Sua empresa tem diversidade geracional? Um papo necessário sobre etarismo
Combater mais esse preconceito, especialmente no mercado de trabalho, é necessário e urgente levando-se em conta o aumento da expectativa de vida da população brasileira
Sua empresa tem diversidade geracional? Um papo necessário sobre etarismo
BuscarCombater mais esse preconceito, especialmente no mercado de trabalho, é necessário e urgente levando-se em conta o aumento da expectativa de vida da população brasileira
26 de abril de 2023 - 9h11
Não sei a idade que você, que está lendo este texto, tem. Mas, se tudo der certo, um dia você vai envelhecer. Sim, envelhecer. Essa palavra ainda é um tabu e precisa ser ressignificada para que possamos vencer o etarismo, a discriminação devido à idade. Combater mais esse preconceito, especialmente no mercado de trabalho, é necessário e urgente levando-se em conta o aumento da expectativa de vida da população brasileira e as mudanças nas regras de aposentadoria. Até 2040, estima-se que 57% da nossa força de trabalho terá mais de 45 anos. Mas segundo a pesquisa “Por que pessoas 50+ não são consideradas como força de trabalho em um país que envelhece?”, realizada pela plataforma online Maturi e a consultoria EY Brasil, 80% das empresas respondentes não têm políticas específicas e intencionais de combate à discriminação etária em seus processos seletivos.
A questão vai além da contratação. A agenda sobre Diversidade, Equidade e Inclusão ganhou papel de destaque nas empresas, mas ainda está focada em gênero, raça/etnia, pessoas com deficiência e a comunidade LGBTQIA+. A diversidade geracional ainda é pouco discutida. E olha que o preconceito etário não está mais restrito a quem tem 40 anos ou mais. Um outro estudo recente, feito pela plataforma de vagas Infojobs, mostrou que 73% dos profissionais da geração Y (nascidos entre 1980 e 1989) e Z (nascidos entre 1990 e 2010) sentem que são subestimados por serem mais novos. Por outro lado, 66% dos profissionais da geração X (nascidos entre meados da década de 1960 até 1979) sentem que os mais jovens duvidam de seu profissionalismo.
No caso das pessoas mais maduras, não é incomum elas serem taxadas como pouco produtivas, sem disposição para aprender novas habilidades, sem criatividade, e, principalmente, com dificuldade para lidar com tecnologia. Esses foram os comentários preconceituosos mais comuns citados por participantes de um levantamento feito pelas empresas Vagas.com, Colettivo e Talento Sênior.
Talvez por conta desses estereótipos as pessoas mais velhas tenham mais dificuldade de encontrar uma posição em startups, por exemplo. De acordo a Associação Brasileira de Startups, 62,3% das startups nacionais não contam com profissionais maduros nas suas equipes.
Para quem busca um turnover na carreira também não é fácil. Viram o caso recente das estudantes de Biomedicina que ridicularizaram uma colega de curso com mais de 40 anos dizendo que ela era “velha demais” para fazer faculdade? Esse é um exemplo bem evidente.
O problema é ainda maior para as mulheres porque a discriminação etária muitas vezes é ditada pelo sexismo, especialmente no que diz respeito à beleza. Enquanto homens com cabelos grisalhos são considerados charmosos, mulheres que não pintam os cabelos são tidas como desleixadas. A pressão estética nos torna mais vulneráveis.
No mês passado, Michelle Yeoh chamou a atenção para o problema durante o Oscar. Aos 60 anos, foi a primeira mulher asiática a levar a estatueta de Melhor Atriz. Ao receber o prêmio, fez um discurso antietarista ao conclamar: “mulheres, não deixem ninguém dizer que vocês já passaram do seu auge”.
Tenho um compromisso junto às marcas que lidero de atuar de forma proativa para a inclusão de pessoas com mais de 45 anos tanto por meio de projetos sociais quanto dentro dos nossos muros. Muitas ações podem ser feitas no combate ao etarismo: mentorias, palestras de conscientização, revisão de políticas de inclusão de 45+ em processos seletivos são algumas alternativas.
Uma das minhas referências nessa luta contra o etarismo é a Roberta Salvador, com quem tenho prazer de trabalhar. Diretora-geral do departamento Jurídico da L’Oréal Brasil, ela está quebrando paradigmas ao atuar à frente de um programa que busca incentivar a inclusão de pessoas 45+ em todas as áreas do negócio. Constantemente, ela defende a diversidade geracional nos quadros da empresa. Aos 50 anos, é uma mulher com quem eu aprendo muito e adoro conversar. Abaixo, divido com vocês o papo que bati com ela sobre etarismo. Espero que ele inspire vocês a se juntar a nós como agentes de transformação no combate a esse preconceito.
