Por que as mulheres estão deixando seus empregos?

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Por que as mulheres estão deixando seus empregos?

Conheça os motivos e o que as empresas estão fazendo para reter talentos femininos em busca de mudar esse cenário


4 de julho de 2024 - 11h47

Em 2023, mais mulheres deixaram seus empregos globalmente do que nos dois últimos anos combinados, conforme avalia o estudo “Women @ Work” de 2024 da Deloitte. A pesquisa destaca diferentes desafios enfrentados pelas profissionais femininas, como altos índices de estresse, cargas pesadas de trabalho doméstico, falta de apoio para os desafios de saúde física e mental e o enfrentamento de comportamentos não inclusivos. 

Pelo menos 10% das entrevistadas pensam que os direitos das mulheres se deterioraram no seu país no último ano. Isso inclui aspectos como violência e paridade salarial, por exemplo, sendo que uma em cada três acreditam que a igualdade salarial diminuiu no período.

No Brasil, os últimos anos foram marcados por avanços nesse sentido, com programas de governo que visam a equidade de gênero no ambiente de trabalho, como o Empresa Cidadã, que prevê a prorrogação dos dias de licença-maternidade e paternidade, a Lei de Igualdade Salarial e o Emprega Mais Mulheres. 

Metas de equidade 

Além das medidas do governo, algumas empresas criaram suas próprias diretrizes, programas e mudanças que visam a equidade de gênero. Signatárias do Pacto Global da ONU, por exemplo, podem aderir ao Movimento Elas Lideram, que propõe a meta de atingir 30% de mulheres na alta liderança até 2025 e 50% até 2030.  

Algumas empresas já saíram na frente, como a Reckitt, que atingiu 50% de mulheres na alta liderança no Brasil sete anos antes da meta global. “Nosso olhar agora é para a manutenção desse número e adição da interseccionalidade ao tema de gênero, mais mulheres negras, LGBTQIAPN+, PCDs. Todos os anos estabelecemos metas de contratação, revisamos processos e políticas”, avalia Flávia Lisboa Porto, diretora de Recursos Humanos do Grupo Reckitt. 

Flávia Lisboa Porto, diretora de Recursos Humanos do Grupo Reckitt (Crédito: Divulgação)

Entretanto, estabelecer metas de representatividade não é suficiente para manter esses talentos. Como mostra a pesquisa da Deloitte, as organizações devem pensar na retenção das mulheres, atacando diretamente os desafios que elas enfrentam. Segundo o estudo, a segurança financeira e pessoal, a saúde mental e os direitos das mulheres são as principais preocupações delas.

Saúde feminina 

Metade das entrevistadas na pesquisa da Deloitte enfrentam níveis de estresse superiores ao ano anterior. Elas afirmam ter receio que ao expor suas questões de saúde mental, isso afete sua progressão de carreira na empresa, ou que sofram retaliações. Como solução, algumas empresas passaram a oferecer programas de apoio à saúde mental.

Rachel Soares Garcia, diretora de Recursos Humanos da Accenture no Brasil, exemplifica com o caso da empresa, que disponibiliza o programa Fique Bem, de suporte à saúde mental, além do projeto Conte comigo, que oferece assistência psicológica, jurídica, financeira e social às funcionárias e dependentes legais. 

Em relação à saúde física, as mulheres também apresentam dificuldades que impactam seu cotidiano no trabalho. De acordo com a Deloitte, mais de um quarto das profissionais enfrentam desafios relacionados a menstruação, menopausa ou fertilidade. Apesar do cenário, 27% das entrevistadas não se sentem confortáveis de falar sobre esses temas e 15% temem que isso afete negativamente sua progressão de carreira.  

Rachel Soares Garcia, diretora de Recursos Humanos da Accenture no Brasil (Crédito: Divulgação)

Dentre as empresas entrevistadas para a matéria, a maioria relatou ter grupos de afinidade com foco na diversidade, o que inclui mulheres e até mesmo mães, onde tais temas podem ser discutidos e acolhidos. 

Na Kimberly-Clark, por exemplo, o projeto interno denominado TPM saiu de Mogi das Cruzes para o alcance nacional. “O programa tem encontros regulares em todas as localidades da Kimberly-Clark Brasil, visando oferecer um espaço de compartilhamento de experiências, apoio e discussão de iniciativas que favoreçam o bem-estar e desenvolvimento profissional das mulheres na organização”, relata Sueli Thomé, diretora de RH da empresa. 

