Sabrina Wagon: “No audiovisual, o Brasil tem tudo para ser uma Coreia”
CEO da Elo Studios fala sobre sua jornada profissional, avalia o cenário do setor no País e aponta tendências
Sabrina Wagon: “No audiovisual, o Brasil tem tudo para ser uma Coreia”
BuscarCEO da Elo Studios fala sobre sua jornada profissional, avalia o cenário do setor no País e aponta tendências
Michelle Borborema
4 de dezembro de 2024 - 6h41
Quando Sabrina Wagon tinha 8 anos, o pai dela a colocava no colo para assistir ao programa “Pequenas Empresas, Grandes Negócios”. A brincadeira é que ela seria empresária e teria seu próprio empreendimento.
Algumas décadas depois, em 2005, o faz de conta se concretizou: Sabrina, já adulta, conheceu Ruben Feffer, compositor, produtor e um dos herdeiros da Suzano Papel e Celulose. A Lei do Audiovisual e a Lei Rouanet tinham acabado de entrar em vigor e, ele, que gostava de cinema e já tinha entrada no mercado cultural, a chamou para montar um plano de negócio para um empreendimento no setor.
Nascia, ali, a Elo Studios, que começou como uma startup focada em distribuição de conteúdo, principalmente para televisão, dentro e fora do Brasil. Hoje, é um estúdio de audiovisual que desenvolve, produz e comercializa conteúdos brasileiros em diferentes plataformas e países.
Comandada por Sabrina, co-fundadora e atual CEO, ao lado dos sócios Ruben e Flavia Feffer e de um time fixo de 30 pessoas, a Elo já distribuiu mais de 500 títulos, incluindo filmes de mais de 1 milhão de espectadores no Brasil. Alguns foram premiados internacionalmente e distribuídos em mais de 100 países, como o longa “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos, o maior sucesso nacional de 2022. A empresa também é responsável pelo Selo Elas, uma incubadora de projetos com diretoras mulheres.
Nesta entrevista, Sabrina fala sobre sua trajetória profissional e aponta algumas tendências de negócios para a indústria de audiovisual, que na visão dela está cada vez mais aquecida.
Sempre gostei e era muito boa de exatas. Sou uma pessoa bem racional, mas ao mesmo tempo adorava teatro e artes. Quando prestei vestibular, busquei algo que misturasse humanas e exatas e decidi administração na fila da Fuvest.
Fiz meu primeiro estágio num hospital, e também dava aulas particulares. Depois, estudei por um período nos Estados Unidos e voltei. Brinco que tive muita sorte em momentos-chave da vida, porque, aos 19 anos, quando não sabia de muita coisa e estava buscando um estágio, encontrei a McKinsey. Passei e fui efetivada antes de terminar a faculdade, aos 20 anos. Lá, fiz sobretudo projetos para a indústria farmacêutica e para mídia.
Depois de 5 anos, tive um breakdown, porque não sabia se queria mesmo aquilo. A consultoria foi uma grande escola, muito mais do que a faculdade. Moldou a profissional que sou em vários aspectos. Eu era super novinha, mulher, e isso nunca foi um problema. Era uma empresa que respirava meritocracia, e isso me marcou profundamente.
Durante o breakdown, eles me deram todo o suporte. Fui afastada, mas continuei ganhando meu salário até ficar bem. Nesse período, uma amiga me chamou para um projeto sobre o ano do Brasil na França e topei fazer. Depois, ajudei a estruturar a Galeria Olido. Ali conheci meu atual sócio, o Ruben Feffer. Eu não entendia nada de cinema, mas sabia fazer business plan e gostava de cultura. Ele gostou da minha análise de mercado e me chamou para montar com ele. Foi assim que Elo nasceu. No começo, era eu e um estagiário, e fomos crescendo aos poucos nessa jornada de 20 anos.
