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A visão de lideranças femininas de agências independentes

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A visão de lideranças femininas de agências independentes

Executivas analisam as oportunidades e os desafios das empresas de publicidade autônomas no mercado brasileiro


28 de março de 2025 - 12h41

Não é de hoje que o mercado publicitário vive um movimento de fusões e aquisições entre agências. Segundo dados do Sebrae, existem cerca de 36 mil agências de publicidade no Brasil, e 85% delas são micro e pequenas empresas. Apesar deste cenário de fragmentação e diversidade, grande parte do faturamento ainda fica concentrado nas agências de grupos e multinacionais. “Isso representa um grande desafio, pois é uma luta constante para nos provarmos e entregar sempre o melhor para os clientes”, aponta Tatiana Marinho, CEO da Gana. 

Durante sua trajetória de mais de vinte anos na publicidade, Ana Coutinho, vice-presidente de business e sócia na Galeria, já vivenciou algumas fusões. Ela esteve na W/Brasil quando houve a união com McCann Erickson, tornando-se a WMcCann, em 2010, e também na DPZ, quando foi vendida ao Publicis Groupe, em 2011. “Acredito que esse é um movimento cíclico. O desafio para as agências independentes vai sempre existir do ponto de vista financeiro, porque não contamos com o apoio de investidores”, analisa. 

Elas podem não deter os maiores faturamentos ou clientes multinacionais, mas juntas conseguem fazer barulho no mercado. “Acho que as agências independentes, por terem mais liberdade, acabam incomodando”, reflete a VP da Galeria. “Isso acontece porque temos mais autonomia e uma proximidade maior com o cliente, algo que é mais difícil em uma agência de grupo, onde o contato é mais distante”, continua. 

Para Glaucia Montanha, CEO da Artplan São Paulo, o crescimento das agências independentes está causando mudanças no mercado, que fomenta tal movimento de compras e fusões: “Com a experiência de 17 anos em multinacional, sei que esse é o futuro das grandes empresas: adquirir agências independentes”, afirma. 

A essência independente

Um dos grandes diferenciais das agências independentes é a rapidez, principalmente na tomada de decisão. “Numa agência independente, temos mais agilidade, menos burocracia e a capacidade de tomar decisões mais rápidas, o que é fundamental no mercado atual, que exige cada vez mais rapidez e eficiência”, destaca Andrea Siqueira, CCO e sócia na Ampfy.  

Andrea Siqueira, CCO e sócia na Ampfy (Crédito: Divulgação)

Para Ana Coutinho, outra vantagem das independentes é a possibilidade de investir numa ideia criativa antes de colher os frutos. “Já em uma agência de grupo, você precisa provar o resultado antes de agir, o que engessa muito o processo”, acrescenta.  

A maleabilidade é outra fortaleza dessas agências, como pontua Tatiana Marinho: “Pelo nosso tamanho, temos mais flexibilidade para estruturar nossos times conforme a necessidade do cliente, o que muitas vezes é mais difícil para uma multinacional”, afirma. “Trabalhei em multinacional e sei que, apesar de haver um desejo de adaptação, a estrutura e os processos engessam um pouco as decisões. Já na agência independente, conseguimos ser muito mais ágeis e próximos do cliente, o que nos permite entender melhor o desafio e nos tornarmos parceiros estratégicos, ajudando no crescimento do negócio”. 

Por outro lado, as agências de grandes grupos têm a capilaridade como atrativo frente às independentes. “Em um grupo grande, você tem uma capilaridade maior e, muitas vezes, acesso para testar ideias. Por exemplo, na BBDO em Chicago, conseguimos fortalecer o Creative Council, o que nos permitiu trabalhar de forma colaborativa com vários países”, afirma Andrea Siqueira.

Outro destaque é o acesso às ferramentas. “A diferença entre multinacional e agência independente está principalmente na estrutura e no back office. Em um grande grupo, você tem acesso a inúmeras ferramentas de gestão, pesquisa e, principalmente, de gestão de projetos”, relata Tatiana. 

Tatiana Marinho, CEO da Gana (Crédito: Divulgação/Rafael Berezinski)

Já Glaucia Montanha discorda e ressalta que isso era uma vantagem antigamente, porém, hoje, as independentes têm tanto acesso a ferramentas quanto as multinacionais. “Com a digitalização e a abertura do sistema, hoje você tem acesso às ferramentas de várias plataformas. Na verdade, as agências independentes têm tanto ou até mais ferramentas, porque, como não há a obrigatoriedade de adquirir ferramentas internacionais, você está mais aberto a testar novas opções”, destaca. 

