atentamente a indústria de games. A frase pode soar surpreendente, mas expressa uma realidade das mais importantes. Existe um fenômeno social e cultural acontecendo, neste momento, e ele tem escala global: os games não são mais apenas uma plataforma de entretenimento.
Na medida em que se tornaram progressivamente mais sofisticados, eles se consolidaram como uma ferramenta poderosa de soft power, um veículo para a conexão e o entendimento entre pessoas de diferentes pontos do globo, com formação, idioma e hábitos diversos.
Quando produzidos com autenticidade e representatividade, os jogos já impactam o mundo de uma maneira que poucas indústrias conseguem. E os governos, por meio de diferentes instituições de fomento econômico, cultural e de relações exteriores, estão atentos a essas oportunidades e investem em games para promover valores nacionais, aproximar culturas e construir um entendimento global.
Este fenômeno representa uma oportunidade das mais relevantes para as marcas e as agências, que podem se posicionar como verdadeiras embaixadoras, reforçando a capacidade do universo gamer de influenciar e conectar pessoas.
Soft power é uma expressão em inglês, que se popularizou depois do fim da Segunda Guerra Mundial e faz referência à capacidade de uma nação de influenciar outras sem o uso de força bruta, mas sim com o apoio de ações que geram empatia, como a tecnologia e as artes. É uma forma de difundir cultura, construindo uma imagem positiva para outros públicos.
Por muitos anos, uma das principais ferramentas de aplicação de soft power foi o cinema. Não apenas os Estados Unidos difundiram seu próprio estilo de vida utilizando os filmes, como também os franceses, os italianos – e até mesmo os soviéticos. Mais recentemente, outras plataformas ganharam relevância e passaram a tornar esse cenário mais diverso e complexo. Até mesmo os esportes funcionam como instrumentos de soft power.
Os games foram um dos últimos produtos culturais a ganhar alcance global. Mas, a partir do momento em que o fizeram, rapidamente ganharam um destaque muito expressivo. Os jogos promovem cultura, estreitam laços e fortalecem a imagem dos países onde são produzidos, influenciando positivamente a percepção a respeito de seus costumes.
Um exemplo notável é o jogo Ghost of Tsushima, que trouxe uma narrativa imersiva sobre a cultura samurai japonesa, ajudando a popularizar ainda mais o Japão no Ocidente.
Não por acaso, a China e os Estados Unidos, nesta ordem, ocupam posições expressivas em termos de receitas em games: US$ 112 bilhões e US$ 101 bilhões, respectivamente. Estes dois players da diplomacia global tendem a continuar liderando o mercado, que em dez anos tende a ultrapassar os US$ 660 bilhões. São valores que há anos já superam, e vão continuar superando, indústrias poderosas e influentes, como a música e o cinema.
Além disso, eventos globais organizados dentro de plataformas como Fortnite, incluindo shows ao vivo e festivais, têm mostrado como os games podem ser usados para transcender culturas e geografias, criando experiências globais marcantes.
Os games, aliás, têm o poder de conciliar diferentes expressões artísticas, como ficou claro em 2019, quando 10,7 milhões de pessoas acompanharam em tempo real a apresentação musical de Christopher Comstock, o DJ Marshmello, dentro do jogo online Fortnite. Acompanhando este caso de sucesso, a indústria tem sido convidada a realizar grandes encontros conectados, utilizando o vasto alcance de suas plataformas para organizar festivais culturais e eventos in-game que refletem as tradições e valores de um país.
Cada vez que um jogo traduz a essência de uma cultura e o faz de forma autêntica, ele não apenas entretém, mas também conecta, inspira e constrói pontes. Um exemplo é a série Assassin’s Creed, que explora diferentes períodos históricos, como o Egito Antigo em Assassin’s Creed Origins, trazendo um olhar rico sobre a cultura, arquitetura e costumes locais de forma acessível e educativa.
Outro exemplo é Horizon Zero Dawn, que apresenta um futuro pós-apocalíptico com narrativas que promovem o respeito à natureza e à diversidade.
Em uma abordagem mais moderna, The Last of Us Part II trouxe um elenco diverso e inclusivo, refletindo temas como igualdade de gênero e representatividade LGBTQIA+.
Quando se trata de difundir história, música, tradições e cultura, os chineses apostam em suas próprias soluções, como, por exemplo, o jogo King of Glory, que proporciona uma viagem ao país – e a experiência tem teor positivo, é claro. Essas campanhas influenciam positivamente a visão global sobre determinados temas e contribuem para uma diplomacia mais sutil e eficaz. Mas, para isso, precisam ser bem conduzidas.
A fim de conquistar novos públicos, com idiomas e experiências pessoais muito diversas, é fundamental que o setor desenvolva jogos capazes de criar espaços para inclusão e campanhas sociais que conectem diferentes públicos globais, abordando temas como diversidade, meio ambiente e conscientização social. Ter equipes diversas não é só uma questão de inclusão, é uma necessidade do mercado para se criar histórias que toquem a todos, que sejam empáticas e representem as realidades dos jogadores ao redor do mundo.
Atuando desta forma, as agências podem usar o ambiente dos games para fortalecer laços culturais e se posicionar como agentes de soft power, utilizando desde temas universais até a incorporação de referências regionais, reforçando uma imagem de responsabilidade social e empatia global. Para isso, as agências precisam cumprir seu papel de traduzir o impacto cultural de uma região, com narrativas autênticas.
Também é preciso superar desafios importantes, como a resistência ao conteúdo cultural estrangeiro e a necessidade de adaptar jogos para diferentes públicos globais. Afinal, para que os games representem realmente uma cultura, é essencial que as equipes que os criam sejam diversas e que sua visão de mundo se reflita nas narrativas.
Em síntese, os games estão moldando os valores de uma nova geração, conectando-a a culturas diferentes e a valores de colaboração, inclusão e criatividade. Têm o potencial único de conectar culturas e ampliar a visão do que é possível quando diferentes vozes estão envolvidas na criação e disseminação de conteúdos interativos. Representam uma fronteira inovadora para o soft power, oferecendo um meio acessível e envolvente para a diplomacia cultural.
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