É muito diferente de quando comecei. No início da minha carreira, era basicamente um recomeço, porque tivemos um vácuo antes da Lei do Audiovisual. Agora, estamos em um momento muito bom. Não por acaso, acabou de ser lançada a série “Senna”, feita com 250 milhões de reais, e o filme “Ainda Estou Aqui” bateu a marca de mais de 2 milhões de espectadores, com um orçamento de 40 milhões de reais.
Meus amigos do mercado financeiro costumam perguntar se a indústria audiovisual é hippie. Respondo que não, não mesmo. Um longa-metragem é, em média, 15 milhões de reais. No dia 1, as pessoas não se conhecem. No dia 2, você vai trabalhar um mês em um projeto que custa 10 milhões. Então, é gestão de projeto na veia. É muito parecido com o mercado imobiliário. Você junta recursos, faz um empreendimento, movimenta, levanta e vende.
O cinema ainda não voltou aos índices que tinha antes da pandemia. São vários os motivos. Um deles é que o streaming veio para ficar. Então, muitos conteúdos não se justificam para o formato. O segundo motivo é o preço. Pouco se fala, mas estamos vivendo um momento de recessão mundial. Então, é um programa caro para várias famílias. Do outro lado, quando você tem um grande filme cinematográfico, ele é capaz de mobilizar o público para o cinema.
Ao mesmo tempo, nunca se consumiu tanto audiovisual no mundo. E tivemos uma proliferação. Antes, o domínio era da Globo. Hoje, temos Netflix, Amazon e empresas grandes e poderosas, com uma capacidade de investimento muito alto no audiovisual, produzindo com o Brasil, mesmo sem ter nenhuma obrigação. Isso porque o brasileiro quer se ver na tela. Então é um momento muito bom nesse sentido.
Algo de que gosto muito de fazer é pensar em modelos de negócios diferentes para cada projeto. Trabalhamos com leis de incentivo junto a Warner, Sony, Telecine, Globo. Também temos fundos de investimento para o cinema, o Funcine, e trabalhamos com todos os editais e com pré-vendas.
Além disso, temos feito projetos direto com as marcas. É o branded entertainment, uma área que enxergo como futuro promissor. Afinal, hoje as marcas têm o mesmo problema que todos: capturar atenção das pessoas. É uma briga por atenção. Conseguir esse tempo e o olhar atento por 30 segundos é bem difícil. Em geral, as pessoas pulam tudo. Precisamos nos conectar aos consumidores de verdade.
Estamos fazendo, nesse momento, duas produções grandes de branded. Terminamos agora a filmagem de “Mulhers no Comando”, para Tim em parceria com a Mulheres Positivas, uma produção sobre empreendedorismo feminino para além do que é high-tech. É sobre a mulher cabeleireira, a mulher que vende roupa no Brasil.
A Elo está em um momento muito diferente. Começamos pequeno, trabalhávamos com distribuição, e hoje já somamos, no catálogo, mais de 150 filmes lançados no cinema e mais de 500 distribuídos no Brasil e no mundo. Passamos por Oscar, vendas internacionais e grandes bilheterias, como o filme “Medida Provisória”.
O pilar da produção é muito importante para nós. Trabalhamos com ficção e não ficção. Em ficção, lançamos o longa “Caindo na Real”, com participação do cantor Belo, uma produção popular que vai para a TV Globo aberta. Ao mesmo tempo, lançamos o longa “Avenida Beira-Mar”, um projeto para o mercado internacional super premiado em festivais.
Em não-ficção, trabalhamos com e sem marcas, direto para os canais e para os streamings. O objetivo é ter produções ainda maiores, num volume de orçamento superior, que consigam também viajar fora do Brasil. Na parte da distribuição, temos projetos muito fortes para o ano que vem. Temos “(Des)controle”, com a Migdal Filmes; e “Salve Rosa”, com a Panorâmica. Queremos levar o público para o cinema, porque toda parte de vendas com Netflix e Amazon já está muito bem, mas o cinema é um desafio da indústria inteira, pois desejamos fazer as pessoas voltarem efetivamente a consumi-lo.
