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Tragédia no Litoral Norte de SP: às vezes o óbvio precisa ser dito

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Opinião

Tragédia no Litoral Norte de SP: às vezes o óbvio precisa ser dito

É óbvio que o Brasil precisa parar de uma vez por todas de neglicenciar os vulneráveis e menos favorecidos como tem feito ao longo de séculos


1 de março de 2023 - 11h39

Vista da cidade de São Sebastião após chuvas que destruíram a região, deixaram dezenas de vítimas e milhares de desabrigados (Crédito: Fernando Marron/Getty Images)

É óbvio que catástrofes ambientais serão cada vez mais presentes na vida dos brasileiros que durante tanto tempo repetiram que o país era abençoado por não ser acometido por desastres naturais.

É óbvio que precisamos de planos emergenciais que retirem as famílias menos favorecidas de locais de risco, antes que o único plano seja retirar seus corpos.

É óbvio que o Brasil precisa parar de uma vez por todas de neglicenciar os vulneráveis e menos favorecidos como tem feito ao longo de séculos.

É óbvio que a segregação escancarada também é patrocinada por quem não quer ver seus filhos brincando, estudando e crescendo ao lado dos filhos da empregada e por quem quer o pobre perto o suficiente para servir seu café, mas longe o bastante para não desvalorizar seu imóvel de alto padrão.

É óbvio que enquanto indivíduos temos que atuar em nós mesmos e conscientemente na raiz de um problema que passa pelas questões mais profundas do preconceito e da soberba que nos habita.

É óbvio que recusar a construção de moradia digna para famílias pobres perto dos nossos condomínios primeiromundanos é em primeira instância, uma atitude desumana.

É óbvio que lutar por representatividade em cargos de liderança sem olhar para a base de uma população miserável e totalmente invisível para as políticas públicas e privadas, é dar passos lentos demais dentro de nossas próprias bolhas.

É óbvio que nossas bolhas também serão punidas pela força da natureza, mas de forma muito mais amena do que estamos vendo acontecer com pessoas em áreas de risco, vida de risco, existência de risco.

É óbvio que conhecemos o poder da nossa voz, do nosso voto e do nosso lugar de fala, mas usamos muito pouco dele para mudanças profundas e necessárias por medo de perder nossos privilégios.

É óbvio que nossas lutas por representatividade na política, nos altos cargos, na cena cultural e na nossa história precisa urgentemente ser direcionada a uma população que nasce, cresce e morre sem sequer ser reconhecida como gente.

É óbvio que mudanças reais só acontecerão se a despeito de nossas crenças religiosas ou políticas, começarmos a reconhecer que a vida dos pobres no Brasil não é digna, não é segura, não é valorizada e, muitas vezes, nem vida é.

É óbvio que em nossas casas, no nosso trabalho,  no nosso prédio e em vários outros lugares convivemos com pessoas que no próximo verão podem precisar ser resgatadas de escombros.

É óbvio que temos que lutar por elas e por quem tanto precisa do nosso lugar de fala e das nossas atitudes diárias para serem tratadas com o devido respeito e dignidade.

É óbvio.

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