Assinar

O que está por trás da retomada do cinema brasileiro?

Buscar
Publicidade
Women to Watch

O que está por trás da retomada do cinema brasileiro?

Renata Brandão, CEO da Conspiração, coprodutora de 'Ainda Estou Aqui', analisa o crescente interesse do público pelo audiovisual nacional


28 de fevereiro de 2025 - 12h43

Renata Brandão é CEO da Conspiração, coprodutora de Ainda Estou Aqui e produtora de O Auto da Compadecida 2 (Crédito: Divulgação/Mariana Cobra)

No último ano, o cinema brasileiro alcançou um marco histórico. Segundo levantamento da Agência Nacional de Cinema (Ancine), o Brasil atingiu o recorde de salas de cinema em funcionamento. Em 2024, aproximadamente 3.509 estiveram ativas, superando as 3.478 registradas em 2019, antes da pandemia de Covid-19, quando quase metade das salas foram fechadas. 

Outro marco foi o aumento significativo no número de espectadores: foram 121 milhões de pessoas no cinema em 2024, quase o dobro do registrado no ano anterior. Esse crescimento reflete não apenas a recuperação do setor, mas também o fortalecimento do interesse do público por produções nacionais, com destaque para Ainda Estou Aqui e O Auto da Compadecida 2. 

Nesse contexto, a produtora Conspiração, comandada por Renata Brandão, tem desempenhado um papel essencial na retomada do cinema brasileiro. À frente dessas duas produções de grande impacto, a empresa tem contribuído para a conquista de público e crítica, consolidando-se como uma das forças impulsionadoras dessa nova fase do audiovisual nacional. 

Como coprodutora de Ainda Estou Aqui, ao lado da VideoFilmes, Globoplay, RT Features e da francesa Mact, a companhia ajudou a levar o filme dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres a três indicações ao Oscar (Melhor Filme, Melhor Atriz e Melhor Filme Estrangeiro). A obra ainda ultrapassou 5 milhões de espectadores e R$ 100 milhões em bilheteria, a maior no Brasil desde a pandemia e a quinta maior de um filme nacional.  

Já com O Auto da Compadecida 2, que alcançou mais de 4 milhões de espectadores, a produtora participou do experimento de rodar a fábula nordestina dirigida por Guel Arraes em estúdios virtuais, recuperando o cenário original do longa de 20 anos atrás, que levou a peça do escritor Ariano Suassuna para a TV e o cinema.  

Agora, a Conspiração se prepara para contar novas histórias marcantes do País, com filmes sobre o cantor Roberto Carlos e a jogadora de futebol Marta, figuras que, por razões distintas, representam o Brasil e despertam o interesse de marcas em fazer parte dessas narrativas. Tudo isso, segundo Renata Brandão, faz parte de um movimento de retomada do desejo do brasileiro de se ver no cinema. 

Nesta entrevista, a CEO da Conspiração e produtora executiva dos dois filmes nacionais de maior sucesso dos últimos anos fala sobre a importância de Ainda Estou Aqui no cenário atual, o apetite do público brasileiro por suas próprias histórias e os desafios e oportunidades do audiovisual no País. Ela também discute a relação entre publicidade e entretenimento, além da necessidade de equilibrar o sucesso dos blockbusters com o fortalecimento do cinema independente. 

Meio & Mensagem: Como foi assinar a coprodução de Ainda Estou Aqui, obra que tem sido um fenômeno de público no Brasil e no exterior?

Renata Brandão: É um orgulho maravilhoso. Não só pelo alcance internacional, mas também pela retomada do cinema brasileiro após a pandemia, um momento crítico para a cultura no Brasil. Ressurgir disso após esses anos, levando as pessoas de volta ao cinema em um movimento de orgulho da nossa história e de quem somos, é incrível. 

Culturalmente, nos orgulhamos do nosso futebol e de outros ícones internacionalmente reconhecidos, mas agora esse sentimento está em torno de um filme. É uma obra muito especial. Fomos o braço de produção executiva física do filme. Como todo projeto, nasceu com uma dedicação absoluta e uma alquimia de equipe. Fazemos todo filme com muito amor, dedicação e profissionalismo.  

M&M: Por que o filme tem feito tanto sucesso?

Renata: Óbvio que todo filme vai nascendo e vai sendo construído. Vai encontrando primeiro sua audiência, seu reconhecimento crítico dentro e fora. Foi um pouco do que aconteceu com Ainda Estou Aqui. É um projeto delicadamente costurado pelo Walter Salles e por uma equipe incrível, baseado no livro do Marcelo Rubens Paiva, que já era uma obra-prima, e ele deu uma textura real a essa história.  

