#Sonialivre liberta também outras mulheres com deficiência
Nós, mulheres com deficiência, enfrentamos desafios adicionais por desejarmos carreiras bem-sucedidas ao mesmo tempo em que queremos ser mães e tantas outras escolhas
#Sonialivre liberta também outras mulheres com deficiência
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26 de agosto de 2024 - 15h07
Há algum tempo tenho me dedicado a prestar mentoria para mulheres com deficiência, em desenvolvimento de carreira profissional, e constatei que as questões mais desafiadoras trazidas por elas têm muito mais relação com o fato de serem mulheres do que com o de serem pessoas com deficiência. E eu tenho a mesma sensação.
Chega um ponto da carreira, em um momento mais estável, que não precisamos mais comprovar nossas habilidades e capacidades profissionais por conta da deficiência. A deficiência não é mais empecilho para nossa evolução tanto quanto o fato de ser mulher ainda é.
As questões de carreira trazidas pelas ‘mentoradas’ nessa fase não têm mais a ver com a deficiência. São questões das mulheres. São as opressões que nos perseguem por gênero, sobrepondo-se a outras opressões de pessoas com deficiência.
A Lei de Cotas 8.213, uma ação afirmativa para a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, está completando 33 anos. No entanto, das vagas reservadas para as pessoas com deficiência, apenas 42% são ocupadas por mulheres com deficiência, segundo RAIS/CAGED de 2022. Os homens com deficiência ocupando as cotas também são maioria no mercado de trabalho.
Nós, mulheres com deficiência, enfrentamos desafios adicionais por desejarmos carreiras bem-sucedidas ao mesmo tempo em que queremos ser mães e tantas outras escolhas. Essa é uma jornada muito solitária. As mulheres sabem o que é estar sozinha nos lugares.
Uma história sobre essa solidão tem me comovido demais. Sônia Maria de Jesus, uma mulher preta, surda, analfabeta, com 50 anos de idade, recentemente virou notícia por ter sido resgatada da condição análoga à escravidão em que vivia, na casa do investigado desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), Jorge Luiz de Borba, em Florianópolis (SC), por 40 anos e sem acesso à educação formal, vida social e saúde.
Apesar da argumentação do desembargador afirmando que ela é considerada uma integrante da família, Sônia dormia em um quarto fora da casa principal, trabalhava de domingo a domingo, sem férias e sem receber salário. A decisão da justiça em permitir o retorno da vítima à casa da família do desembargador gerou o movimento #sonialivre que vem ganhando força nas redes sociais.
A história de Sônia é o exemplo mais polêmico do que é ser uma mulher com deficiência que trabalha. A violência a que Sônia foi exposta por não saber de seus direitos como pessoa, como profissional espelha uma realidade solitária de tantas mulheres com deficiência no Brasil, que estão contratadas por empresas, mas que permanecem por muito tempo no mesmo lugar, à revelia dos direitos que todo e qualquer profissional tem, apenas porque acham que a empresa faz a todas nós – mulheres com deficiência – um favor ao nos contratar e nos manter. E isso se repete em milhares de outras “Sônias” no Brasil das desigualdades.
Durante a 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Com Deficiência, convocada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), coordenada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), em conjunto com a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em julho deste ano, em Brasília, entendi o quanto ainda precisamos trabalhar para fazer chegar as informações às pessoas com deficiências, sobre nossos direitos e sobre o que já é lei, como e, de quem cobrar. Até para saber o que fazer com nossos planos versus nossos direitos, nossa liberdade. Isso ainda vem antes da Lei de Cotas. Quantos direitos ainda nos são negados ou simplesmente não cumpridos ainda que a lei exija? Quantas Sônias precisaremos libertar para podermos viver nossas realizações com autonomia e real liberdade?
A diversidade, equidade e inclusão precisa ir além do cumprimento da Lei de Cotas. Precisa ser intencional. Não basta apenas contratar uma pessoa com deficiência. É preciso tratá-la como um indivíduo único, com necessidades únicas e que também deseja crescer na carreira, ter acesso às mesmas oportunidades, de formação de lideranças de pessoas com deficiência, ainda que simultaneamente escolha ser mãe, ser líder.
Libertar Sônia será também uma libertação das opressões que nos escravizam de formas diferentes, à falta de humanidade que fomenta a exclusão. É preciso repensar padrões para fazer do mundo um lugar justo para todas as pessoas.
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