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Opinião

Seu silêncio serve a quem?

“Matar o mensageiro” é uma expressão que teria tido origem na decisão de um rei de executar o oficial que lhe levou a notícia da derrota de seu exército.


17 de abril de 2023 - 9h57

Crédito: veronchick_84/shutterstock

“Matar o mensageiro” é uma expressão que teria tido origem na decisão de um rei de executar o oficial que lhe levou a notícia da derrota de seu exército. Certamente ele não foi o único líder a mandar matar portadores de más notícias. Trazendo pro ambiente corporativo: opiniões diversas, conversas difíceis sobre situações erradas e problemas nos negócios são de fato considerados ou é mais fácil “matar” o mensageiro? Nesse contexto, leia-se “matar” como silenciar, afastar, deslegitimar, desqualificar, desligar. 

Há maturidade e ética pra discordar sobre ideias sem usar o seu poder contra as pessoas? Questiono você que está líder? 

E você, base, linha de frente… Quantas vezes se sentiu silenciado e preferiu não opinar para evitar retaliações mesmo identificando problemas reais e oportunidades de melhorias? Quantas vezes você teve que negligenciar suas necessidades e deixar de impor limites pra ser considerado legal ou um bom funcionário? E quanto ao compliance e as chamadas ouvidorias, são de fato canais seguros? A inabilidade em lidar com pessoas “diversas” segue forte nas conversas de corredor e nas sessões de terapia que lidam com os reflexos das violências institucionais. “Estamos abertos à diversidade”, e em caixa baixa, nas entrelinhas, o aviso: “Diversidade de ideias desde que não conflitem com as nossas. A subserviência, essa nunca sai de moda.” Você pode até ter uma leitura do que pode ser melhor pra estratégia, uma visão de negócio que certamente poderia contribuir para a reputação e os lucros da empresa, mas nem sempre é isso o que está em jogo senão a manutenção do que já está posto. É, meu chapa, imagine você fazendo tudo certo como ensinaram e, quando você finalmente está próximo da linha de chegada, as regras mudam e a linha se distancia… Esse grande plano de inclusão começou a gerar incômodo, melhor vetar, deixar pra lá. Mas “deixar pra lá” é um privilégio que muitos de nós não temos. Após o trágico episódio George Floyd e com o intuito de tornar as empresas inclusivas, muitas organizações abriram as portas para perfis “diversos”. Pretos, periféricos, pessoas com outras origens e vivências passaram a fazer parte do quadro de colaboradores, profissionais que sempre existiram aos baldes, porém sem as mesmas oportunidades. 

Qualificados também, e isso é importante dizer, porque uma das ferramentas mais utilizadas ao longo da história pelo sistema foi justamente dizer que eles não encontram esses profissionais preparados… Desqualificar intelectualmente e moralmente essas pessoas sempre fez parte do pensamento racista, machista, capacitista, transfóbico… 2023, mas quando foi mesmo que isso não existiu? A história se repete. Se você colocar uma lente nos números, vai observar que a maioria dessas pessoas ainda está ocupando cargos “júnior”, fazendo um recorte de raça, podemos afirmar que os processos seletivos majoritariamente são voltados para estagiários e trainees. Atualmente apenas 10% dos profissionais negros ocupam cargos de liderança no marketing, por exemplo, e quando falamos de mulheres negras esse número é reduzido para 4% segundo estudo assinado pela ODP. Para estes poucos profissionais temos alguns caminhos desconfortáveis e violentos, como por exemplo o tokenismo. O novo discurso consolador é dizer que tivemos avanços sim, que ainda estamos longe do ideal, mas que é visível a evolução nos últimos anos, e segue o fio… Quando você escutar isso, repare no interlocutor. Quem afirma isso tá na linha de frente ou se beneficia disso de alguma forma, com a base continuando na base? As únicas pessoas que se incomodam quando você estabelece limites e traz contrapontos são aquelas que se beneficiaram quando você não os tinha estabelecido. Mas todas as lideranças são assim? Definitivamente não. Existem verdadeiros aliados, líderes comprometidos, que entenderam que crescer é importante, mas que a gente não precisa crescer do jeito que o capitalismo espera, do jeito que o racismo promove. Tive a felicidade de conhecer alguns.

Certa vez, uma amiga que ocupa uma posição de liderança e de grande visibilidade me contou o lado ruim de estar nesse lugar. “Muitas vezes não sei em quem confiar, sinto que me blindam de algumas informações, percebo que tem algo errado, mas não chega até mim da forma que realmente aconteceu”, desabafou. Se você é líder ou já ocupou esse lugar, é possível que já tenha sentido esse mesmo desconforto, mergulhado em indagações, e no final seguiu sem respostas, ou pior, convencido de narrativas que não condizem com a verdade, dando poder de decisão a pessoas sem preparo, sem ética. Coincidentemente, enquanto escrevia este texto me deparei com o documentário “Líderes que inspiram”, na Netflix. No primeiro episódio, a respeitadíssima Ruth Bader Ginsburg, advogada e juíza norte-americana, aconselhou: “Saber ouvir talvez seja o mais importante, porque as pessoas tendem a falar com quem pensa da mesma forma”. Nesse mesmo documentário, Greta Thunberg, jovem ativista, muito à frente do seu tempo, ressalta: “Liderança é quando você se atreve a tomar decisões por um bem maior. Precisamos começar a tratar crises como crises e emergências como emergências”. Me atrevo a dizer que, quanto maior o seu poder, maior é a sua responsabilidade. E nesse momento a liderança pensa: “mas eu tenho que lidar com o macro, preciso confiar nos meus diretos pra conduzirem o micro”; talvez você tenha que estar atento ao micro também pra não ficar refém de um ponto cego e fazer uma gestão justa, adequada.

Agora imagine que alguém, intitulado aqui como “o mensageiro”, levanta a mão e diz: “Eu acho que estamos errados, esse não é o caminho”. Imagine… Os mensageiros são lidos muitas vezes como chatos, inadequados, sem fit com a cultura, under performer… Será que é porque eles nos dizem que a vida vai além do nosso MacBook? Porque batem na tecla de que um jovem negro morre a cada 23 minutos no Brasil, que a tragédia no litoral norte de SP não é culpa da chuva e sim do racismo ambiental, que o vinho que você bebe pode ser oriundo de trabalho análogo à escravidão, que funcionários de camarotes no carnaval ganham cerca de 200 reais e que nessa mesma festa oriunda da cultura negra, entre 36 jurados, apenas 4 eram negros… Eu não vou nem falar dos cachês milionários e das presenças vips. É nessa hora que cabe ao soberano matar o mensageiro e não dar força para que outras pessoas reflitam sobre o que ele traz. Crescer é importante. Mas a gente não precisa crescer do jeito que o sistema espera. Existem outras formas de crescer. O que me leva a pensar como é bizarro existir gente como Jeff Bezos e milionários no mundo como bem lembrou Rodrigo van Kampen. Por fim, não adianta tentar matar o mensageiro, ele aprendeu a existir e resistir. 

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