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Profissionais negras de RH trazem mais diversidade para times nas agências

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Profissionais negras de RH trazem mais diversidade para times nas agências

Mas políticas afirmativas devem vir da alta liderança para que mudanças estruturais sejam perenes


27 de julho de 2023 - 13h51

Amanda Abreu, sócia da Indique Uma Preta, Dani Jesus, Gerente de RH da W+K e Valéria Nunues, Diretora de Gente & Gestão da Mynd (Crédito: divulgação)

Eu sou a prova de que quando você tem uma porta aberta, é possível mudar a sua vida e da sua família”, afirma Dani Jesus, head de RH da Wieden+Kennedy São Paulo. Ao ingressar na Universidade, ela foi a primeira a interromper o ciclo de empregadas domésticas de sua família. “Entendo que se as empresas, sobretudo as agências de publicidade, tiverem intencionalmente nos seus programas de seleção, o desejo de ajudar pessoas que vêm de uma outra realidade, sobretudo as pessoas pretas, obviamente periféricas, a acessarem lugares onde elas não costumam estar, a gente consegue promover um mercado publicitário muito mais interessante, muito mais amplo, muito mais pulverizado e capaz de acessar a cultura desse país”, afirma. 

As iniciativas de diversidade e inclusão dentro do mercado publicitário já acontecem há alguns anos e ganharam tração a partir de 2016, mas nos últimos tempos observamos crescer o número de profissionais negros integrando o quadro de colaboradores das agências e grande parte dessa conquista tem a ver com as profissionais de RH que estão por trás das contratações. “Eu sou preta, mulher, tenho consciência racial, de classe e de gênero”, diz Dani, explicando como sua própria vivência a influencia na hora das contratações. Entretanto, ainda há muito a ser feito. Segundo estudo do Observatório da Sustentabilidade Racial, lançado em 2022, apenas 15% dos cargos de liderança em agências de publicidade são ocupados por pessoas negras. 

Para Valéria Nunes, Diretora de Gente & Gestão da Mynd, que possui 50% de colaboradores negros, as diretrizes devem vir do CEO e do board da empresa para que o departamento de Recursos Humanos possa promover todas as ações possíveis a serem tomadas. “A busca desses personagens tem que ser intencional e é necessário utilizar a tecnologia a nosso favor. Nós sabemos que quem desenha os algoritmos das vagas são pessoas que não estão preocupadas com essa exclusão – não que seja proposital”, afirma. O viés inconsciente do racismo estrutural ainda é uma grande barreira e por isso é importante a divulgação de vagas afirmativas, além de buscar profissionais fora das redes de networking, geralmente formada por maioria branca. 

Ainda existe uma mentalidade preconceituosa a ser combatida que tem a ver com a ideia de que não se encontram profissionais negros habilitados para preencher determinadas vagas, o que é fortemente refutado por Valéria. “Talvez nós não estejamos procurando esses profissionais nos lugares certos. A população é 50% negra, ou seja, nós estamos em todos os lugares, em todos os segmentos, prontos para ocupar todo e qualquer tipo de cadeira, de posição”, complementa. Justamente por isso, a busca de profissionais negros qualificados deve ir além dos canais tradicionais, como por exemplo o LinkedIn, e se estender a comunidades organizadas, bancos de talentos e universidades. 

Amanda Abreu, sócia da consultoria Indique Uma Preta, acredita que é preciso coragem para furar a bolha. “Existe uma certa preguiça no sentido de buscar essas pessoas em outros lugares; que consultoria eu posso contar, com quem eu posso conversar para eu contratar uma pessoa plural, que seja diferente do meu time, porque essas lideranças estão naquele lugar de conforto, de contratar a pessoa que fez a mesma faculdade que elas. Acho que falta coragem de entender de fato o que é o Brasil, quem são as pessoas que formam esse país”, afirma. 

SEGURANÇA PSICOLÓGICA NO AMBIENTE DE TRABALHO 

Após a contratação do profissional negro, é preciso garantir que esta pessoa se sinta pertencente e confiante para exercer suas atividades. Para Dani Jesus, “o próximo passo a se pensar é sobre como promover segurança psicológica pra essas pessoas que há 150 anos não podiam dirigir a palavra pra uma pessoa branca e agora precisam se colocar seguras numa mesa onde existem decisores que não se parecem com elas”.  Segundo ela, para obter o potencial máximo de cada profissional é necessário que se sintam confiantes para falar exatamente o que pensam quando estão em posições de decisão. “Quanto mais equidade de poder de decisão pessoas de diversidade tenham, mais amplificada será nos espaços de poder a voz dessas comunidades que são minorizadas, mas são majoritárias na sociedade”, complementa. 

O letramento e educação dos colaboradores de maneira constante é umas das ações recomendadas por Amanda Abreu para que se construa um ambiente de trabalho saudável e com possibilidade de desenvolvimento. “É preciso construir políticas afirmativas perenes. Não adianta, por exemplo, fazer uma palestra em novembro sobre racismo estrutural se no ano inteiro não vai ter nada sobre isso, se não há um projeto de recrutamento, uma pesquisa interna para entender o que os colaboradores pensam e entendem sobre diversidade e inclusão e sobre contratação de pessoas negras”, diz.  

INICIATIVAS AFIRMATIVAS 

A agência Mynd desenvolve desde 2021 o projeto Potências!, que está dividido em diversas frentes de trabalho. Banco de Potências!, um sistema de talentos negros das mais diferentes áreas que vão da comunicação e produção audiovisual ao marketing de influência; Novas Potências!, escola exclusiva para criadores pretos de conteúdo; Plataforma Potências!, espaço com diversos conteúdos e discussões sobre a comunidade negra; e Consultoria Potências!, que vai ajudar empresas no entendimento sobre o assunto e na contratação de profissionais em todo o Brasil.  

Também foi criada uma cartilha de inclusão e diversidade para educar colaboradores. “Ainda há necessidade de mostrar que alguns termos, algumas situações já não cabem mais nos dias de hoje. Trabalhamos com todos os tipos de minoria. E quando uma pessoa vem com a sua cultura muito presente, automaticamente os olhos das pessoas já são voltados para ela. Por isso é muito importante termos esse letramento dentro de casa, mostrar que faz parte da cultura daquela pessoa, que precisamos respeitar” afirma Valéria Nunes. 

Por sua vez, o programa Kennedy’s é um projeto global desenvolvido em todos os escritórios da Wieden + Kennedy. Na operação de São Paulo, ele existe desde 2016 e é voltado para pessoas impactadas pela desigualdade de oportunidades no mercado publicitário. Na intenção de furar essa bolha, o programa tem como objetivo formar novos profissionais com a pluralidade que uma agência de publicidade precisa para realizar trabalhos que impactem positivamente a sociedade. Essa formação tem duração de nove meses, e é realizada no dia a dia, conciliando trabalho na prática, aprendizado teórico e mentorias para que o jovem possa ter uma experiência completa das diversas áreas da agência. Todos os jovens talentos são contratados na modalidade CLT e o programa conta atualmente com 10 jovens talentos. 

Criada dentro da agência Mutato e hoje funcionando com uma operação independente, além de consultoria de recrutamento e seleção, a Indique Uma Preta oferece palestras, workshops, pesquisas e conteúdo de letramento e sensibilização para gestores e alta liderança com o objetivo de criar políticas afirmativas dentro das empresas. 

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