Há algo especial na obra, porque o Walter Salles viveu muito próximo dessa história, então tem uma conexão muito grande com essa verdade. O filme foi muito oportuno não apenas no momento do Brasil, após anos políticos muito estranhos, mas encontrou também, no mundo, uma ressonância política muito favorável. De repente, o cenário norte-americano tem feito pessoas de outros países sentirem o quão poderosa é a força do autoritarismo e o que ele pode fazer com um País. Então, o ponto de vista do filme é muito feliz, por escolher um drama nuclear familiar para contar uma história de um País, e agora de vários. Além disso, muitos jovens brasileiros saem do cinema e falam que não conheciam essa história do Brasil. Claro, todos estudam, mas acho que nunca haviam sentido a força da coisa.  

E 2024 não foi só ano de Ainda Estou Aqui, mas do cinema brasileiro. Já começou com Malu, de Pedro Freire, no Festival de Sundance, e aí seguiu em Cannes, com o filme Motel Destino, do Karim Ainouz. Agora, temos o filme do Gabriel Mascaro, O Último Azul, no Festival de Berlim, e com a gente, em Veneza, com o longa-metragem Manas, da Marianna Brennand, uma documentarista que fez um filme de ficção totalmente brasileiro, de um tema muito importante de ser compartilhado.  

Estamos reforçando a potência do cinema, que não vem de hoje. O Brasil sempre teve esse lugar no mundo, com fãs antes mesmo de Cidade de Deus. Sempre tivemos nossa originalidade reconhecida nos festivais de cinema, mas estar com um filme com esse alcance, nesse momento do mundo, com essa recepção, é algo muito único.  

M&M: A Conspiração também está por trás de outro filme importante para a retomada do cinema brasileiro, O Auto da Compadecida 2. Como é fazer parte dessa dobradinha de sucesso?

Renata: É um orgulho da Conspiração, nesse momento, que cabe a todos nós. O Auto da Compadecida 2 levou mais de 4 milhões aos cinemas, e Ainda Estou Aqui já passou dos seus 5 milhões. São dois filmes que celebram a retomada do brasileiro nos cinemas, em gêneros completamente diferentes. O Auto da Comparecida é uma fábula genuinamente brasileira, nordestina, que fala das nossas origens, das nossas mazelas e da fome, algo que também faz parte da nossa vida.  

Ainda Estou Aqui é um filme histórico. Os dois aconteceram ao mesmo tempo, e com dinâmicas de produção muito diferentes. A obra do Walter Salles é um filme do cinema clássico, com todas as suas escolhas cinematográficas próprias. Por outro lado, O Auto da Compadecida 2 resolveu, 20 anos depois da sua primeira produção, experimentar novas formas de fazer cinema com estúdios virtuais, para retomar aquele cenário do filme da Globo. 

São bons filmes. É muito único acontecer essa dobradinha de retomada, com dois gêneros diferentes, ao mesmo tempo, diante de um cenário competitivo enorme. Estavam acontecendo todas as campanhas dos filmes do Oscar, todos os blockbusters de final de ano, e mesmo assim o Brasil chamou atenção do brasileiro para o cinema. 

M&M: Do ponto de vista do consumo de audiovisual no Brasil, o que esse movimento representa?

Renata: O brasileiro tem um apetite pelas suas próprias histórias. Mesmo quando o conteúdo não é de comédia, gênero muito conhecido no País, ele tem interesse. A Ingrid Guimarães foi a primeira a reabrir o cinema de grandes audiências depois da pandemia no Brasil. Esse mérito é dela, com as comédias brasileiras. Nós entramos depois, com uma fábula e um drama na sequência.  

Estamos cada vez mais inundados por uma pangeia global de conteúdo a que não tínhamos acesso há 15 anos, por meio dos streamings e de uma grande oferta em diferentes canais. Por muitos anos, vivemos como receptores ávidos dos conteúdos americanos e, agora, das séries coreanas e dos doramas. Mas, mesmo dentro dessa oferta grandiosa, o brasileiro se escolhe. Ele quer se ver e se reconhecer.  

M&M: E para a indústria nacional, o que significa esse boom?

Renata: É tudo muito incrível, e é óbvio que é fruto de muito trabalho e da combinação de fatores econômicos. Ainda Estou Aqui é um filme independente, tendo a Globoplay como coprodutora, um streaming nacional brasileiro que apostou nessa história, além da Sony Classics, internacionalmente. Já o Auto da Compadecida é um projeto que tem o apoio dos incentivos fiscais, como a RioFilme.  

