Por que a estrutura te propõe solidão?
Se você, em algum momento da sua carreira, sente solidão ou carrega dúvidas sobre o processo, saiba que este texto nasceu de conversas lúcidas
Se você, em algum momento da sua carreira, sente solidão ou carrega dúvidas sobre o processo, saiba que este texto nasceu de conversas lúcidas
26 de agosto de 2024 - 11h48
Essa mensagem é para você que já entrou em espaços de trabalho, nas organizações que sempre desejou, ou ocupou posições e cargos pelos quais lutou. Também é para aqueles que miram esses lugares em busca de ascensão social, de comida na mesa, de contas pagas, e dos outros sonhos que todos nós compartilhamos. É para você, trabalhador ou trabalhadora, que não herdou riquezas, que não tem uma rede de contatos poderosa para abrir portas, e que, por isso, precisa trilhar um caminho de sobrevivência dentro dessa estrutura.
Se você, em algum momento da sua carreira, sente solidão ou carrega dúvidas sobre o processo, saiba que este texto nasceu de conversas lúcidas. Não é um poema sobre a vida, nem pretende ser um manual de guerra ou de sobrevivência. São apenas aprendizados que ressoam em mim e que, talvez, possam fazer sentido para você também.
Essa reflexão surgiu num papo sobre a solidão nos espaços de trabalho, nas estruturas forjadas pela branquitude, que hoje se escoram em agendas de diversidade e inclusão. Essas agendas justificam seus indicadores de sucesso com um percentual duvidoso de pessoas negras, indígenas e quilombolas. Aqui, meu recorte é racial, mas poderia expandir para outras interseccionalidades, o que tornaria o cenário ainda mais sombrio. E minha lente traz mais uma camada: a posição dessas pessoas nas empresas, especialmente em cargos de decisão e liderança.
É vital nomearmos as coisas, entende? Situações, sentimentos… Mas essa não é uma tarefa fácil, sobretudo quando estamos dentro do furacão. É como se nossa visão ficasse turva, com o lado emocional hesitante e a razão te puxando para não ignorar o que está diante de você.
Lembro que, há muitos anos, durante uma sessão de terapia, minha psicóloga sugeriu um exercício lúdico e simples para ilustrar isso. Ela disse: “Aproxime a palma da mão ao rosto, bem colada à ponta do nariz, e tente enxergar as linhas da sua mão. Você não vai conseguir. Agora, vá afastando aos poucos a mão e perceba como as linhas se tornam nítidas.” Na vida, às vezes, precisamos nos distanciar um pouco da situação para ter uma visão mais clara e entender o que realmente está acontecendo.
Outra forma de alcançar essa clareza é conversando com pessoas em quem você confia, aquelas que você respeita e admira pela postura, sinceridade e lealdade. Pessoas que não necessariamente vão te afagar ou dizer o que você quer ouvir. Esse tipo de relação nunca funcionou para mim. Precisamos de pessoas que nos dizem a verdade, sem rodeios. Acolher também é dar o papo reto. Ter conversas lúcidas com pessoas que, embora estejam de fora, conseguem, pela sabedoria de vida, oferecer outras perspectivas que não enxergamos de imediato, porque estamos mergulhados na situação.
Este texto nasce de uma dessas conversas, e dedico especialmente aos meus amigos e irmãos: Galo de Luta, Dinho, Carol, Ras, Vlad, Ju, Cintia Félix e Cin Santana.
Galo me disse que eu precisava começar a dividir meus pensamentos com os jovens que estão chegando, com as futuras gerações, compartilhando o que aprendi até aqui. “A vida tá pedindo para você continuar caminhando. Você já fez o que precisava. A verdade é que não sobre chegar, mas de continuar caminhando, porque o que vem depois de nós é sempre melhor que nós.”
Ele tem razão.
Falamos muito sobre solidão, e a verdade é que alcançar certas posições de liderança na estrutura atual também traz esse sentimento. Alguns lidarão bem com isso, sem enxergar problema em ser o único. É triste admitir que existem pessoas com esse pensamento. Não vou maquiar o cenário…
Mas uma coisa é certa: se há solidão, algo está errado.
Por que essa estrutura te propõe solidão? A resposta é simples: para te moldar e fazer o que quiser com você. O preço da solidão é deixar de ser quem somos. Precisamos entender isso, por mais que doa, e recalcular a rota, se necessário.
Outro amigo acrescentou: “Está escancarado que não é para nós vencermos. É como o jogo do Tigrinho, que não é feito para a gente ganhar”.