Para a organização detentora da marca Intimus, de cuidados femininos, trazer esses temas em suas comunicações é importante para abrir diálogos e combater a pobreza menstrual. “Para a sociedade, levamos o propósito de nossa marca Intimus, que é garantir que a menstruação nunca impeça o progresso de uma mulher. Para isso, buscamos auxiliá-las a terem acesso à informação, a melhorarem sua relação com a menstruação e o próprio corpo, e, mais do que isso, atuamos para dar luz às conquistas e ao progresso delas”, afirma a diretora. 

Economia do cuidado 

Metade das mulheres que vivem com um parceiro e têm filhos em casa assumem a maior responsabilidade pelo cuidado dos filhos, como destaca a pesquisa. Apenas 26% afirmam que dividem tais responsabilidades igualmente com o parceiro. Para mudar esse panorama, empresas como a Reckitt e a Accenture, por exemplo, têm investido em grupos de discussões para homens sobre masculinidade positiva. 

Por ser uma marca de produtos para higiene, a Reckitt também discute o tema da economia do cuidado em suas campanhas e pontos de contato com os clientes. “Marcas como Veja, Vanish e SBP têm a oportunidade de contribuir para a desconstrução de uma visão tradicional do cuidado como uma responsabilidade exclusiva da mulher”, afirma Flávia Porto. 

Sueli Thomé, diretora de RH da Kimberly-Clark Brasil (Crédito: Divulgação)

A fim de equalizar as demandas da parentalidade, algumas empresas como Reckitt e OLX aderiram ao programa Empresa Cidadã, que estende a licença maternidade para seis meses e a licença paternidade para 28 dias. Outras, como Accenture e Kimberly-Clark, instauraram políticas internas que também preveem o aumento do tempo das licenças.  

Para ampliar o apoio às profissionais mães, as empresas entrevistadas também ressaltaram outros benefícios como auxílio-creche, programa de acompanhamento da gestação, de planejamento familiar, de apoio à amamentação, licença por adoção e ainda um período de estabilidade de 120 dias para as mães que retornam ao trabalho, citado pela OLX. Além disso, políticas de flexibilidade, como trabalho remoto, sextas-feiras curtas, jornadas com horário flexível, foram citadas como ações complementares. 

Oportunidades de carreira 

Ainda de acordo com a Deloitte, metade das mulheres planejam permanecer na mesma empresa por até dois anos. Entre as que planejam permanecer por mais de cinco anos, as oportunidades de aprendizagem, progressão de carreira e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal foram citadas como os principais motivadores. 

Uma das vias de ascensão profissional feminina são as mentorias de carreira para mulheres, citadas pelas empresas Reckitt, OLX, Accenture e Google. Para além da capacitação, as companhias também têm revisitado seus processos seletivos, buscando minimizar vieses e criando vagas afirmativas para grupos sub-representados. 

No Google, por exemplo, Ana Carolina Azevedo, diretora de RH para Latam e Canadá, ressaltou as medidas tomadas no processo de seleção de talentos que visam a equidade de gênero, que incluem: treinamento de entrevistadores sobre vieses inconscientes, aumento da representatividade feminina no início do processo seletivo e vagas para mulheres em tecnologia. 

Mulheres em tech 

As empresas de tecnologia entrevistadas, Accenture e Google, principalmente, reforçaram um grande compromisso com a capacitação e o desenvolvimento dos talentos femininos para atuar no ramo, visto sua baixa representatividade nas áreas STEM. Num cenário tecnológico, onde a inovação é central para os negócios, a diversidade tem se mostrado um fator-chave. “Nossa pesquisa ‘Getting to Equal’, de 2019, mostra que o mindset de inovação é seis vezes maior em culturas mais igualitárias em relação às menos igualitárias”, revela a diretora da Accenture. 

Ana Carolina Azevedo, diretora de RH Google Latam e Canadá (Crédito: Divulgação)

Ana Carolina Azevedo, do Google, também destaca os benefícios que um time diverso traz para o universo das big techs. “Uma equipe diversa traz consigo uma variedade de perspectivas, ideias e experiências, o que impulsiona a criatividade, a inovação e a resolução de problemas. No meu dia a dia, isso se traduz em produtos mais relevantes e úteis para todos os usuários. Afinal, quem melhor entende as necessidades de diferentes grupos do que um time que os reflete?”, avalia a diretora. 

Governança e cultura 

O estudo da Deloitte também destaca que um quarto das entrevistadas não deseja ascender para uma posição sênior. As principais razões são que elas não gostam da cultura da sua organização (23%) ou acreditam que receberiam menos do que um homem que desempenhasse a mesma função (21%). 