Como você lidou com os marcos da idade? Fazer 30, 40, 50 mudou algo para você?
Mudou tudo. Confesso que não lidei muito bem com a chegada dos 40 e tive uma crise, que culminou inclusive com a minha mudança de carreira, quando fui empreender. Encarar essa crise fez toda a diferença para hoje, aos 50 anos, eu estar mais feliz e consciente das minhas escolhas. Claro, sigo com muitos questionamentos, inclusive sobre o que quero para os meus próximos dez anos, mas com menos necessidade de aprovação externa. Isso faz toda a diferença.
Você defende muito a diversidade geracional na empresa. Poderia explicar por que ela é importante e como implementá-la? Isso se restringe ao ambiente corporativo ou é para fora dele também?
A diversidade geracional é extremamente importante porque houve um aumento da expectativa de vida, mudança das regras de aposentadoria, combinado com o momento de envelhecimento populacional brasileiro. Então, cada vez mais, jovens e velhos trabalharão lado a lado. Isso traz um olhar diferente, mudança de vieses e um ambiente mais diverso. Isso se aplica à vida fora do mundo corporativo. Por exemplo, para mim, é muito importante a troca com meus filhos e sobrinhos. E estou falando de troca mesmo, e não das relações antigas em que o conhecimento era transmitido sempre dos mais velhos para os mais novos. Eu aprendo muito com a forma como meus filhos encaram a vida, e isso é incrível.
A diversidade geracional ajuda a combater o etarismo? Como você vê hoje essa questão? Estamos evoluindo?
Eu não percebo uma evolução tão grande no mercado de trabalho. Quando você faz um recorte de gênero, a situação é ainda pior. Ainda vejo cobranças absurdas para que a mulher se mantenha jovem, independentemente da sua capacidade técnica e da sua experiência. A grande luta é mudar o olhar, trazer uma perspectiva de que o aprendizado adquirido ao longo dos anos de carreira é extremamente valioso para a empresa e, inclusive, para as novas gerações que estão entrando nas corporações. Se você tem sempre o mesmo tipo de pessoa, você vicia o seu olhar. É quase como se fosse uma AI definindo o conteúdo que você vai consumir e, portanto, o resultado é sempre pouco diverso.
Você abordou a questão sexista quando falamos de etarismo. O que podemos fazer, enquanto mulheres, para melhorar este quadro?
É aquela velha história: homem grisalho é visto como sexy, mulher grisalha, desleixada. De novo, entendo que passa por mudarmos o olhar. No livro “O mito da beleza”, da Naomi Wolf, fica claro o quanto os nossos olhares foram treinados para admirar somente o frescor da juventude. Há pouquíssimo tempo saiu uma capa da “Vogue” com uma mulher filipina de 106 anos, belíssima! Claro, isso virou notícia porque não estamos acostumados. Tem um livro da Annie Ernaux, “O Jovem”, que versa sobre um caso amoroso entre uma mulher de 52 e um rapaz quase 30 anos mais jovem. Essa mulher recebe olhares e é vista como uma transgressora, mas se pararmos para pensar, se fosse um homem mais velho, estaria perfeitamente normal aos olhos da sociedade. Mas para combater esse viés sexista, entendo que o meu papel como uma mulher de 50 anos é trazer luz para o assunto, me posicionar sempre que presenciar uma fala preconceituosa relacionada à idade/gênero, e principalmente apoiar outras mulheres de 45+ a se sentirem plenas para que possam escolher viverem suas vidas de uma forma diferente do que esperam dela. Isso sim, é belo!
Como promover a inclusão das pessoas mais velhas no mercado de trabalho? Ou como não contribuir para a exclusão? Muitos profissionais vivem a crise dos 50, não é?
Acredito que para incluirmos as pessoas 45+ no mercado de trabalho, devemos começar olhando para dentro das empresas. Entender o porquê de ainda taxarmos que determinado profissional “passou da idade” para a função X, ou porque os processos ainda levam em consideração a idade, dependendo da função. Com isso, é partir para a ação: conscientização, letramento e acolhimento, assim como fazemos na L´Oréal por meio das redes de afinidades. A própria criação da Rede de Gerações passa por isso. No nosso primeiro encontro, ouvimos relatos de pessoas que já tiveram medo de divulgar sua idade e outras que têm medo do futuro profissional. E sim, a crise dos 50 deve bater forte, mas eu antecipei a minha para os 40, porque sou de Aquário e nós somos visionárias (risos).
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