Um balanço do futebol e da cultura no Catar
Esse mundial trouxe muito mais que bola no pé: permitiu o debate sobre questões culturais e políticas que conseguiram mexer com grande parte do mundo
Esse mundial trouxe muito mais que bola no pé: permitiu o debate sobre questões culturais e políticas que conseguiram mexer com grande parte do mundo
28 de dezembro de 2022 - 8h51
A grande festa do futebol acabou. Foi mais de um mês fora de casa, longe da família e dos amigos e é hora de voltar ao Brasil com muitas memórias, aprendizados e momentos incríveis na bagagem. Esse mundial trouxe muito mais que bola no pé: permitiu o debate sobre questões culturais e políticas que conseguiram mexer com grande parte do mundo. O fato de ter sido concentrada em um único país possibilitou assistir mais jogos e conviver com pessoas de diferentes nacionalidades, proporcionando o contato com a cultura de diversos locais.
Bola rolando
Para a Argentina, foram 36 anos de suor e frustração, 36 anos de uma espera que acabou no dia 18 de dezembro de 2022. A vitória do time albiceleste contra a França na final do mundial não foi o fim da espera só dos torcedores, foi a vitória de um atleta que passou quatro mundiais voltando pra casa sem a taça na mão, sob duras críticas de que não dava o sangue pelo time, ou até de que não era argentino o suficiente, pois morava na Espanha desde a infância. Lionel Messi, um dos melhores jogadores da história, tinha nessa edição a última chance de vitória, aos 35 anos. Vibrando pela Argentina ou não, quem assistiu a partida viu que foi um jogo sofrido para ele e os companheiros. Na equipe rival, o principal jogador francês tinha apenas 23 anos.
Durante o primeiro tempo, o time de Messi dava sinais de que poderia ter uma vitória confortável contra a França, mas ao longo da partida vimos brilhar a estrela de Mbappé, que buscou o empate. O tricampeonato argentino foi selado apenas nos pênaltis, depois de um 3 a 3 emocionante.
E, neste último duelo, não vimos mulheres dentro de campo apitando o jogo, apenas na escalação como 5º árbitro. Mas, é fato que este campeonato abriu caminhos para elas em um ambiente culturalmente dominado pelos homens, afinal presenciamos mulheres não só apitando jogos, mas também como comentaristas em diversos programas de TV — nós mesmos, da NWB, trouxemos para o Catar a Bianca Santos, dos Desimpedidos, e as integrantes do Passa a Bola Alê Xavier e Luana Maluf, que puderam levar um olhar feminino sobre os acontecimentos do futebol. Mas mesmo sendo um país altamente restritivo no que diz respeito à liberdade feminina, não podemos negar que os debates sobre o assunto foram inúmeros, o que possibilitou jogar luz ao tema.
Mulheres em evidência
Uma das coisas que mais me impressionou no país foi a questão da mulher no Oriente Médio. Como já contei aqui em artigos passados, conheci algumas que amavam morar no Catar e traziam o quesito segurança como justificativa para todas as outras questões polêmicas. Por outro lado, presenciamos situações de desrespeito, como perceber mulheres saindo sozinhas do estádio e serem seguidas até o metrô, ou serem filmadas de costas como um objeto, e até mesmo ver uma delas sendo assediada numa ida ao Souq Waqif para produzir conteúdo e precisar de ajuda para sair do local. Mesmo na fila de um supermercado, os cataris passam na sua frente sem o menor pudor.
Por outro lado, analisamos que as mulheres locais, em sua maioria, veem tudo isso como parte da cultura, e que usar a Abaya e todas as outras leis restritivas não são questões negativas para elas. Tudo isso nos fez sair do Catar com muitos aprendizados sobre os diferentes povos, culturas e saberes. E isso é muito enriquecedor, até porque podemos não concordar com o que acontece naquele lugar, mas temos que aprender a respeitar as diferenças. Isso sempre nos transforma.
Não tem como retornar igual depois de uma viagem como essa. Sentir tudo isso de perto, passar por diferentes situações, digerir as experiências vividas, discordar, concordar, torcer, chorar, torcer de novo, perder, ganhar, ver o primeiro time africano chegar numa semifinal ou presenciar o maior rival do Brasil vencer o campeonato. Estou feliz e muito grata por ter vivido tudo isso. Afinal, com todos os problemas, esse evento esportivo fez o mundo parar, uniu pessoas, nações inteiras, trouxe alegrias, mesmo que por um período curto de tempo.
E, de volta ao meu país, vamos em frente, afinal, também temos muitas resenhas pela frente!
Compartilhe
Veja também
Como as marcas podem combater o racismo na publicidade?
Agências, anunciantes e pesquisadores discutem como a indústria pode ser uma aliada na pauta antirracista, sobretudo frente ao recorte de gênero
Cida Bento é homenageada pela Mauricio de Sousa Produções
A psicóloga e ativista vira personagem dos quadrinhos no projeto Donas da Rua, da Turma da Mônica