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Transição de carreira: a trajetória de mulheres que se reinventaram

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Transição de carreira: a trajetória de mulheres que se reinventaram

Cresce o número de profissionais que, mesmo em altos cargos, querem fazer a transição de carreira; motivos vão da busca por reconhecimento e equilíbrio ao desejo de inovar


4 de novembro de 2024 - 15h24

Por Dimalice Nunes

No livro The 100-Year Life, Andrew Scott e Lynda Gratton, ambos professores da London Business School, preveem que os trabalhadores pós-modernos devem ter de quatro a seis profissões ao longo da vida. Os números comprovam a projeção: pesquisa realizada pela Maturi e Noz Inteligência mostra que 52% dos brasileiros já trocaram de carreira ao menos uma vez, porcentagem que aumenta entre pessoas com mais de 55 anos (67%).

Quando o recorte são as mulheres maduras, o cenário é mais acentuado e sete a cada dez profissionais entre 42 anos e 83 anos estão em transição de carreira. “O primeiro motivador, claramente, é o equilíbrio com a vida pessoal”, aponta a CEO da Serh1 Consultoria, Andréa Cruz. “Existe também uma pressão compulsória ligada às novas profissões e à aceleração tecnológica. E à demanda financeira por que não, necessariamente, você se aposentará quando planejou”, explica.

Andréa Cruz, CEO da Serh1 Consultoria: “Já ganhei meu dinheiro, fui bem-sucedida, mas, agora, quero uma vida mais leve” (Crédito: Mariana Vieira Elek)

Mas, e quando se foca em executivas, mulheres bem-sucedidas, que parecem ter chegado aonde outras tantas gostariam de chegar? “Muitas chegaram ali como meta, mas não, necessariamente, como sonho. Vem a necessidade de equilíbrio com o querer: ‘Já ganhei meu dinheiro, fui bem-sucedida no que me predispus a fazer, mas, agora, quero uma vida mais leve’. Isso é muito forte”, diz Andréa.

É o caso de Melissa Vogel, que ficou na mesma empresa por mais de 28 anos, dos quais os sete últimos na cadeira de CEO. “Ao chegar aos 50, queria ter um ciclo de novas vivências e conquistas tão gratificante como o primeiro”, afirma. A ideia coincidiu com o momento em que se engajou em outras atividades, como palestras, docência e atuação em entidades de classe. “Isso confirmava a minha vontade por mudança de rota.” A decisão, porém, não foi fácil. Um longo processo de reflexão pessoal foi acompanhado do planejamento financeiro que possibilitou a Melissa estar em período sabático para repensar a nova fase. “Ao longo de quase três décadas, nunca soube o que era viver sem crachá”, afirma.

Melissa Vogel: “Aos 50, queria ter um ciclo de novas vivências e conquistas tão gratificantes como o primeiro” (Crédito: Arquivo pessoal)

O processo de reconstrução da identidade profissional é um dos desafios para quem encara a empreitada de mudar de rumo, avalia a CEO da CP Talent, Cecília Pinaffi. “Usualmente, as pessoas têm seus nomes associados às empresas para as quais trabalham. Fazer transição de carreira requer se reconectar consigo mesma, identificar seus pontos fortes e alavancar a nova carreira a partir daí. E provar-se competente em novos ambientes”, acrescenta a especialista.

Pior para elas

Os números mostram que tanto homens quanto mulheres buscam novos caminhos, mas, o que explica que elas sejam maioria? A resposta pode estar em três palavras: maternidade, machismo e etarismo. Embora o perfil das mulheres em transição de carreira tenha se multiplicado, o mais comum ainda é o daquelas em retorno da licença-maternidade. “A maternidade tem influência direta. Ou porque a mulher fica mais produtiva, ou porque quer mudar de trabalho para ter maior tempo de qualidade, ou por processo de culpa, ainda muito comum”, relata Andréa.

Mães ou não, diz, são também as mulheres que mais sofrem retaliações no ambiente de trabalho, sejam os episódios de assédios moral e sexual, a sabotagem de projetos ou perda de visibilidade. Cecília acrescenta, em referência a Mary Ann Sieghart, autora do livro The Authority Gap: “Mulheres enfrentam obstáculos relacionados à autoridade, o que pode influenciar suas decisões de transição profissional. Mesmo em posições de alta qualificação e sucesso, são, frequentemente, subestimadas, ignoradas ou desafiadas. Apesar de bem-sucedidas, são levadas menos a sério, o que pode gerar frustração e desmotivação, levando-as a explorar novos caminhos profissionais.”

Cecília Pinaffi, CEO da CP Talent: “Fazer transição de carreira requer se conectar consigo mesma e alavancar a partir daí” (Crédito: Divulgação)

O etarismo, segundo Andréa, emerge da diferença na construção das carreiras de homens e mulheres. Há dez ou 15 anos, carreiras em grandes empresas se encerravam por volta dos 50. Agora, a longevidade as estica. Além disso, como as mulheres que estão em cargos de liderança, em geral, entraram mais tarde nessas corporações, é comum que, aos 45 anos, ainda não tenham chegado ao lugar que gostariam. “Ela começa a se comparar com o entorno masculino, o que gera insatisfação”, afirma Andréa. Outro fator é o desenvolvimento de novas habilidades para um mercado em transformação constante. “Num grupo que já entrou tardiamente, não há, necessariamente, velocidade de um upskilling e de um reskilling”, completa.

