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Quando falta combustível no tanque de uma líder

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Opinião

Quando falta combustível no tanque de uma líder

Renunciar ao cargo requer um autoconhecimento ímpar e uma capacidade de dizer a si mesma que você não é a melhor pessoa para liderar sua empresa, seu time ou seja lá o que você lidera


23 de janeiro de 2023 - 14h51

Daniela Graicar: “Eu senti, nos olhos e na respiração da Jacinda Ardern, a dor de suas palavras e a potência de sua decisão” (Crédito: Reprodução/YouTube)

Aposto que toda mulher líder ficou tocada com a decisão e impactada pelo discurso da Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, renunciando ao cargo. Li muitas análises inteligentes, muitas críticas à queda de sua popularidade, muitas matérias especulativas, mas o fato é que não pude me conter em pensar o que essa notícia causou em mim, da maneira mais pessoal e vulnerável possível. Porque já faltou combustível no meu tanque também (quem nunca?) e ela foi tão transparente, genuína e vulnerável, que a empatia foi imediata.

“Eu sei o que esse trabalho exige. E sei que eu não tenho mais o combustível suficiente no meu tanque para merecê-lo. Eu sou humana, os políticos são humanos. Damos tudo o que podemos, pelo tempo que conseguimos. E então, para mim, está na hora”. E disse isso engolindo as lágrimas depois de cinco anos e meio de serviço ao país e de renúncia a uma série de sonhos que, espero, coloque em prática agora, como o de casar-se.

Liderar é carregar o peso de ter que ter respostas a toda hora, de buscar caminhos novos o tempo todo, de puxar o time para cima quando o desânimo contagia, de conquistar o cliente dia após dia, de ter ideias novas, prever o futuro, esquecer o passado, driblar obstáculo por obstáculo. Liderar sendo mulher tem uns pesos a mais. Provar-se, engolir o medo de falhar, equilibrar os pratos da família e manter-se plena na feminilidade que tanto amamos. Cansa um bocado. Cansa até exaurir.

E, por mais que a gente ame, às vezes o combustível acaba no tanque.

Lembro de 2018 como se fosse ontem. Guardadas as devidas proporções de que estou longe de ser a brilhante Jacinda, e minha empresa distante de ser a Nova Zelândia, eu me olhava no espelho sem uma gota de combustível. Eis que caiu do céu um seriado chamado “Borgen”, que retrata a vida fictícia da primeira-ministra da Dinamarca. Jacinda deve ter assistido também. Ela vence, ela se decepciona com as pessoas, cai no choro, dorme na mesa do trabalho, perde o controle dos filhos, luta para manter o casamento, desiste do cargo, retoma… Aquilo, para mim, foi um tapa de realidade, uma lição de vida. É, a gente encurta anos vendo seriados…

Eu só queria sumir, desistir, chorar. Nem férias recuperavam o combustível, como tentou Jacinda. A diferença é que no empreendedorismo não existe renúncia. Fechar uma empresa é dezenas de vezes mais caro do que eu imaginava. Se eu pensei? Óbvio! Eu até contratei um escritório para calcular isso. Impossível.

Ok, vamos comprar outra empresa e colocar essa líder para cuidar da minha. Deu errado. Até que uma sessão de coaching me abriu os olhos: eu havia me acostumado a exercer tantas funções, mas tantas funções, que estava exausta. E, pior, muitas dessas funções iam contra meu perfil de pessoa, requeriam uma energia sem tamanho. “Dani, nesse seu job description estão 2 ou 3 profissionais. Se você contratar pessoas boas, vai poder trabalhar no que você é brilhante e recuperar o prazer pela empresa.” 

Se meu coach soubesse o valor dessa conversa… Renunciar ao cargo requer um autoconhecimento ímpar e uma capacidade de dizer a si mesma que você não é a melhor pessoa para liderar sua empresa, seu time ou seja lá o que você lidera. Mas isso não é uma decisão tomada porque você teve uma má semana ou errou em algo. É quando não há mais combustível no tanque e muitos podem ser prejudicados por esse seu esgotamento.

Minha história não é o foco aqui e eu resumo dizendo que foi a melhor decisão corporativa que eu poderia ter tomado, e que minha agência deixou de ficar do tamanho da minha agenda para ser muito maior e melhor a cada ano. E, o que é mais especial: comigo nela, no meu melhor papel. E com as pessoas certas, nos papéis delas.

Eu senti, nos olhos e na respiração da Jacinda, a dor de suas palavras e a potência de sua decisão. Eu espero que seu tanque encha do mais poderoso combustível e que sua vulnerabilidade sirva de lição a muitas de nós e, principalmente, a muitos líderes homens. Já viu um líder manifestar sua falta de combustível de maneira tão aberta assim?

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