Somos uma indústria que, por um lado, tem uma capacidade industrial de execução com os streamings. Não deixamos a desejar em termos de produção e de talentos para nenhuma produção mundial, vide o sucesso de Senna, DNA do Crime e Beleza Fatal. São produtos feitos para a audiência brasileira, mas que tiveram alcance global por meio dessa dinâmica dos streamings. Por outro lado, precisamos dos incentivos e do respeito público. A maior prova disso é que temos uma soma de quase 9,5 milhões de pessoas em quatro meses de cinema. É uma capacidade real, acontece. O brasileiro quer ir ao cinema, quer se ver. Acho que conseguimos deixar isso claro.  

Outro ponto é que os incentivos fiscais impulsionam a indústria independente, para termos pluralidade das nossas histórias e para que múltiplos talentos tenham acesso à realização de filmes. Então, temos capacidade técnica e qualidade artística no mercado, mas também precisamos olhar para nosso cinema independente, que representa a variedade e a diversidade do Brasil, de realizadores e de histórias que não seguem métricas de dados e buscam um jeito puramente artístico de fazer cinema. Precisamos equilibrar esses dois pontos. 

M&M: Quais as consequências desse cenário do audiovisual para a publicidade?

Renata: Somos uma produtora de entretenimento com portas abertas às marcas. Com nosso case com a Brahma e O Auto da Compadecida 2, por exemplo, conseguimos fazer com que o filme saísse da tela do cinema e encostasse na história da marca. O que fizemos ali foi quase um curta, de 3 minutos, onde os personagens trocaram com a marca e a marca emprestou seu incentivo ao filme. Foi um clássico branded content. 

Do ponto de vista da audiência, quando a marca me entrega conteúdo em um contexto de propósito, entretenimento, formação e informação, há um ganho de comunicação. A mídia interruptiva, aquela que todo mundo tenta evitar, está cada dia menos efetiva. Vemos a audiência tentando fugir da publicidade no ambiente clássico de todas as maneiras. Agora, quando ela se insere, ela é muito bem-vinda e tem um papel grandioso.  

Vejo um futuro muito simbiótico entre as marcas e o conteúdo. O AVOD [vídeo sob demanda baseado em publicidade] vem aí com tudo. Todas as plataformas estão se preparando para seus formatos de assinatura, incluindo a publicidade, que vai precisar se encontrar nesse ambiente do streaming. É diferente de uma plataforma como o YouTube, onde você tem uma dinâmica de “skip” ou interruptiva, ou seja, entrega publicidade em momentos que não se está buscando ela, porque é feita nesse contexto.  

Nos streamings, a coisa vai precisar ganhar uma inteligência maior de troca. As marcas vão conversar com o conteúdo. A tecnologia está a serviço disso, e as mídias sociais mostraram formas muito inteligentes de interação entre marca e conteúdo.  

M&M: Críticos dizem que é preciso tomar cuidado com o “voo de galinha”, temor da indústria de que o sucesso do Ainda Estou Aqui seja passageiro e não represente um novo momomento de audiência e arrecadação para o cinema brasileiro. Como evitar esse cenário?

Renata: Com bons projetos e um trabalho coletivo de retomada do orgulho do cinema brasileiro e do desejo de ter a experiência de uma sala de cinema. É um comportamento que ficou fora da nossa memória por muito tempo. Passamos pela pandemia que, querendo ou não, foi um tempo muito longo, no momento em que os streamings chegaram e cresceram no Brasil. O ‘home cinema’ foi ficando cada vez mais confortável e mais acessível a todos.  

Hoje, temos uma geração que aceita os formatos em todos os tipos de tela, porque o ‘home cinema’ não precisa de muito. Mas o que desperta desejo não é apenas a experiência de ir ao cinema, sentar na sala, ter uma boa projeção e um bom áudio. É, principalmente, de ir ao cinema ver uma boa projeção com bom áudio de uma ótima história brasileira. Essa retomada é sobre isso. O desafio é como colocamos o cinema de novo na rotina do entretenimento do brasileiro.  

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Oscar 2025: Lideranças femininas fazem suas apostas

    Oscar 2025: Lideranças femininas fazem suas apostas

    Mulheres do audiovisual revelam suas escolhas para Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Direção, Melhor Ator e Melhor Atriz

  • Visa lança livro sobre mulheres no mercado financeiro

    Visa lança livro sobre mulheres no mercado financeiro

    "Vozes que Transformam: Elas e o Mercado Financeiro” traz uma série de entrevistas com líderes de sucesso da área