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Paula Kim e o crescente interesse dos brasileiros por k-dramas

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Paula Kim e o crescente interesse dos brasileiros por k-dramas

Uma das primeiras diretoras de ascendência sul-coreana no Brasil fala sobre sua trajetória no audiovisual e avalia o fenômeno do gênero no País


19 de fevereiro de 2025 - 10h15

Paula Kim é diretora, roteirista e produtora (Crédito: Reprodução/Filme da Buscopan Brasil/Agência Cappuccino/Mol)

Diretora, roteirista e produtora, Paula Kim construiu sua trajetória no audiovisual rompendo barreiras de gênero, origem e mercado. Descendente de imigrantes sul-coreanos, ela teve uma infância dividida entre os corredores da loja de varejo de bairro da família, na Mooca, em São Paulo, e a busca por uma expressão artística que, anos depois, a levaria ao cinema.  

Com narrativas sensíveis e autobiográficas, Paula revisita temas como identidade, saúde mental e imigração, trazendo à tela histórias por muito tempo marginalizadas. Seu primeiro longa, Diário de Viagem, de 2021, aborda o tabu dos transtornos alimentares a partir de sua experiência na adolescência. A obra gerou identificação de muitas mulheres jovens, o que a levou, em 2015, à criação do projeto transmídia Sobre Nossa Visão Distorcida, em que mulheres compartilham suas vivências.  

Mas foi a codireção da primeira série brasileira de k-drama, Além do Guarda-Roupa, produção da Coração da Selva de 2023, que levou a cineasta a ter mais reconhecimento no circuito comercial, ampliando o diálogo entre o Brasil e a Coreia do Sul. 

Com uma trajetória marcada pela resiliência, Paula construiu sua carreira entre o Brasil e o exterior, com passagem pela Coreia e por programas do Festival de Cannes, enfrentando os desafios de um mercado ainda pouco aberto para mulheres de ascendência asiática na direção. 

Nesta entrevista, Paula fala sobre carreira e avalia o crescente interesse dos brasileiros por k-dramas, já que, segundo pesquisa da Ecglobal, empresa da plataforma Haus, da Stefanini, quase 90% dos brasileiros consomem essas produções, sendo que, destes, 55% as assistem ao menos uma vez por semana.  

Suas obras são, muitas vezes, autobiográficas. Como foi sua infância e adolescência?

Sou filha do meio de uma família de imigrantes coreanos. Meus pais vieram jovens para o Brasil. Crescemos de maneira tradicional. Eles e minhas primas trabalham com loja. Sou a caçula entre as mulheres, o que me permitiu seguir outro caminho. Trabalhei na loja da família desde criança, vendendo nas férias escolares, aos 8 anos. Parei quando entrei no mercado e comecei a trabalhar com empresas e produtoras. Mas só troquei a loja pelo audiovisual de verdade com quase 20 anos.  

Meu primeiro filme, Diário de Viagem, estrelado por Manoela Aliperti, fala da minha adolescência. Lançado em 2022, no Canal Brasil, é sobre uma experiência traumática: minha anorexia diagnosticada em 1997, que começou quando eu tinha 10 anos. Era um caso crítico e não tive tratamento, pois pouco se falava disso à época, era um tabu. Com o Instagram, o tema se tornou mais discutido. Como morava com meus pais, eles controlaram minha alimentação e fui me recuperando. 

No colegial, já estava recuperada. Na infância, com uns 12 anos, tive crises de identidade e existenciais. Acho que minha crise dos 40 veio antes, quando quis fazer cinema. Por ter tido muitos problemas mentais, meus pais permitiram, apesar do preconceito com o audiovisual. Eles disseram: “faça o que quiser, desde que esteja viva”. Acho que ainda sou a única diretora e produtora audiovisual descendente de coreanos, pois essa imigração é recente e as pessoas ainda vão para áreas muito tradicionais na carreira, para garantir a sobrevivência. 

E como foi sua experiência no audiovisual?

