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Opinião

Pelo fim da sororidade seletiva

Se a vulnerabilidade é tão falada em todos os TED Talks e incentivada pelos coachs, por que quando uma mulher coloca abertamente seu ponto de vista ainda recebe palavras como "agressiva", "descontrolada", "emotiva","mi-mi-mi" e "impulsiva"?


14 de outubro de 2022 - 9h18

(Crédito: Chugunova Anastasia/Shutterstock)

Há algumas semanas, cruzei no corredor de um shopping com a escritora brasileira Carla Madeira e, em um impulso, falei: “nossa, eu sou muito sua fã!”. Foram dois segundos de constrangimento de ambas as partes. Depois, ela sorriu, me deu um abraço daqueles de amiga e agradeceu. E eu respondi que tinha ganhado o dia.

Carla Madeira é autora de “Tudo É Rio” e “Véspera”, dois dos livros mais vendidos no Brasil no último ano. Para quem ainda não leu, eu diria que suas personagens vivem situações que levam ao limite do que é considerado suportável para nós, mulheres. No evento W2W Summit, realizado neste ano em São Paulo, em um painel moderado por Cris Bartis, apresentadora do podcast Mamilos, Carla disse que seus personagens praticam o “imperdoável”. “Pode perdoar o imperdoável? Se não pode, como gerar transformação?”, perguntou para a plateia. Fiquei profundamente impactada por isso. Quis ir até lá e falar com ela, mas me retraí, me envergonhei e fui embora. 

Quando abordei a escritora, meses depois, havia lido, naquele mesmo dia, a coluna da Juliana Nascimento, managing director da FCB/SIX, Data & Connections, no W2W, em que trazia o seguinte questionamento: “de quantas mulheres você falou bem na semana passada?”. Isso me trouxe uma reflexão profunda, afinal, às vezes precisamos de um empurrão para o óbvio.

Vivemos tempos estranhos, para dizer o mínimo. Tempos em que as jornalistas são agredidas, em que uma primeira-ministra é achincalhada por aparecer em um vídeo dançando em uma festa com amigos e coagida a fazer exames toxicológicos, em que uma âncora de telejornal é demitida após aparecer de cabelos grisalhos, entre tantos outros acontecimentos que acompanhamos diariamente.

No Brasil, em particular, ser mulher é um desafio e tanto. Por isso, acredito firmemente que vocalizar o que queremos é fundamental. Para não deixar dúvidas, para abrir portas, para nos apoiar, dar suporte e, por que não, para dar amor.

Por que não dizer a uma mulher que você a admira muito? Ou apoiar e ecoar em voz alta as ideias de outras pessoas em meio a uma reunião com diferentes pensamentos, como fizeram as mulheres do time de primeiro escalão durante a gestão de Obama, em uma técnica que chamaram de “amplificação”, para se fazerem ser ouvidas e levadas a sério?

Não sei se são táticas de guerrilha ou apenas comportamento que, no mundo masculino, são comuns. Porém, para as mulheres no mundo corporativo ainda são práticas pouco usadas ou vistas como “estranhas”. O fato é que a sororidade é muito falada e pouco aplicada. Só nos últimos sete dias, dentro do meu próprio time, ouvi relatos de mulheres que:

– Disseram ter sido consideradas agressivas quando passaram orientações técnicas detalhadas de melhorias que precisam ser implementadas; 

– Disseram não se sentirem à vontade para falar de histórias pessoais relacionadas à saúde mental, dentro de um “safe space“, porque têm certeza de que, em algum momento, seria usado contra elas;

– Apontaram uma correção necessária a ser feita, por meio do grupo de WhatsApp, e foram chamadas de canto para escutarem que erros devem ser apontados no particular além de ouvirem que, quando determinada ação é realizada via grupo, acabam sendo muito agressivas;

– Disseram que eu deveria, em algumas ocasiões, adotar uma atitude mais autoritária, porque gentileza o tempo todo, em uma posição de liderança, pode levar pessoas a questionarem minha firmeza ou meu modo de trabalhar.

Sim, isso é real. E levando em consideração que buscamos um ambiente igualitário de trabalho, com programas, metas, missões dedicadas a isso e muito mais, realmente é um ponto que devemos pensar todos os dias. 

Se a vulnerabilidade é tão falada hoje em todos os TED Talks e incentivada pelos coachs, por que quando uma mulher coloca abertamente seu ponto de vista ainda recebe palavras como “agressiva”, “descontrolada”, “emotiva”, “mi-mi-mi”, “impulsiva” ou até “gentil demais”? Infelizmente, na maioria dos casos, as palavras vêm de outras mulheres, o que é ainda mais triste.

Eu quero uma gestão de amor, gentileza e suporte. Quero explorar todas as habilidades, além de ter liberdade para dizer o que penso. Quero bater bumbo para toda essa mulherada f*** e contar pra todo mundo os projetos e as ideias incríveis que estão fazendo por aí. Vamos, sim, falar mais de nós. Dar mais abraços, rir e chorar juntas. É o único jeito.

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