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Por que há poucas pessoas com deficiência na liderança?

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Por que há poucas pessoas com deficiência na liderança?

Executivas com deficiência discutem sobre inclusão, acessibilidade e combate ao capacitismo no mercado de trabalho 


25 de outubro de 2024 - 15h00

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2019), apenas 28,3% dos trabalhadores com deficiência ou TEA (Transtorno do Espectro Autista) fazem parte do mercado de trabalho no País, enquanto o número para as pessoas sem deficiência é de 66,3%. Apesar da lei de cotas para pessoas com deficiência já ter mais de 30 anos de existência, as empresas ainda não incluem efetivamente esses profissionais. 

De acordo com a pesquisa da Noz Inteligência, 36% dos entrevistados PCDs que estavam empregados eram auxiliares (operacionais ou técnicos), aprendizes ou estagiários, 29% eram assistentes, 22% analistas e 12% ocupavam cargos de média liderança como gerente, consultor, coordenador, supervisor ou especialista. Menos de 1% dos entrevistados atuavam como alta liderança, como acionista, CEO e presidente, vice-presidente, diretor ou gerente-executivo. 

Os dados demonstram que existe um degrau quebrado na jornada de ascensão profissional para PCDs. E um dos principais obstáculos é o capacitismo, o preconceito contra pessoas com deficiências. “O preconceito está profundamente enraizado, e ainda existe uma associação direta entre deficiência e ineficiência. As pessoas não enxergam claramente que é possível fazer as coisas de um jeito diferente”, afirma Daniela Bortman, head de medicina ocupacional da Bayer.  

Preconceitos e vieses

O preconceito e os vieses não partem apenas das pessoas sem deficiências. Existe um contexto cultural que reforça essas noções limitadas sobre como é a vida de uma pessoa com deficiência e sobre o que ela pode fazer. O próprio PCD pode sofrer com essa visão que lhe é imposta. “Quantas vezes, no passado, acreditei que minha deficiência me limitava em diversas áreas? Precisamos trazer isso para a consciência e trabalhar continuamente no desenvolvimento, superando essas barreiras internas e externas”, relata Daniela Sagaz, head diversidade, equidade e inclusão da Mondelēz. 

A inclusão efetiva dessas profissionais requer uma mudança cultural e comportamental. As campanhas de conscientização são importantes, mas não podem parar por aí. A Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (8.213/91) foi um passo importante para impor que empresas com 100 funcionários ou mais reservem vagas para PCDs. Entretanto, somente ela não é capaz de solucionar o problema. 

Daniela Sagaz, head diversidade, equidade e inclusão da Mondelēz (Crédito: Divulgação)

“Provavelmente, se não existisse essa lei, eu, Dani Sagaz, não estaria ocupando uma posição de liderança hoje. A cota me trouxe até aqui, mas não é o que me mantém”, reflete a head da Mondelez. “Para mim, o que está faltando é o desenvolvimento real. Vejo muitas organizações que contratam grandes quantidades de pessoas com deficiência, mas, na prática, elas acabam em cargos de base. A realidade é que, quanto mais alto na pirâmide, menor a representatividade. Para que as pessoas com deficiência ocupem cargos de liderança, é preciso ter um olhar específico para a individualidade de cada colaborador”, continua. 

O gargalo das pessoas com deficiência na liderança, na verdade, começa pela formação. Existe um desafio para PCDs acessarem a educação, a capacitação técnica e também o aprendizado de idiomas. “Segundo o IBGE, 55% dessa população ainda trabalha informalmente. Isso reflete uma barreira de entrada que muitas vezes está ligada à exigência de um diploma ou curso superior”, afirma Sagaz. 

“Acho que é fundamental que a sociedade, o Estado, instituições privadas e públicas se unam para incentivar e acelerar a capacitação dessas pessoas. Não podemos esquecer que elas não partiram do mesmo ponto. Assim como em outros marcadores de inclusão social, existe um histórico de desvantagem”, destaca Bortman. 

As lideranças destacam a importância das vagas afirmativas, para a inserção destes profissionais no mercado de trabalho. Mas, para incluir PCDs em posições de liderança, as empresas precisam revisitar seus vieses e contratar pelas habilidades do candidato.