Quando fui prestar vestibular, queria algo artístico. Gostava de desenhar, mas artes plásticas parecia rebeldia demais para o lugar de onde vim. Escolhi audiovisual porque tinha matérias de interesse e, após recuperar minha vida, só queria fazer o que gostava, sem pensar no futuro.  

Estudei na Universidade de São Paulo de 2001 a 2005. Depois, trabalhei na editora Abril, mas me frustrei com a repetição das matérias. O mercado do audiovisual era fechado, e a publicidade começava a entrar em crise. Fui a festivais com minha animação Sexo Explícito, que ganhou prêmios. No último ano da faculdade, decidi fazer pós-graduação fora, mas sem dinheiro ou apoio familiar. Pesquisei países e escolhi a Coreia, para onde fui em 2006, mesmo sem falar coreano. Lá, me tratavam como parte da história do país. Diria que todo coreano tem parentes que migraram para outro país, já que a Coreia ficou muito pobre no pós-guerra. Fazia freelas traduzindo novelas brasileiras e um executivo ofereceu moradia se eu ficasse. Mas, após três anos, me senti desconectada da família e decidi voltar para o Brasil.

Como foi voltar?

Foi difícil. Estava acostumada ao ritmo acelerado da Coreia, então sofri com a diferença. Mandei currículos para grandes produtoras, mas só consegui estágio. Cresci rápido, entrando em coproduções internacionais. Trabalhei em Rio, Eu te Amo, filme de diretores coreanos, da Conspiração Filmes, e numa coprodução da Dinamarca, Rosa Morena. 

Logo recebi o conselho de grandes nomes do audiovisual de abrir minha produtora, pois ninguém investiria em mim como diretora estreante mulher e amarela. Foi o que fiz com a Sam Ka Pur Filmes, minha empresa. Em 2010, comecei meu primeiro filme e fui chamada para uma residência do Festival de Cannes, mas não consegui avançar. Fiz freelas para manter a produtora, mas quase desisti. Em 2015, Cannes me chamou novamente para o programa Atelier, o que me trouxe visibilidade. 

Mesmo com essa experiência, demorou dois anos para ganhar meu primeiro edital de produção. O FSA/BRDE da Ancine abriu portas, e a produtora Sara Silveira decidiu trabalhar comigo. Percebi que estava batendo nas portas erradas, mas no momento certo, a porta certa se abriu. 

Você codirigiu a primeira série brasileira de k-drama, “Além do Guarda-Roupa”. Como foi a experiência?

Adorei dirigir Além do Guarda-Roupa, ao lado dos diretores Marcelo Trotta e Sabrina Greve. A Geórgia Araújo, presidente da produtora Coração da Selva, ficou em dúvida se eu gostaria do projeto, já que eu vinha de um filme independente. Perguntou se eu não acharia que me chamaram só por ser descendente de sul-coreanos. Mas gostei muito da história. Além de diretora, fui analista de roteiro, preenchendo lacunas culturais. Sempre gostei de histórias adolescentes e, após um filme pesado, queria algo mais leve. 

Tive meu primeiro filho na pandemia. Quando me chamaram, em 2021, ainda não estava vacinada contra Covid e vivia intensamente a maternidade, sem ajuda, pois meu marido, médico, trabalhava muito. Abracei a série porque sabia que precisavam de mim para traduzir a cultura coreana corretamente. Foi uma chance de fazer algo comercial e representar descendentes de coreanos. Com a produção, também aprendi que, mesmo sendo mãe, podia sair de casa e trabalhar sem culpa. Se não fosse a série, acho que poderia ser aquela mãe que achava que teria que estar em casa até hoje com meu filho. Veio na hora certa, como um presente, com uma equipe diversa e ouvida. 

A produção respeitou a cultura coreana e o k-pop, aceitando os coreanos como são. Os coreanos que vieram filmar aqui foram muito bem recebidos, e os brasileiros de origem asiática, como eu, fomos muito respeitados. Já fui muito desrespeitada no passado, mas esse trabalho me mostrou que estamos avançando. 