Autonomia e ‘olho no olho’

Numa agência de grupo, existem muitos protocolos, regras e hierarquias a serem seguidas. Entretanto, uma estrutura com muitos níveis hierárquicos acaba por interferir na velocidade das ações e até na efetividade da tomada de decisão, o que se torna outra desvantagem. “Aqui, podemos tomar decisões rapidamente: contratamos, treinamos e implementamos políticas claras dentro da agência, tudo alinhado com a vontade da liderança. Não precisamos submeter nada para aprovação externa, o que elimina os trâmites burocráticos”, aponta Ana Coutinho. 

Com a simplificação da hierarquia e a tomada de decisão rápida, as independentes também têm a a autonomia como diferencial. “A proximidade e o senso de decisão, tanto da nossa parte quanto do cliente, são essenciais para tomarmos decisões rápidas e entregarmos soluções mais eficazes e criativas”, destaca Andrea.  

Além da agilidade, flexibilidade e autonomia, as independentes conseguem entregar algo que os clientes têm valorizado cada vez mais: o olho no olho. “Na Galeria, por exemplo, muitos dos nossos clientes brasileiros são donos ou presidentes, e podemos ter uma conversa direta com eles, algo único, que uma agência de grupo dificilmente oferece”, afirma a VP. 

Outra vantagem é a proximidade com a cultura local. Num grupo global, por vezes, existe um alinhamento criativo com a liderança internacional, o que pode distanciar as agências da realidade local. “Na agência independente, conseguimos proteger mais nossa fortaleza, que é a criação imersa na cultura e na vida dos brasileiros, especialmente quando lidamos com uma marca brasileira”, destaca Ana. 

Por fim, o portfólio de clientes também é um diferencial das independentes quando atendem pequenos e médios negócios que, em geral, não estão no radar dos grandes grupos. “Embora nem sempre tenhamos contas fixas de grandes marcas, conseguimos estar presentes em projetos importantes. Além disso, atendemos pequenas e médias empresas com as quais conseguimos fazer um trabalho excelente, ajudando a construir e fortalecer suas marcas”, ressalta Marinho. 

Lideranças femininas nas agências

De acordo com o Censo de Diversidade das Agências Brasileiras, realizado pelo Observatório da Diversidade na Publicidade, entre 2023 e 2024, houve um aumento de 9 pontos percentuais de mulheres na cadeira de CEO nas agências de publicidade, chegando a representar 24%. Já no quadro de diretoria, as mulheres já representam 52% no último censo. 

Tatiana Marinho percebeu essa grande mudança: “No passado, o caminho foi muito difícil. Foi uma trajetória bastante solitária”, relata. “Hoje, a realidade é diferente. Olhamos para o lado e vemos mulheres fortes e potentes, e tenho certeza de que muitas mais virão”. 

Camila Hamaoui, presidente da Wieden+Kennedy São Paulo, também comemora esse avanço. “O mais legal de estarmos vivendo esse momento é que há um certo acolhimento entre nós. Temos a consciência dos desafios que enfrentamos para chegar até aqui, que não foram fáceis, mas sentimos uma confiança mútua, sabendo que damos conta do negócio, sabendo exatamente o que estamos fazendo e ocupamos um espaço que é nosso por direito”, diz. 

Apesar deste aumento na presença feminina, Glaucia Montanha ainda enxerga como um movimento paliativo. Uma experiência particular foi decisiva para este entendimento: “Fui a um jantar de um grande cliente, onde estavam apenas os principais executivos do mercado, entre anunciantes e grandes executivos de agências. Para você ter uma ideia, eu diria que apenas 10% eram mulheres. A verdade é que poucas mulheres chegaram aos primeiros cargos de liderança. O que fizemos foi colocar as mulheres nos segundos e terceiros níveis de comando. Se você observar as lideranças femininas nas agências e no mercado, verá que elas estão nessas posições. Nosso desafio agora é fazer com que elas cheguem ao primeiro nível”, avalia. 