Fazemos pequenas conquistas e nos tornamos guardiões dessas pequenas coisas a ponto de nos perdermos, de nos corrompermos. E isso é gravíssimo. Querer dinheiro é muito diferente de achar que vale tudo para tê-lo; colocar preço no seu caráter é um caminho sem volta.
É assustador ver uma crescente de pessoas que monetizam a dor, que usam uma causa para fortalecer um sistema que não gosta de nós, que não nos quer nesses espaços.
E os discursos, como as máscaras, caem.
Quem comprar essa briga não será bem-vindo, inclusive se você for uma pessoa branca verdadeiramente aliada. Esse é o preço de bancar seus valores, seu propósito, sua dignidade.
Querem a imagem do negro, do indígena e do quilombola, mas desde que venham com seu silêncio e ajudando a estrutura a prosperar, seguindo com o plano de sempre: manutenção do poder.
Se eu puder dar um conselho, seria este: tenha os pés no chão. Não seja deslumbrado; olhe ao redor. Não temos motivo algum para sermos deslumbrados. Tenha uma visão crítica sobre as coisas.
Seja feliz, sim, mas o preço não precisa ser virar uma marionete do sistema e apanhar calado. Mimetizar a branquitude para se sentir aceito a ponto de se olhar no espelho e não se reconhecer. Na primeira vez que você não for o preto que esperam, vão te lembrar quem você é, não se iluda.
Na dúvida, procure as respostas na base, volte para o início.
Recentemente, li um texto que dizia que pessoas que passaram por momentos difíceis na infância podem desenvolver, na vida adulta, uma característica específica: isolar-se para resolver problemas. Talvez porque muitas vezes tiveram que resolver as coisas sozinhas e repetem o comportamento.
A lição que aprendi com meus amigos é que, antes de querer destruir a estrutura, precisamos matar a solidão. E fazemos isso olhando para trás e absorvendo a visão dos nossos. É no aquilombamento, fortalecendo laços e cultivando relações de amizade. Não é sozinho. É cuidando de nós mesmos, da nossa saúde física e mental. Temos um poder imenso quando estamos juntos. E não estou falando das nossas fotos em algum evento promovido por essa estrutura, ou capa de matéria para fortalecer projetos que não movem o ponteiro. Isso é troféu para o racismo, é social washing. Só existe vitória se for coletiva, de verdade.
Na contramão da solidão que a estrutura te propõe, mate a solidão, e tenha como porto seguro as relações verdadeiras. Articule e fortaleça quem está realmente na luta.
Tenha conexões saudáveis. Tenha projetos pessoais para além do trabalho formal, um plano B que poderá se tornar o plano A no futuro, na sua emancipação, ou que poderá abrir outras possibilidades de renda e carreira.
É crucial fazer da educação financeira uma realidade nas nossas vidas e nos prepararmos para momentos de escassez sempre que possível. Autoconhecimento, autoconfiança e autoestima são a chave.
Educação, e não escolhi esse último pilar por acaso. Sempre vou ressaltar o poder de transformação que mulheres negras tiveram na minha vida, tirando a venda dos meus olhos e mostrando que é possível, como Sueli Carneiro, Benilda Brito, Lélia Gonzales, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Ebomi Cici, Marielle Franco, entre tantas outras. Temos muitas referências.
Peço licença para finalizar com bell hooks: aprendemos que a educação é uma prática de liberdade, onde o processo de aprendizagem é um meio de transformar a sociedade. Ela defendeu uma educação que desafia as estruturas de poder e empodera as pessoas à margem.
Ela também ensinou sobre o amor como prática política, não apenas como sentimento pessoal. Em Tudo Sobre o Amor, ela propõe que o amor verdadeiro é uma força transformadora que pode criar justiça e igualdade. Ela também fala sobre o poder da cultura popular, destacando como os meios de comunicação e a cultura de massa podem tanto reforçar estereótipos quanto servir como ferramentas de resistência.
Contra a solidão, hooks enfatiza a importância de construir comunidades solidárias e cuidadosas como algo essencial para combater a opressão.
Enquanto houver solidão, tá errado!
Compartilhe
Veja também
Quais são as tendências de estratégia para 2025?
Lideranças femininas de agências, anunciantes e consultorias compartilham visões e expectativas para o próximo ano
Como as mulheres praticam esportes no Brasil?
Segundo relatório "Year in Sport", da Strava, corrida é o esporte mais praticado globalmente e atividades físicas em grupo crescem 109% no País