Para você, por que as produções de k-drama conquistaram o público brasileiro?

As produções sul-coreanas já eram fortes no mercado interno, mas precisavam de mais audiência além da Coreia do Sul. Elas foram para a China, Tailândia e cresceram globalmente, vindo para o Brasil. 

O audiovisual coreano sempre teve muitos profissionais qualificados, incluindo muitas mulheres. Apesar do sucesso de diretores homens, como no filme Parasita, do Bong Joon-ho, havia muitas diretoras e roteiristas talentosas, com carreiras sólidas e filmes bons, mas elas não eram selecionadas pelos festivais, pois o cinema é mais machista que a indústria de entretenimento. Então essas mulheres foram absorvidas pela TV, escrevendo roteiros para grandes e pequenas emissoras, porque precisavam trabalhar. Por isso, essas séries começaram a fazer muito sucesso. 

Cerca de 90% dos roteiristas de séries coreanas eram mulheres em 2019. Diferente do cinema, onde o nome de um diretor pesa, no streaming o público não vê se o roteirista é homem ou mulher. Assim, as histórias escritas por mulheres ganharam espaço sem preconceito. O k-drama conquistou o público brasileiro, majoritariamente feminino, porque suas personagens, mesmo que sejam geralmente dirigidas por homens, são escritas por mulheres. Elas são complexas e reais, mulheres em que conseguimos nos espelhar. 

As séries coreanas também abordam muito problemas familiares e da vida privada, temas que envolvem o público. Acho que esse é o grande diferencial dessas produções, porque em nenhum lugar do mundo, oriental ou ocidental, há tanta roteirista mulher. 

Como você avalia esse fenômeno das produções sul-coreanas no Brasil?

Estamos falando da produção de uma nação, então é muito diversa. Se você for comparar, por exemplo, “Round Six” e “Pousando no Amor”, são obras completamente diferentes, mas a Coreia do Sul conseguiu trazer essa diversidade de gêneros para o ocidente. Já era forte no Oriente, mas chegou ao outro lado do planeta. 

A produção sul-coreana está muito boa e tem espaço no Brasil. No metrô de São Paulo, vejo mulheres assistindo k-drama todos os dias. Espero que cresça. A Coreia enfrenta dificuldades no governo, mas a produção não parece estar sendo afetada. 

Quando um país desenvolve essa indústria, como o Brasil está tentando fazer agora, algumas obras ganham mais visibilidade que outras. Todas as nações querem que suas produções sejam assistidas no mundo inteiro. O sucesso da Coreia foi um milagre, mas fruto de esforço governamental e muito investimento em pessoas e no mercado. 

O produto sul-coreano tem espaço no Brasil, assim como o brasileiro pode crescer no exterior. O Brasil abriga todas as culturas, de norte a sul, e tem muitas histórias para contar. Quanto mais diversidade nas produções mundiais, mais humanos nos tornamos. Ver a realidade de outra nação e se identificar tem um poder de cura e empatia. 

Quais são seus planos para o futuro?

Quero focar o futuro da minha produtora nas minhas histórias como autora, diretora e roteirista. Tenho um projeto em coprodução com uma empresa da Coreia do Sul, com contrato assinado, sobre a segunda geração da imigração coreana no Brasil, e vou fazer esse longa-metragem. É um filme independente sobre a infância dessas pessoas, das quais faço parte, que trabalharam no comércio desde crianças. 

Me considero brasileira, pois nasci no Brasil, mas tenho ascendência sul-coreana. Minhas histórias autorais podem trazer esse elemento, às vezes mais direto, às vezes não. Além disso, tenho engajamento com a comunidade amarela no Brasil e quero criar personagens com quem eu possa me identificar. Quero que isso seja naturalizado para as novas gerações de diretores amarelos, garantindo seu lugar de fala, e também que a diversidade no elenco. 

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