Tudo o que eu quero é dinheiro e amor sincero
Você já pediu aumento salarial? Eu nunca havia pedido aumento. É muito recente a primeira vez que negociei um salário.
Tudo o que eu quero é dinheiro e amor sincero
BuscarVocê já pediu aumento salarial? Eu nunca havia pedido aumento. É muito recente a primeira vez que negociei um salário.
24 de abril de 2023 - 9h58
Foi após me orgulhar de uma amiga que havia dito não a uma proposta de emprego de uma grande empresa por entender que o salário era muito inferior para remunerar uma profissional como ela. Foi um “não” para a empresa e um “sim” para ela própria. Dias depois, um pedido de reconsideração do valor foi enviado e ela foi contratada com o salário que julgava ser adequado.
A conversa entre nós duas foi um marco para mim. Ela é uma mulher negra assim como eu e sem medo de dizer não para uma oportunidade de trabalho que a estava desvalorizando. Me senti encorajada e parti para a minha primeira negociação salarial, ciente de que estava recebendo menos do que o mercado pagava para outros jornalistas e que o escopo do trabalho já havia mudado desde o dia em que fui contratada. Sabe aquela coisa de ser contratado para fazer um X, dali a pouco nós estamos fazendo de 3 a 4 X e recebendo o mesmo valor? Eu tenho certeza que você já vivenciou uma experiência como essa no mercado.
Colocar o medo no bolso, me vestir de coragem e iniciar uma negociação salarial não foi fácil para uma mulher como eu que todos os dias preciso enterrar a sabotadora que grita em meus ouvidos que sou apenas uma jornalistazinha de sorte.
Ao longo dos meus 20 anos de carreira, pouquíssimas foram as oportunidades que sorriram para mim. Venho de um cenário periférico onde a nossa criatividade se expande na escassez, tanto de dinheiro quanto de oportunidade. Quando me ofereciam um trabalho eu aceitava sem questionar os salários, acreditando que nada melhor seria oferecido novamente. E assim eu ia seguindo sem reconhecer a excelência da minha atuação e tendo o comportamento apropriado para permitir a minha própria exploração, a subserviência.
Além disso, são muito sensíveis as questões que envolvem esse tema num país desigual como o nosso. Temos uma estrutura de diferença salarial que perpassa raça e gênero. Segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para cada R$1 que um homem branco ganha, uma mulher recebe R$ 0,78. Se esta mulher for negra como eu, esse ganho é ainda menor. Uma mulher negra, segundo a mesma pesquisa, recebe valor 57% menor do que homens brancos, 42% inferior do que mulheres brancas e 14% menos do que os homens negros recebem.
Dá uma olhada atenta nestes números e me responde com sinceridade, como negociar salário num cenário em que minha força de trabalho é extremamente desvalorizada? Como ir atrás de um “faz me rir” quando tudo o que tenho ao meu redor me faz chorar?
Mesmo assim eu fui. Comecei conversando com outras mulheres. Questionando quanto ganham, como são feitos os aumentos e, principalmente, como nós negociamos o valor do nosso serviço estando no meio de relações de trabalho cada vez mais precarizadas. Nós mulheres conseguimos falar com facilidade sobre orgasmo, frustrações sexuais, desafios da maternidade, mas temos dificuldade de falar sobre dinheiro entre nós. Durante as conversas descobri que não estava sozinha, pedir aumento é um tabu para nós mulheres.
Essas conversas me fortaleceram e eu conquistei meu primeiro aumento de salário após uma negociação sugerida por mim. Estar munida de coragem e de domínio da comunicação foi imprescindível para o sucesso da minha negociação. Mas enquanto buscava informações, eu não escapei de uma série de sugestões de gurus da negociação que, na verdade, pareciam uma lista de estereótipos de gênero que eu deveria adotar para ser ouvida. Não se esqueça de sorrir, não se esqueça de dizer desculpas ao invés de obrigada e blá, blá blá. Se eu seguir essa lista, lá se vai a minha autoestima sendo mastigada pelo machismo.
Eu segui meu instinto, falei sobre meus resultados e ressaltei a importância do meu nome no mercado. Antes de entrar na sala e iniciar aquela reunião ouvi uma música da Rihanna para elevar a endorfina. Bitch, better have my money guiou toda a conversa com meu empregador e eu saí da sala fortalecida. Foi uma primeira etapa vencida, a mais importante foi ter matado a sabotadora que habita em mim e que talvez habite em você também.
Eu quero muitas coisas boas do mundo para mim e para todas as mulheres e dentre elas eu grito ao mundo inteiro, eu quero dinheiro, eu quero amar.
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