Vanessa Monteiro: “O esporte precisa mais da mídia do que o contrário”

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Vanessa Monteiro: “O esporte precisa mais da mídia do que o contrário”

De volta das Olimpíadas, a head de mídia da Footballco avalia o que esperar da dinâmica da indústria com o território de esporte após o boom do evento


12 de agosto de 2024 - 16h08

Vanessa Monteiro é head de mídia da Footballco no Brasil (Crédito: Divulgação)

Em 2008, Vanessa Monteiro entrava na ESPN, onde ficou por 12 anos e descobriu a paixão pelo esporte e pelo branded content. À época, a contratação e retenção de mulheres na área era difícil. “Quando me contrataram, perguntaram se eu tinha interesse mesmo. Afinal, que mulher queria trabalhar num canal de esportes? Elas não se sentiam bem, era um ambiente machista, com homens falando besteiras o tempo inteiro. Mas, graças a deus, isso mudou.” 

Vanessa escolheu aceitar a vaga e passou a trabalhar em uma sala destinada ao departamento comercial do canal, com cerca de 25 pessoas: ela, três mulheres e dezenas de homens. O que ela não imaginaria é que, ao longo dos próximos 16 anos, ela veria – e protagonizaria – uma mudança na maneira de se trabalhar com esporte, sobretudo como mulher. 

“Foi assim que comecei a acompanhar a transformação da presença das mulheres no ambiente esportivo em geral. Não apenas na arena de competição, mas no jornalismo e em todas as frentes desse território”, reflete. 

Hoje, Vanessa lidera no Brasil a área de mídia da Footballco, considerada a maior empresa de mídia e conteúdo de futebol do mundo, com a missão de conectar as marcas com o esporte de maneira proprietária e relevante. Uma das principais frentes de trabalho é o futebol feminino, modalidade que a executiva adora e coleciona exemplos de como a participação das mulheres vem ganhando destaque dentro e fora dos campos. 

De volta de Paris, onde assistiu a jogos das Olimpíadas, Vanessa Monteiro avalia o que esperar da dinâmica da indústria da publicidade no que diz respeito ao esporte após o boom do evento. Afinal, muda alguma coisa? Confira.   

Para você, por que as atletas brasileiras se destacaram tanto nessas Olimpíadas de Paris, sobretudo em relação aos homens?

Foi bem surpreendente. Não a performance das mulheres, mas o quanto o esporte feminino se descolou do masculino. Venho batendo nessa tecla há alguns anos, sobre o quanto as mulheres chegaram a um alto nível esportivo. Tem a ver com algumas questões. Primeiro, com o espaço de respeito que elas conquistaram para treinamento e para todo o restante. Existe também a segurança que elas agora têm não apenas no esporte, mas principalmente no treino. 

Ainda vemos, infelizmente, alguns casos de abuso, mas já não são mais tão corriqueiros e normais como eram. Hoje, as vítimas se sentem mais à vontade para falar sobre. As meninas da ginástica, por exemplo, sempre passaram por isso. Mas esse cenário vem se transformando, e isso faz com que as mulheres consigam conquistar mais espaço. O que conseguimos no mercado de trabalho há anos atrás, finalmente, agora, estamos vendo refletir no esporte. 

Outra coisa que sempre falo, também, é a questão da igualdade de pagamento. Que ainda não chegou, mas os valores pagos às atletas vêm melhorando. Então, o esporte feminino está, de fato, se tornando profissional. É muito maluco pensar que só em 2012, há 12 anos, tivemos mulheres em todas as delegações. Não é algo que aconteceu há 20, 30 anos, mas há três edições das Olimpíadas. Então, realmente, tudo faz parte de uma evolução, e agora estamos colhendo os frutos. Outro ponto importante é que a mídia passou a dar atenção para o esporte feminino e a perceber que ele também gera interesse. 

Do ponto de vista de mídia, por que esse interesse pelos esportes femininos tem crescido? Acha que, depois dessas Olimpíadas, vai aumentar ainda mais? 

Primeiro, há a questão do esporte e da magnitude do evento. Mas existe algo cruel, porém real: para o esporte acontecer e realmente dar certo, ele precisa muito mais da grande mídia do que o contrário. Porque o fato é que, se a gente olhar, hoje, para os grandes players do mercado, eles vão gerar grande audiência independentemente de estarem no jogo do vôlei ou não, entende? 

Existe um outro ponto importante, também, que é o patrocínio. No Brasil, não temos a cultura de incentivar os patrocinadores de atletas e dar visibilidade a eles, algo que nos Estados Unidos, por exemplo, é muito comum. Lá, a televisão não tem problema algum em mostrar o atleta completamente trajado com o uniforme do patrocinador ou em transmitir a menção do esportista à marca. As arenas com nome de marca são citadas e está tudo certo. Mas é uma coisa que não acontece aqui.  

Acho que a grande mídia ainda define o que pode ou não divulgar a partir do investimento que deseja do anunciante e do quanto pode investir num atleta. Nesse sentido, o CazéTV foi brilhante em pedir seguidores para os atletas. Foi algo tão simples, mas ninguém fez isso antes. Uma das coisas a se pensar é no quanto valorizamos, de fato, o patrocinador do atleta. Porque não adianta nada o esportista realmente batalhar para chegar no nível em que chegou e não ter incentivo para além das Olimpíadas ou de um campeonato mundial.