“Um dos principais equívocos que muitas companhias têm é a percepção de falta de capacidade. Muitas vezes, a crença é de que não existem pessoas com deficiência com talentos adequados no mercado de trabalho. Claro, talvez não encontremos alguém com 100% dos skills desejados, mas isso acontece com qualquer candidato. O que precisamos reconhecer é que a vivência e experiência de uma pessoa com deficiência podem trazer agilidade no aprendizado, responsabilidade, autonomia e proatividade”, aponta Daniela Sagaz. 

Promoção de acessibilidade

Outro passo importante para inclusão desses profissionais é a acessibilidade do ambiente de trabalho e o letramento das lideranças e colaboradores sobre o tema. “Não adianta ter vários programas corporativos se não fizermos as adaptações necessárias e não pensarmos nas necessidades específicas dessas pessoas. Cada deficiência demanda uma abordagem diferente. Por exemplo: eu, com deficiência física, tenho necessidades distintas de uma pessoa com deficiência intelectual ou visual. É papel da liderança garantir que esses ajustes sejam feitos”, afirma Daniela. 

Daniela Bortman, head de medicina ocupacional da Bayer (Crédito: Divulgação)

Antes de realizar qualquer projeto para acessibilidade, é preciso ouvir as demandas desses indivíduos especificamente. Cada PCD terá uma necessidade individual. Essas adaptações precisam ser pensadas para cada processo, campanha ou programa. Os programas de capacitação, por exemplo, também precisam integrar as necessidades dos profissionais com deficiência que existem na organização, incluindo recursos como intérpretes de libras, autodescrições e o uso de tecnologias assistivas. 

A acessibilidade precisa ser encarada como uma questão transversal pela organização, não apenas na arquitetura do ambiente, mas também nas atitudes e até nos benefícios. “Na retenção, é fundamental entender as necessidades específicas e oferecer benefícios como subsídio para órteses, próteses e cadeiras de rodas. Esses benefícios são vitais para garantir que as pessoas com deficiência tenham acesso a recursos essenciais”, pontua Sagaz. 

Combatendo o capacitismo

O primeiro passo para atacar o preconceito contra pessoas com deficiência é por meio da conscientização. “A educação é a base, mas não pode ser algo isolado, como fazer uma campanha e pronto. É preciso ação concreta”, afirma Daniela Bortman. Foi exatamente pela falta de informações sobre comunicação inclusiva que a manager de comunicação interna e B2B no Google Brasil, Isa Meirelles, começou a falar sobre o assunto em palestras e nas redes sociais. 

“Na minha graduação em relações públicas, de 2012 a 2016, não abordávamos comunicação inclusiva. Falávamos sobre grupos sub-representados, como pessoas negras e LGBTQIAPN+, mas a deficiência e a acessibilidade eram ausentes”, continua Meirelles. “Hoje, o cenário está mudando. No entanto, ainda falta formação adequada para capacitar profissionais para entender sobre diversidade e acessibilidade”, adiciona. 

Tais passos, incluindo desenvolvimento profissional, o letramento das lideranças e a acessibilidade, fazem parte de um processo de acolhimento desses profissionais. A etapa também requer a garantia de um ambiente de segurança psicológica. “A inclusão deve ser mais do que abrir uma vaga; trata-se de criar um ambiente genuíno onde pessoas com deficiência sejam realmente valorizadas e possam destacar suas habilidades, independentemente do cargo”, complementa Patrícia Albuquerque, conselheira de organizações como a Rede Mulher Empreendedora e a Associação Museu Afro Brasil. 

Patrícia Albuquerque, conselheira de organizações como a Rede Mulher Empreendedora e a Associação Museu Afro Brasil (Crédito: Divulgação)

Quando existe um profissional com deficiência na empresa e ele é valorizado por suas habilidades, isso serve de inspiração para outros acreditarem que é possível chegar lá. Isa Meirelles entende a importância de contar sua história. “Eu, por exemplo, tenho uma deficiência visível e faço questão de reforçar isso para minha liderança e colegas executivos. Isso ajuda a aumentar a visibilidade e a importância dos profissionais com deficiência no mercado de trabalho”, acrescenta. 

No final, a inclusão de PCDs e a aceleração de suas carreiras necessitam do envolvimento e engajamento da alta liderança. “A liderança precisa estar no centro dessa discussão, porque sem o apoio da alta liderança, as coisas não andam e a cultura não se transforma”, destaca Bortman. “Precisamos de pessoas com formação em acessibilidade e diversidade e de tomadores de decisão comprometidos com a pauta. Agora, é uma questão de defender e implementar essas práticas de forma eficaz”, conclui Isa Meirelles. 

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