Por essa razão, a transparência e a construção de uma cultura inclusiva são essenciais para mitigar esses desafios. A Reckitt, por exemplo, publica o Relatório de Remuneração e Inclusão por Gênero, que analisa as diferenças salariais entre homens e mulheres dentro da organização.  

“Além do relatório, toda revisão salarial já leva em conta o gênero e parte do uso de uma metodologia de Minimum Living Wage, ou seja, salário digno, determinado por uma consultoria externa, com o intuito de pagar o justo ao colaborador e não apenas a faixa mínima do cargo. O chamado salário digno considera o custo de vida e as necessidades específicas das mulheres, incluindo políticas e benefícios que se estendem aos filhos e aos cuidadores”, explica Flávia Lisboa. 

Enfrentando a violência de gênero 

No estudo da Deloitte, houve um aumento do percentual de mulheres que deixaram seus empregos devido a microagressões e assédio, de 11% em 2022 para 16% em 2023. Como parte de uma política de governança que contempla esse panorama, o Grupo Dreamers criou uma política interna de enfrentamento da violência.  

“Criamos uma política de enfrentamento à violência contra a mulher no Grupo Dreamers, com conteúdo informativo sobre os tipos de violência, canais de acolhimento e denúncia, e diretrizes a serem aplicadas no nosso dia a dia”, afirma Débora Moura, Head de Diversidade e Inclusão da organização. 

Débora Moura, Head de Diversidade e Inclusão do Grupo Dreamers (Crédito: Divulgação)

Outras empresas, como a Kimberly-Clark, trabalham o letramento de lideranças para a sensibilização sobre temas como diversidade e inclusão, que toca na escuta ativa para lidar com tais desafios. “Toda a liderança precisa estar alinhada e engajada com nosso propósito de um melhor cuidado para um mundo melhor, tanto interna como externamente”, avalia Sueli Thomé. 

Impactos dos talentos femininos 

Cerca de metade das mulheres na pesquisa da Deloitte não acredita que o compromisso do seu empregador em apoiar as mulheres tenha aumentado no último ano. Para trabalhar a consolidação de uma cultura que valorize as profissionais do gênero feminino, as empresas precisam de um plano que vise não somente os números, mas todos os desafios enfrentados por elas. 

Para isso, a OLX, por exemplo, trabalha com uma visão única e compartilhada sobre sua cultura. “O ‘Nosso Jeito de Ser’, conjunto de diretrizes que norteiam a cultura organizacional do Grupo OLX, prioriza o bem-estar, o protagonismo e o desenvolvimento profissional dos colaboradores. Dentro desse direcional, prezamos também pela diversidade, inclusão e equidade de gênero”, afirma Christiane Berlinck, vice-presidente de Recursos Humanos da OLX. 

Um dos meios para acelerar essa mudança é colocando mulheres na alta liderança. No Grupo Dreamers, o corpo de funcionários já é de maioria feminina, com 58% dos colaboradores. Na Artplan, agência de publicidade pertencente ao grupo, 61% das lideranças (gerente para cima) são mulheres. 

“Ter o negócio liderado majoritariamente por mulheres impacta diretamente no resultado. Nossos indicadores de diversidade, inclusive, já são mais consistentes quando consideramos somente mulheres com interseccionalidades, frente a essas metas anteriores que já atingimos”, conta Débora Moura. 

A presença feminina e de outros grupos de diversidade, principalmente em papeis de liderança, é capaz não somente de melhorar os índices de ESG, acelerar a inovação e criatividade, mas de promover uma liderança humanizada. 

“Um estudo realizado em parceria entre o Instituto de Psicologia (IP) da USP e a University of Auckland, da Nova Zelândia, explorou o sucesso de países liderados por mulheres durante a pandemia. Os resultados apontaram para características inerentes a elas, como um estilo de liderança focado em relacionamentos interpessoais, atenção à comunidade, intuição, sensibilidade e empatia”, aponta Flávia. 

Para além das questões do gênero feminino, outros grupos de diversidade, como de raça, geração, orientação sexual e identidade de gênero, PCD, entre outros, enfrentam desafios semelhantes e distintos. Por isso, a interseccionalidade é importante de se levar em conta na retenção desses talentos. 

“A Kimberly-Clark tem trabalhado muito para construir um ambiente de trabalho onde cada um possa ser quem verdadeiramente é e, de fato, seja valorizado por isso. Ou seja, é muito importante ter mais mulheres no quadro geral da companhia, mas também é primordial que a agenda de inclusão seja abrangente, pois gênero é só um fator nessa questão que envolve muitas interseccionalidades”, complementa Sueli Thomé. 

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