Sobre fazer coisas que não são de menina
Que a Copa do Mundo de 2022 e todo o seu pioneirismo feminino nos inspire a continuar insistindo em todas essas "coisas que não são de menina", mas que a gente sabe fazer tão bem
Que a Copa do Mundo de 2022 e todo o seu pioneirismo feminino nos inspire a continuar insistindo em todas essas "coisas que não são de menina", mas que a gente sabe fazer tão bem
15 de dezembro de 2022 - 6h09
O que arbitragem, narração esportiva, propaganda e games têm em comum?
A Copa do Mundo 2022 ainda nem terminou, mas já acumula vários marcos históricos no que diz respeito à atuação feminina. E isso é algo a se comemorar, já que o futebol sempre foi visto como um esporte muito masculino.
Há alguns anos, temos visto essa “tradição” estremecer um pouco, com o aumento de mulheres frequentando as arquibancadas e batendo um bolão nos campeonatos de futebol feminino.
Nesta Copa, elas não estão jogando, mas sim narrando, apitando e comentando os jogos. Das 129 pessoas que compõem o time de arbitragem da Fifa, seis são mulheres. Inclusive, uma delas é brasileira.
E os recordes não param por aí. Pela primeira vez, uma mulher foi árbitra de uma partida de Copa do Mundo. E, também pela primeira vez, tivemos um trio de arbitragem composto totalmente por mulheres.
Fora dos campos, o pioneirismo das mulheres também aparece. Pela primeira vez, tivemos uma mulher narrando jogos da Copa do Mundo em TV aberta, já que, na Copa de 2018, as narrações femininas ficaram restritas aos canais por assinatura.
Da mesma maneira, temos mulheres comentando as partidas, inclusive correspondentes enviadas ao Catar. Isso para não falar das inúmeras repórteres cobrindo os jogos, pois o jornalismo esportivo está, cada vez mais, deixando de ser um clube do Bolinha onde “menina não entra”.
É claro que esses números ainda são muito desproporcionais e que os homens ainda são maioria em campo e fora dele. Além disso, não dá para fechar os olhos para a postura discriminadora do país-sede em relação a mulheres e à população LGBTQIA +. Não à toa, a mascote do mundial foi apelidada de “tapioca homofóbica” e virou meme nas redes.
Mas um passo de cada vez.
E o que isso tudo tem a ver com a gente?
Bom, para além do fato de que a conquista de qualquer mulher é um incentivo para todas as outras, acho que dá para traçar alguns paralelos entre as histórias dessas mulheres e a de todas nós que atuamos em áreas que não são necessariamente consideradas femininas.
As árbitras, bandeirinhas, narradoras, comentaristas e jornalistas esportivas que estão em ação na Copa trabalham com coisas que, historicamente, nunca foram vistas como “coisas de menina”. Se até assistir aos jogos no estádio ou tomar uma cerveja no bar não eram atitudes lá muito bem-vistas não faz muito tempo, imagina só trabalhar diretamente com o futebol.
De alguma maneira, eu consigo ver algo em comum entre a atuação dessas mulheres na área dos esportes e a atuação de mulheres na propaganda.
Como nós conversamos na coluna do mês passado, embora as mulheres estejam cada vez mais assumindo a liderança de áreas como o planejamento, sua presença em outras áreas, como a criação, ainda é minoritária. Ou seja, ainda existem setores restritos às mulheres nas agências de comunicação e nos departamentos de marketing das empresas. De alguma forma, também existem clubes do Bolinha em alguns setores da propaganda.
Se formos pensar na área dos games, a coisa fica ainda mais séria. O universo gamer sempre foi bastante hostil à presença de mulheres, envolvendo assédio, piadinhas e até ofensas – como se uma mulher não soubesse jogar tão bem quanto qualquer homem. É só perguntar a qualquer mulher streamer que ela terá dezenas de histórias para contar sobre o constrangimento sofrido nesse ambiente.
Se não é fácil para as meninas que jogam, também não é tão diferente para quem está do outro lado das telas e trabalha com jogos. Seja como designer, roteirista, desenvolvedora ou estrategista. Trabalhar com games é uma pressão muito grande para as mulheres.
Afinal, na infância, muitas de nós ouviram que não podiam brincar com o videogame novo do priminho porque aqueles jogos eram violentos demais, agitados demais, masculinos demais. Enfim, não eram “coisas de menina”, assim como o futebol.
Essas restrições continuam na vida adulta, mas não precisa ser sempre assim. Que a Copa do Mundo de 2022 e todo o seu pioneirismo feminino nos inspire a continuar insistindo em todas essas “coisas que não são de menina”, mas que a gente sabe fazer tão bem. E mostrar para todo mundo que as mulheres são capazes de assumir qualquer papel que tenham vontade.
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