Reset mental

Cris Camargo, ex-CEO do IAB Brasil, é outra executiva que, como Melissa, optou por período sabático para desenhar o novo mapa profissional. Os planos já são muitos, mas ela se deu “um reset da rotina”. Ainda antes da pandemia, sentiu curiosidade de explorar novas áreas, mas existia um tripé a ser sustentado ao longo do processo, que veio a se materializar mais tarde. “Meu papel, além de cuidar e pensar meu próximo passo, também era construir uma transição com segurança a todos os envolvidos.” Além de garantir uma passagem de bastão consistente no IAB, tinha o cuidado com a família. “Sou mãe, casada, tenho pais idosos e preciso manter a roda girando, sem prejudicar os demais com a minha decisão. Olhei minhas contas, calculei um intervalo estimado, conversei com meu marido, recebi o apoio incondicional e fui em frente”, relata.

Cris Camargo, ex-CEO do IAB Brasil: “Olhei minhas contas, calculei um intervalo estimado, conversei com meu marido, recebi o apoio incondicional e fui em rente” (Crédito: Divulgação)

Melissa também usa a palavra “reset” para descrever seu atual momento. “Optei por descansar, estudar, aprender coisas novas, experimentar para poder resetar e fazer planos dos próximos passos”, diz. Para a superintendente de comunicação e marketing da Fundação Osesp, Mariana Stanisci, a virada se deu sem esse reset. O voluntariado, paixão antiga que vinha da família, se converteu em profissão depois dos mais de 20 anos no mundo corporativo. “Trabalhei em corporações e multinacionais, tive carreira internacional, cresci muito, fui ganhando mais geografia, responsabilidades, mas sempre atuei no terceiro setor como voluntária. Tinha uma carreira como palco principal e um lado B”, lembra.

Mariana Stanisci, superintendente de comunicação e marketing da Fundação Osesp: “Sabia que, em algum momento, faria uma virada. Minha transição foi longamente maturada” (Crédito: Arquivo pessoal)

A maternidade, no entanto, foi a indutora para a mudança. Há dez anos, quando se tornou mãe, veio o desejo de uma rotina mais equilibrada. “A vida corporativa te consome muito e, naquele momento, percebi que precisava fazer mudança de carreira para trabalhar em um lugar mais tranquilo, no qual eu conseguisse ser a mãe CLT que precisava e queria ser”, recorda. A opção foi deixar grandes corporações e partir para um emprego com rotina mais estruturada. “Por muitos anos, foi assim, mas sabia que, em algum momento, faria uma virada. Minha transição foi longamente maturada”, afirma. Uma proposta internacional marcou, enfim, a virada. Convidada a se mudar de país pela empresa em que atuava, a família falou mais alto. “Meu marido é empreendedor, minha filha tinha entrado numa escola nova. Achei que não era o caso”, diz Mariana.

A vida seguiu, as promoções vieram e, com isso, novas questões, intensificadas pela pandemia. “Não tive burnout, clinicamente, porque não fui ao psiquiatra, mas estava muito cansada, estressada e angustiada. Achei que estava guardando dinheiro para comprar remédio no futuro. Veio uma epifania e resolvi sair”, afirma. A área cultural não era o objetivo. “Queria trabalhar com transformação, desenvolvimento humano, com alguma coisa que fosse bela, prazerosa, bonita, que eu achasse importante.” Há quase três anos, a Fundação Osesp ganhou uma nova profissional no marketing.

Outra forma de mudar de carreira é o empreendedorismo, caminho escolhido por Carmela Borst, cofundadora e CEO da SoulCode Academy. Carmela trabalhou por 25 anos no mundo corporativo, inclusive na vice-presidência para a América Latina em multinacionais na área de tecnologia. “O mundo corporativo sempre foi um desafio o qual me propus a vencer”, ressalta. Mas a vontade de transformar vidas e movimentar o mercado de tecnologia e educação falou mais alto e assim nasceu a SoulCode

Carmela Borst: “O mundo corporativo sempre foi um desafio ao qual me propus a vencer” (Crédito: Arquivo pessoal)

Nesse contexto, ser mulher tem um peso, garante Carmela. “As barreiras são, muitas vezes, invisíveis, mas estão lá. Existe uma cobrança maior por desempenho e, muitas vezes, precisamos provar nosso valor repetidamente. Descobri que o mundo dos investidores é tão masculino quanto o corporativo”, afirma. A planejada transição contou com o apoio da família, com a segurança de uma estabilidade financeira de anos de trabalho, sócios e investidor. Ainda assim, para Carmela, o processo de demissão de uma empresa, em alta posição, para empreender, não é uma decisão fácil, tampouco rápida ou romântica. “Empreender é uma jornada diária de resiliência, aprendizado e resistência”, finaliza.

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