Aliás, temos muitos desafios como indústria. Esse ano, vamos renovar a Lei do Audiovisual e aumentar o artigo 3º. Isso significa ter possibilidade de fazer orçamentos maiores. Para o ano que vem, temos que passar a lei que regulamenta o VoD (vídeo sob demanda). O Brasil é o único grande país que não está regulamentado.
A Elo tem ainda um desafio de equipe. Quando você cresce e tem um time especializado, é um trabalho muito técnico mantê-lo e torná-lo maior. Tenho várias amigas que têm filhos que fazem cinema para dizer que fazem. Eu falo: “gente, fala para eles fazerem produção executiva, estudar direito e cinema, administração e cinema, porque cada vez mais esse elo é necessário”.
O mercado audiovisual nunca produziu tanto. O desafio é mesmo buscarmos modelos de negócios diferentes, financiamentos diversos, porque temos os players, os streamings e um dinheiro público de incentivo disponível no Brasil. Sobre isso, vale lembrar: muita gente fala que esse recurso é “de graça”, mas quando olhamos para o agronegócio, por exemplo, também há incentivo fiscal. Todos os setores estratégicos têm incentivo fiscal, e a cultura é essencial e estratégica no nosso País.
As empresas do audiovisual, que antes eram pequenininhas, de artistas, não são mais. Hoje, muitas giram 500 milhões de reais por ano. Estamos falando de somas mais altas, de companhias profissionais e com demandas e entregas muito diferentes.
Como disse, o primeiro é no cinema. Temos uma oportunidade para grandes produções brasileiras. Acho que o outro ponto é a internacionalização. Hoje temos plataformas como Netflix e Amazon, onde você, na verdade, respira conteúdo internacional. Então, o que o Brasil poderia ser? Faço parte de grupos de trabalho para isso. Poderíamos ser a Coreia do amanhã. O Brasil tem criatividade, recursos e diversidade, tanto de caras quanto de natureza, para estar nesse lugar.
Estou num momento muito feliz. Na carreira, não estou mais começando, mas ainda tenho muito chão. O audiovisual é muito especial, diferente de outras indústrias, porque não é “fez 50 anos, está velha, tchau”. Você tem produtores com 60, 70 e 80 anos. Então, não estou nem na metade do meu caminho.
Quero continuar fazendo o que faço, com um potencial de impacto e de inovação maior. Faço projetos em que acredito, e esse é um ponto importante. Estou muito feliz de trabalhar com pessoas no meu time que são melhores do que eu. Quando você começa, é muito difícil, você faz tudo. Depois, é uma delícia, porque sabem mais que você, e aí te ensinam. Isso é muito legal. Hoje, também faço parte de conselho de algumas empresas e tenho me vinculado a tecnologia e mídia, algo superinteressante, porque você acaba fazendo um cross.
Nunca tive dificuldade por ser mulher. Eu, Sabrina, pelos meios por onde passei. No audiovisual, acho que temos menos diretoras mulheres do que diretores homens. A Elo fez, inclusive, um trabalho grande como incubadora deas novas diretoras. Mas, olha que interessante: a maior série audiovisual já produzida no Brasil, “Senna”, tem uma diretora mulher, a Júlia Rezende. Então, já acho que não necessariamente é um lugar que a gente ainda precise brigar por reconhecimento.
Do outro lado, temos um número muito significativo de mulheres produtoras e produtoras executivas. Temos a Conspiração, com uma CEO mulher. Entre as produtoras executivas de canais, também há mais mulheres do que homens. No entanto, quando olhamos para CEOs das grandes empresas e no segmento de distribuição, ainda são homens.
Algo positivo é que, quando falamos das executivas do mercado, é um grupo pequeno, mas existe uma sensação de confraria. É um apoio muito, muito forte.
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