Para a executiva, é preciso criar um planejamento para o futuro para aumentar a presença feminina no alto escalão. “Precisamos de um movimento real, de um plano de futuro. Hoje, temos mulheres em posições de liderança, mas precisamos garantir que elas sejam os próximos nomes no primeiro nível”, continua Glaucia. 

Glaucia Montanha, CEO da Artplan São Paulo (Crédito: Divulgação)

Para Andrea Siqueira, as lideranças femininas conseguem aportar um diferencial para as empresas, principalmente nas relações e no cuidado com as pessoas. “Quando somos líderes, buscamos criar um espaço agradável e favorável para que as pessoas floresçam, organizando os processos de forma que as coisas aconteçam sem fricção”, ressalta. 

A autonomia das independentes também favorece a implementação de políticas que promovem a diversidade. “Na Galeria, por exemplo, temos 54% de liderança feminina. Se acreditamos em algo, podemos colocar em prática sem precisar de aprovação de ninguém. Isso nos dá muito mais flexibilidade e autonomia nas decisões”, pontua Coutinho. 

Desafios da independência

Um dos grandes desafios das agências independentes é a responsabilidade financeira e a falta de apoio de investidores externos. Sobre gerir a Galeria, Ana Coutinho afirma: “Estamos à frente de uma agência que começou como uma startup, mas que, apesar de jovem – temos pouco mais de três anos – já tem uma estrutura gigante. Por um lado, temos o bônus de sermos responsáveis pelo nosso próprio negócio, mas também o ônus de não ter ninguém para dar suporte caso algo dê errado”.  

Essa mesma responsabilidade também cria uma camada de pressão adicional sobre o resultado entregue. “Em um grande grupo, um erro pode passar despercebido, mas em uma agência independente, ele pode significar a perda de uma conta”, aponta Tatiana Marinho. 

Apesar das diferenças, há desafios que permeiam todos os tipos de agências na atualidade. Com orçamentos cada vez mais enxutos e uma comunicação cada vez mais complexa, não basta mais entregar apenas um filme, um anúncio ou um banner. “Hoje, a profundidade, amplitude e complexidade de uma campanha são muito maiores”, reflete Camila. 

Camila Hamaoui, presidente da Wieden+Kennedy São Paulo (Crédito: Divulgação)

“No entanto, a remuneração das agências não acompanhou essa complexidade. Manter-se relevante no mercado, mostrando aos clientes a importância de uma comunicação eficiente para seus negócios, e ainda garantir a saúde financeira da agência, entregando trabalhos dessa magnitude em um cenário cada vez mais competitivo, é um grande desafio”, complementa a presidente da Wieden+Kennedy. 

Esse contexto da comunicação e suas dinâmicas incertas propõem desafios adicionais para as independentes, que precisam ser mais criativas para oferecer soluções que as diferenciam no mercado. “Acho que temos grandes desafios, especialmente em relação à economia, aos algoritmos e à dispersão dos meios. Costumo dizer que existia o retorno sobre investimento (ROI), mas acredito mais no retorno sobre a criatividade, o ROC. Acredito que a criatividade é o que gera valor para os stakeholders, que tira os produtos de um nível de commodity e agrega um valor de marca que diferencia as empresas das demais”, propõe Andrea. 

Essa mesma liberdade e criatividade entram em cheque no processo de expansão de uma agência, que se depara com o desafio de manter-se fiel à sua essência enquanto ganha escala. Glaucia Montanha fala sobre como é gerir a Artplan nesse sentido: “Hoje, somos uma das maiores agências do País, e o meu dia a dia é pensar em como escalar sem perder a relação com as pessoas, a origem de uma agência independente. Se não tomarmos cuidado, vamos virar uma commodity como os grandes grupos, e a nossa diferença vai se perder”, destaca. 

Vender ou persistir?

Ser vendida para um grande grupo ou permanecer independente é um dos pontos de bifurcação na trajetória de muitas agências que nascem independentes. A escolha não é simples, mas há quem já nasça com a premissa de permanecer independente, como a Wieden+Kennedy, que existe há 43 anos e se mantém fiel à sua essência.  

“No nosso caso, essa decisão foi tomada pelos fundadores quando criaram a agência. Claro que não é simples, especialmente se você não está gerando negócio, captando clientes ou estabelecendo relevância no mercado, tanto em termos financeiros quanto pela qualidade do que você entrega aos clientes. As agências independentes dependem dos clientes enxergarem valor nelas para conseguirem se sustentar sem se vender”, reflete a presidente da agência. 