A Rebeca, por exemplo, tem muitas marcas que a patrocina, mas quando ela dá uma entrevista toda de Adidas, a marca não aparece. Focam nela, para que nada seja visto. Antigamente existia até um efeito de deixar o uniforme do atleta borrado. Enfim, ainda temos alguns caminhos para dar visibilidade a quem incentiva o esporte. 

Nesse sentido, você avalia que algo vai mudar para as atletas femininas após essas Olimpíadas no que diz respeito a marcas e patrocínios? 

Agora, estamos nessa onda. Em uma semana, vamos falar de um residual, mas passa. Vai ter Paralimpíadas, que têm menos apelo, embora talvez esse ano a gente consiga encarar o evento com mais carinho e atenção. Mas, de volta àquilo que disse: o esporte depende muito mais da grande mídia do que o contrário. O CazéTV está fazendo um trabalho espetacular nessas Olimpíadas, dando realmente muita visibilidade para o esporte. A Globo também começou a se preocupar um pouco mais com isso. Então, talvez a gente veja as Paralimpíadas em outro nível.

Mas, respondendo à pergunta, acho que, saindo desse ambiente e da febre das Olimpíadas, fica o quanto realmente de esporte a gente consegue colocar na grande mídia e o quanto de interesse isso ainda gera. Porque é isso que traz as marcas para o esporte. Infelizmente, por mais que a gente tenha um sonho, existe toda uma cadeia a ser seguida. Então, uma marca tem um fôlego limitado para colocar dinheiro no esporte e vai ser sempre assim, de acordo com o que ela enxerga de audiência e impacto do público.

É claro que muitas marcas têm projetos sociais e incentivam de maneira mais consistente o esporte, porque tem ali uma vertente para isso, mas é limitado. Basta notar que, quando a marca é grande, há um quadro de cinco, seis atletas patrocinados. Então, é um espaço muito pequeno reservado para o esporte. Não é para todo mundo. A pessoa tem que chegar realmente a um nível muito alto para poder conseguir atingir esse patrocínio.  

Por isso, vai ser muito importante o que esses atletas que estão conseguindo milhões de seguidores, com ajuda do CazéTV, vão fazer com esse engajamento, porque isso sim vai trazer marcas e fazer com que eles consigam fechar publis e, de repente, mais patrocínio para além dos grandes eventos.   

O que mais te inspirou nessas Olimpíadas? 

As Olimpíadas de Paris deixaram o legado de perceber que, sim, o esporte feminino é relevante, dá audiência e é interessante. As arenas em Paris ficaram lotadas, para o esporte masculino e feminino. Mostra que o esporte precisa realmente ser praticado. Precisamos dar espaço, falar sobre ele, porque ele gera audiência, mas precisa ser visto. Quanto mais exposição a gente der para ele, mais isso vai acontecer. Mas isso esbarra, novamente, na questão dos patrocinadores. Vimos isso acontecer com a Copa do Mundo Feminina e, durante muitos anos, também aconteceu com a Libertadores. As emissoras não querem comprar transmissão sem ter garantias de que haverá uma marca para patrocinar, porque elas precisam pagar as contas dos direitos de alguma forma. Por outro lado, as marcas também ficam inseguras, porque não é barato, e às vezes não vai dar o retorno que elas esperam. O pensamento é que pode ser melhor simplesmente comprar uma cota de novela, sabe? 

A TV tem que começar a investir nisso, bancar, e a marca deve entender que às vezes realmente precisa daquele subsídio para que o esporte continue tendo espaço e cresça de verdade. Outra questão, falando das marcas, é que hoje não temos um investimento sólido em base esportiva no Brasil, em nenhum esporte. Não temos consistência. Há iniciativas muito pontuais, mas que são desorganizadas, não são bem pensadas. Não temos uma faculdade com bolsa para os atletas. Muitos brasileiros vão fazer universidade fora porque têm um talento absurdo no esporte e resolvem ser profissionais. A base é o que a gente precisa trabalhar aqui, para formar. Caso contrário, não vai adiantar, vamos chegar nas Olimpíadas e ficar em vigésimo lugar sem condições de brigar por mais medalhas.

A realidade é que não temos muito mais para onde crescer além disso. Não temos base e nem investimento em esporte que justifique termos muitos atletas de altíssimo nível. Hoje, viver de esporte ainda é viver sem preparação adequada.  

Você foi para as Olimpíadas. Quer compartilhar algum insight que teve lá? 

Acho que as arenas lotadas e as pessoas interessadas no esporte foram um insight para mim. O público queria assistir vôlei, não importava se era masculino ou feminino. Isso é algo que não percebi em outras Olimpíadas ou competições, sabe? O interesse sempre foi maior pelo masculino. É claro que isso ainda existe um pouco, não sejamos cegas, mas percebi que as pessoas foram mais aos jogos pelo espetáculo do esporte.  

Acho que o tratamento que Paris deu para, de fato, não haver diferenciações nas competições, de estarem todos, homens e mulheres, nas mesmas arenas, foi importante para essa mudança. Com as competições de tênis e vôlei de praia, por exemplo, que assisti, era assim. Você via um jogo feminino e, depois, um masculino. Não tinha separação nos ingressos da arena. Então, se você comprava, ia assistir a competições de atletas homens e mulheres, no mesmo lugar.

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