“A Wieden tem uma estrutura sólida, com um trust que garante que a agência nunca será vendida, o que nos dá uma grande sensação de segurança e propósito. A independência se reflete em muitos aspectos: desde ter clareza sobre quem somos, o tipo de trabalho que queremos fazer e os clientes com quem queremos trabalhar, até a flexibilidade para tomar decisões estratégicas”, afirma Camila. 

Para agências como a Wieden, a independência se torna um valor fundamental do negócio. “A independência oferece a garantia de que os valores que fizeram a agência chegar até ali serão preservados. Nosso mercado é feito por pessoas, e sabemos como isso é fundamental. Quando um cliente muda, ou quando a agência contrata novas lideranças, a essência da agência também pode mudar”, reflete Andrea. 

Quando uma agência passa a fazer parte de um grupo, sua estrutura muda invariavelmente. “Nos dois casos em que participei, nesse processo ganham-se camadas, estruturas e hierarquias que não existiam. Antes, você tomava as decisões diretamente em uma sala, e, de repente, precisa esperar aprovação de um board ou aguardar movimentos globais para entender qual é o seu papel”, descreve Ana Coutinho. 

Ana Coutinho, VP de Business e sócia na Galeria (Crédito: Divulgação)

Assim como Ana, que passou por alguns movimentos, Glaucia Montanha esteve na Young Rubicam Brasil, fundada em 1998 por Roberto Justus, quando ela foi vendida ao grupo WPP, e reflete sobre um ponto importante nesse processo: “O segredo da compra da Young Rubicam, lá atrás, foi que o Roberto Justus ainda era o acionista majoritário. Então, se as agências independentes forem compradas, é importante alinhar as ambições dos donos e dos presidentes. Não precisava ser em ações, podia ser em contrato ou na administração local”, analisa. 

“Não adianta achar que, se uma agência for comprada 100% por um grupo, ela vai continuar a mesma. Quando uma independente é adquirida por uma multinacional, ela perde o que a torna independente. Na maioria das vezes, isso resulta na perda de clientes, e a agência se encaixa de volta no modelo multinacional”, continua Montanha. 

Para a presidente da Wieden+Kennedy, é um privilégio fazer parte de um grupo que se estabeleceu como independente há 43 anos. Seu desejo é que as agências independentes sigam resilientes e que os clientes continuem a reconhecer o valor que elas entregam. “A independência traz vários benefícios e seria triste ver essa onda de compra de agências continuar, pois isso acaba resultando em uma pasteurização das ofertas, o que não é bom para ninguém.” 

Os desafios são enormes, mas é preciso acreditar na visão e na proposta de valor que cada agência independente entrega. Para Glaucia, no entanto, ainda falta maior reconhecimento por parte do mercado. “As agências independentes têm a agilidade, o poder e a autonomia para moldar a indústria. Só precisamos trazer mais visibilidade para isso. Antigamente, em concorrências, você via três agências internacionais e uma independente, como se fosse uma cota. Hoje, os clientes estão escolhendo agências independentes e, quando optam por agências globais, estão priorizando aquelas que mantêm certa independência”, provoca. 

Com esse controle sobre seu valor e sua entrega, as independentes conseguem exercer sua força no mercado, atraindo clientes e até influenciando em dinâmicas da indústria. “As agências independentes, ao participar de concorrências, podem ter uma abordagem diferente. Enquanto grandes grupos muitas vezes têm metas de novos negócios que as forçam a entrar nesses processos, às vezes, com dinâmicas abusivas, as independentes conseguem estabelecer padrões de ação mais flexíveis”, afirma Camila. 

“No fundo, tudo isso vem de uma vontade muito forte dos fundadores da agência, que acreditam no negócio e na visão, e que sustentam isso até onde conseguem. Infelizmente, muitas vezes isso não é possível, e é uma pena ver o mercado ficando cada vez mais conglomerado, com esses grandes grupos megalomaníacos. Acho que, no final, todo mundo perde um pouco, porque é difícil para uma agência se manter fiel aos seus valores quando precisa prestar contas e dividir sistemas e relatórios com outras agências, que originalmente poderiam ser bem diferentes dela”, reflete Hamaoui. 

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